‘Tintin no Congo’ ganha prefácio com contexto colonial na França

Edição reproduz versão original, de 1930, acompanhada por texto sobre a época; Hergé chegou a justificar seus desenhos em entrevista no ano de 1975

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Por Hugues Honoré

O quadrinho Tintin no Congo, do belga Hergé, que tem causado polêmica há décadas, foi publicado pela primeira vez com um prefácio explicativo sobre o contexto da obra, que glorifica a colonização, na França.

A edição reproduz a versão original, publicada como série entre 1930 e 1931 no Petit Vingtième (suplemento de um jornal belga) e logo como um volume único em 1931.

Os editores, Moulinsart e Casterman, também colorizaram o quadrinho, que foi publicado em preto e branco.

Capas de 'Tintin no Congo' Foto: Thierry Roge/Reuters

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O álbum foi posto à venda em 1.º de novembro em um kit que também inclui Tintin no País dos Sovietes (1930) e Tintin na América (1932), todos coloridos.

Porém, os editores divulgaram muito pouco sobre essa publicação. Pascal Blanchard, um historiador especializado em propaganda colonial, nunca havia ouvido falar dela antes de que a AFP lhe mostrasse.

“É muito interessante e inteligente de sua parte fazer esse trabalho. Porque devemos publicar Tintin como era naquele momento”, diz. Ele disse estar surpreso que não se mencione o prefácio mais claramente.

A versão mais conhecida de Tintin no Congo é de 1946, em cores, com uma capa em que Tintin aparece no volante de um carro junto a um menino negro. Agora, a capa foi mudada e o personagem aparece junto a um leão. “Desracializaram a capa!”, exclama o historiador.

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Entre a versão dos anos 1930 e a de 1946 houve mudanças significativas.

Um exemplo se dá quando Tintin dá uma aula a crianças congolesas. Na primeira versão, a lição fala sobre “Vossa pátria, Bélgica!”, enquanto na segunda se trata de uma aula de matemática.

Reprodução de versão em inglês de 'Tintin no Congo', de Hergé Foto: Reprodução

Meio século de polêmicas

A polêmica sobre Tintin no Congo, que narra as aventuras do jovem repórter no país que foi colônia belga entre 1908 e 1960, já dura mais de meio século.

O debate questiona se os personagens negros estão representados de maneira caricatural ou diretamente racista.

Hergé já teve que responder a essa polêmica em sua época. “Só sabia sobre esse país o que as pessoas diziam ao seu respeito. [...] Os desenhei, aos africanos, segundo esses critérios, com o mais puro espírito paternalista, que era o daquela época”, disse o autor em 1975, em uma entrevista com o jornalista Numa Sadoul.

O prefácio da nova edição é de Philippe Goddin, um especialista em quadrinhos que preside a associação Amigos de Hergé, que assegura que não há racismo no livro.

“Somos racistas quando queremos denegrir, menosprezar ao outro, porém, não é o caso de Tintin no Congo”, disse à AFP.

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“Claro, há estereótipos, caricaturas. Hergé insiste nos lábios grandes, nos narizes largos, como muitos desenhistas da época. Porém, para mim, se a linha entre caricatura e racismo é tênuel, ele não a cruza”, assegura.

Prefácio de Tintin no Congo

Uma posição que não convence ao historiador Pascal Blanchard. “Esse prefácio é muito questionável. Nos diz que Hergé seria uma simples esponja do que ocorria em sua época. É raso, é errôneo”, aponta.

“Hergé tomou a decisão política de ignorar as fontes que descreviam a violência da colonização”, acrescenta o historiador.

Segundo Blanchard, faltaria outro prefácio e cita o nome da “grande historiadora Elikia M’bocolo”, congolesa, especialista em África dos séculos 19 e 20.

Por sua vez, a associação francesa Conselho Representativo de Associações Negras (Cran), está satisfeita com o prefácio, o qual pediam há alguns anos. “Prevaleceu o senso comum”, disse à AFP o fundador da Cran, Patrick Lozès.

Segundo ele, “esse álbum remete a uma época, felizmente passada, em que era aceitável considerar os negros como seres inferiores”.

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