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Opinião|É Tudo Verdade: a força do real

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
Walter, um dos moradores do Cine Marrocos Foto: Estadão

 

Vivendo como estamos, no ambiente tóxico de um governo que pretende simplesmente desmoralizar a noção de realidade, ver os filmes do festival É Tudo Verdade tem sido um bálsamo. Neles constatamos, mais uma vez, que a verdade pode ser uma construção trabalhosa, nunca de fato completada, mas que deve nortear nosso esforço ético de existência e o empenho do nosso conhecimento. Apenas isso nos faz seres humanos e não robôs descerebrados, manadas manipuláveis ou zumbis obedientes a celerados.

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Dito isso, tenho visto coisas ótimas nos primeiros e intensos dias do festival.

Em Cine Marrocos, o diretor Ricardo Calil visita a ocupação do antigo cinema paulistano, localizado atrás do Theatro Municipal. Em filme aparentado ao já antológico Era o Hotel Cambridge, de Lili Caffé, Calil põe em evidência a humanidade dos ocupantes, que enfrentam a polícia, o descaso dos governantes com a questão habitacional e o preconceito de boa parte da população. Numa instalação política, em que a arte de fato encontra sua concretude e razão de ser (através das linguagens do cinema e do teatro), Calil assina uma obra marcante e destinada a ficar.

Fotografação, do fotógrafo e cineasta Lauro Escorel, é um périplo amoroso pela fotografia em Terra Brasilis, dos pioneiros como Marc Ferrez, Dom Pedro II e Mário de Andrade à febre contemporânea da fotografia digital. Poderia ser - e até certo ponto é - uma crítica à banalização da fotografia. Mas o longa é, acima de tudo, uma declaração de amor ao País, cuja imagem foi laboriosamente construída, ao longo de décadas, pelas imagens fotográficas que registraram seu povo, em seus diversos momentos históricos. Filme rigoroso e comovente.

O título do filme da canadense Catherine Hébert resume o percurso da personagem central: Ziva Postec, a Montadora por Trás de do filme Shoah. Este longa, Shoah, de Claude Lanzmann, com seus 543 minutos de duração (pouco mais de nove horas), é um dos mais importantes documentários da história do cinema e filme definitivo sobre o Holocausto. Ziva Postec foi a profissional dedicada a montar as mais de 350 horas de registro e transformá-las na obra-prima que vemos hoje. Dedicou seis anos de sua vida (1979-1985) à tarefa, nos quais perdeu o sono, comprometeu a saúde e viu a filha adolescente abandoná-la, simplesmente porque não havia tempo e energia para outra coisa que não o filme. Além do trabalho insano, era obrigada a aguentar a convivência com Lanzmann, um tipo reconhecidamente intratável. Hoje é uma serena senhora que vive em Tel-Aviv. Uma personagem e tanto. Complexo e terno, o filme joga luzes não apenas sobre a personalidade forte de Ziva mas sobre o documentário Shoah, a extraordinária memória dos sobreviventes dos campos de extermínio nazistas. Ficamos motivados a conhecê-lo ou revisistá-lo.

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Como dizia Jacques Lacan, o real insiste. Mesmo quando tentam desmoralizá-lo.

A programação e outras informações você encontra no site do festival.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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