Romantasy: conheça o gênero literário que virou fenômeno ao unir amor épico a seres mágicos

Obras como as de Sarah J. Maas conquistam um público ávido por romance em universos fantásticos e em meio a aventuras e batalhas épicas . Especialistas explicam o que é a romantasia e como ela vem se destacando entre leitores no Brasil e no mundo

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

O que não pode faltar em um livro de fantasia? Seres mágicos, mundos imaginários, batalhas épicas, e o que mais o autor quiser. Cabe tudo na literatura de fantasia, que se desdobra em subgêneros já consolidados e segue conquistando leitores jovens e adultos (historicamente, mais homens do que mulheres). Mas as coisas estão mudando. Nos últimos meses, o mercado editorial foi bombardeado com originais de livros que prometem mais do que ação e imaginação - e a romantasy, ou romantasia, desponta como a maior novidade para os jovens leitores vorazes.

O Estadão conversou com editoras, autoras e leitoras para explicar o fenômeno.

O que é romantasia?

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Romantasia é, basicamente, uma fantasia cujo foco principal está no romance e na interação entre as pessoas - e não mais na jornada do herói, em batalhas épicas, na conquista de poder ou na criação de mundos. A narrativa, no entanto, continua sendo situada num universo fantástico. Histórias assim não são exatamente novas, mas elas começaram a ser embaladas com este nome recentemente.

Entre as autoras de romantasia de maior sucesso está a americana Sarah J. Maas (12 milhões de livros vendidos no mundo até 2022), de 37 anos, autora de séries como Trono de Vidro Corte de Espinhos e Rosas, publicada pela Galera.

A escritora americana best-seller Sarah J. Mass Foto: Beowulf Sheehan

Tendência internacional

Ana Lima, editora executiva da Rocco, conta que ouviu vez esse termo na Feira do Livro de Bolonha (março) e na de Londres (abril) deste ano, embora ela mesma já tenha publicado esse tipo de livro muito antes de o gênero ganhar este nome. “As editoras estrangeiras estão apostando alto em romantasia, na esteira de autoras bem-sucedidas como Alex Aster, publicada pela Rocco no Brasil e que está há mais de 50 semanas na lista do The New York Times, e Sarah J. Maas, que fui uma das primeiras editoras a contratar quando eu estava na Record, e se tornou um fenômeno com milhões de exemplares vendidos desde então”, conta.

Flavia Lago, editora da Gutenberg, selo do Grupo Autêntica voltado ao leitor jovem, também voltou da Feira de Londres com a sensação de que este é o assunto do momento. “Os mais importantes editores do gênero de fantasia, como Gollancz, Tor e Hodderscape têm lançado cada vez mais títulos de romantasy, desde o sucesso estrondoso de Sarah J Maas e Leigh Bardugo, por exemplo, e é possível dizer que há uma preferência atual por autores e narrativas que priorizam o romance nos universos fantásticos. E, quando falamos em romance, devemos incluir toda a diversidade e liberdade que o mundo da fantasia possibilita, por isso, a representatividade é um ponto forte desse subgênero”, explica a editora.

Frini Georgakopoulos, editora de aquisições da Arqueiro, volta um pouco mais no tempo e diz que há cerca de dois anos acompanha uma movimentação em torno do nome - tanto por parte dos profissionais quanto dos leitores, sobretudo no TikTok. “Desde então, o termo romantasy se consagrou, e novos livros passaram a ser escritos especialmente para atender a essa demanda. E o mercado abraçou a nomenclatura.”

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Oferta ou procura?

Para a editora Thaíse Costa Macêdo, da Plataforma 21, do Grupo V&R, editoras não criam “ondas”. “O que vejo são editoras compreendendo melhor o que o público deseja, e isso sempre estará conectado ao espírito do tempo, aos anseios da contemporaneidade com seus contextos. As ondas só acontecem quando elas encontram uma demanda em potencial.”

Confirmando que a romantasia é a maior tendência do momento dentro do escopo de fantasia para jovens, Rafaella Machado, editora executiva da Galera, do Grupo Record, uma das principais de livros para jovens adultos, revela que 80% do público de sua editora é formado por mulheres. “Meninas leem mais do que meninos e elas gostam muito de romance, de interação, de troca entre personagens”, comenta.

Na análise de Rafaella, o que ajudou este fenômeno, além da demanda, foi o fato de que se tem publicado cada vez mais diversidade dentro da fantasia, um gênero que era “completamente dominado por homens brancos”.

“Foi muito interessante ver como conseguimos pluralizar as mitologias por trás das fantasias e as representatividades de personagem ao publicar cada vez mais mulheres, pessoas de diferentes etnias e mitologias de diferentes lugares. E isso mudou também a estrutura narrativa da própria fantasia”, comenta.

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Rafaella aposta que o fenômeno será duradouro. “Os brasileiros amam um romance, uma história de amor. Para que a motivação de personagens, que às vezes não são humanos - são fadas, vampiros, etc - se torne mais real, ou seja, para que o leitor possa acreditar nessas histórias, esses personagens têm que ser como nós. E nós, humanos, somos muito movidos pelas relações, pelos afetos. Por isso acredito que a romantasia vai ganhar cada vez mais espaço no mercado.”

Fenômeno se espalha

Livros de romantasia eram encontrados nos estandes das principais editoras durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que levou mais de 600 mil pessoas ao Riocentro, entre sexta, 1º, e domingo, 10. Encontrados nos estandes e entre as pilhas nos braços das leitoras. Nesta edição da feira carioca, segundo os organizadores, cada visitante comprou em média 9 livros.

Levou menos de um minuto para Vera Lúcia Nigri, de 18 anos, escolher o que compraria na Gutenberg. Ela sabia o que procurava. Trocou algumas palavras com o vendedor, pagou e já partiu em busca de outras obras (a reportagem voltaria a encontrá-la na V&R mais tarde).

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Ali, ela comprou Era Uma Vez um Coração Partido, primeiro volume de uma trilogia de Stephanie Garbe, que estava saindo que nem pão quente no estande da Gutenberg. A sinopse: Criada na loja de antiguidades de seu pai, cercada por lendas de seres poderosos e imortais, Evangeline Raposa cresceu acreditando em histórias de amores verdadeiros e em finais felizes. Mas essas crenças se veem abaladas quando a jovem descobre que o amor de sua vida está prestes a se casar com outra pessoa. Seu desespero é tamanho que ela aceita fazer um acordo com o charmoso e perverso Príncipe de Copas, famoso por seu poderio mítico.

Estudante de Engenharia de Recursos Hídricos e Ambientais, Vera Nigri é leitora de fantasia e acha que incluir romance na história deixa a obra mais atrativa Foto: Maria Fernanda Rodrigues/Estadão

À reportagem, a estudante de Engenharia de Recursos Hídricos e Ambientais disse que gosta bastante de fantasia - já tinha comprado três àquela altura. “Mas eu também gosto muito do romance. Para mim, ele deixa tudo mais atrativo. Na verdade, eu gosto dos livros que têm um romance envolvido, mas que não giram em torno do romance, como os volumes da série Trono de Vidro, da Sarah J. Mass. Ou seja, tem o romance, ele está envolvido na história para resolução dos problemas, mas o enredo tem outros atrativos, como o universo criado. Por isso que eu gosto desse gênero.”

Fantasia com romance. Ou romance com fantasia. A ordem dos fatores não altera o resultado e Vera comenta ainda que “a divulgação desse gênero aumentou muito por causa do TIKTok”.

Quem passou pelo estande da Planeta, viu não só livros de romantasia - mas duas autoras-apostas do gênero. FML Pepper, fenômeno da autopublicação com a série Não Pare! (iniciada em 2012, na Amazon, e publicada depois pela Valentina), em que uma menina se apaixona pela morte, poderia ser considerada uma precursora do gênero no Brasil. “Eu só não dava o nome porque não sabia, mas o que eu escrevo é romantasia”, comenta a autora de 47 anos, que é, também, dentista no dia a dia.

A escritora FML Pepper no estande da editora Planeta, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro Foto: Maria Fernanda Rodrigues/Estadão

“Os livros com ação eram masculinos. Os femininos eram de fadinhas. Eu pensava: onde estou que não me encontro? Estou perdida nesse mundo. Quando comecei a escrever, queria que tivesse a ação e a parada do beijinho”, conta. É romantasia, mas não é romatasia hot - outro subgênero.

Agora, Pepper está lançando, pelo selo Minotauro, da Planeta, Deusa de Sangue, o primeiro de uma trilogia que vai contar “a saga de uma guerreira que ousou desafiar as normas dos homens e as lendas dos deuses”.

Natalia Ávila, autora de livros infantis e fantasias com piratas, além de leitora de contos de fadas, sagas de fantasia, Harry Potter e dos livros que deram origem à série Game of Thrones, descobriu um outro tipo de história quando leu Corte de Espinhos e Rosas, de Sarah J. Mass. “Pensei: fantasia com romance, por que não? E passei a me dedicar mais a conhecer esse gênero e comecei a ler outras histórias”, conta a autora de 32 anos que estreia agora em uma editora tradicional com seu quinto livro, Não Direi Que é Amor, uma romantasia meio comédia romântica, pelo selo Outro Planeta.

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É a história de uma bruxinha moderna, situada no pós-pandemia. A personagem é uma atriz que depois de muito tempo sem trabalho consegue um teste para um remake de Sonho de Uma Noite de Verão e, solitária, se apaixona por um ator do elenco. Tem rituais energéticos, feitiços, cristais, mantras e conversas com a lua.

“Eu tenho uma perspectiva muito mágica da vida. Eu gosto de ver o lado positivo e me identifico com essa questão da bruxaria natural, de focar sua energia, se proteger. Quero convidar meu leitor a olhar para a própria vida e encontrar a magia nela”, disse a jovem autora que já tem 50 mil seguidores em seu perfil @fadasdesaturno, no Instagram.

Natalia Avila lançou Não te Direi Que é Amor, entre a romantasia e a comédia romântica, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro Foto: Maria Fernanda Rodrigues/Estadão

Desafios

Quando surge um fenômeno, a tendência é que todo mundo tente pegar carona. “O difícil, num boom assim, é filtrar o que é realmente imperdível do que é mais do mesmo”, comenta Ana Lima, da Rocco.

A Seguinte, selo do Grupo Companhia das Letras, também tem buscado ser mais seletiva. “Como toda tendência, percebemos que a maioria das romantasies que têm chegado para nossa avaliação são muito parecidas, sem trazer nada de novo ao gênero. Publicamos poucos títulos por ano, então estamos focando em adquirir apenas aqueles que se destacam e que nos agradam bastante”, conta a editora Nathália Dimambro.

Lançamentos futuros

Depois de publicar a duologia A Ponte Entre Reinos / A Rainha Traidora, de Danielle L. Jensen, a Seguinte planeja, para 2024, dois volumes da série Artefacts of Ouranos, de Nisha J. Tuli.

As apostas da Arqueiro para um futuro próximo são a duologia Heartless Hunter, de Kristen Ciccarelli, e a trilogia Arcana Academy, de Elise Kova.

A Gutenberg, que já lançou a trilogia Caraval e seu spin-off, também uma trilogia, Era Uma Vez um Coração Partido, da americana Stephanie Garber, prevê, para o ano que vem, Song of Silver, Flame Like Night, de Amélie Zhao - o primeiro volume de uma duologia -, e Song of the Forever Rains, de EJ Mellow - a abertura da trilogia Musai.

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A Gutenberg já lançou dois volumes da série 'Era Uma Vez um Coração Partido' e o terceiro está no prelo - na Bienal, o público ganhou uma amostra da obra Foto: Maria Fernanda Rodrigues/Estadão

A HarperCollins Brasil revela que vai publicar, em meados de 2024, The God and the Gumiho, de Sophie Kim. Trata-se de um livro inspirado em mitologia coreana.

A Rocco vai lançar o segundo volume da série Lightlark, de Alex Aster, no próximo ano, e também A Descoberta das Bruxas, de Deborah Harkness, série de fantasia adulta cuja adaptação pode ser vista na Globoplay.

No gênero, a Plataforma21 já publicou o best-seller internacional O Priorado da Laranjeira e o prequel Um Dia de Céu Noturno, de Samantha Shannon, e Aves Noturnas, de Kate J. Armstrong. Na Bienal do Livro, Belladonna, de Adalyn Grace, era um dos destaques do estande. Em 2024, chega às livrarias sua sequência, Foxglove.

Esses são apenas alguns exemplos. Vem muito mais pela frente.

E depois?

Além de crescer no mercado, a romantasia abarca, em seu guarda-chuva, outro novo gênero que é a “fantasia conforto”. Rafaella Machado explica que não se tratam de histórias sobre a conquista de novos lugares ou sobre o domínio de nenhum povo específico, mas, sim, de narrativas centradas, por exemplo, em personagens que querem abrir um café em uma terra mágica, ou então que viram babás de bruxas. “Chamam de alta fantasia, mas com baixo teor de luta e violência. Nem tudo é vida ou morte. São problemas reais pelos quais os sobrenaturais passam”, explica.

Flávia Lago, da Gutenberg, também destaca as “cozy fantasies”. A editora já tem em catálogo a série A Escola do Bem e do Mal, de Soman Chainani, e A Lenda da Caixa das Almas, da autora brasileira Paola Siviero.

“Acredito que o público que consome literatura YA (jovem adulta) é mais receptivo. Como as temáticas no YA são bastante universais e podem trazer temas que alguns adultos também se interessam - muitas vezes por estarem inseridos na cultura pop - são livros que agradam uma grande faixa de leitores potenciais e as editoras tendem a apostar e dar bastante destaque”, finaliza a editora.

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