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Opinião|ETV 2024 (3): tantos bons filmes...estrangeiros

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Atualização:

Tenho assistido a uma série de bons filmes neste 29º É Tudo Verdade. E não apenas filmes, pois foi ótima a aula magna do britânico Mark Cousins, que, além de conquistar a todos com sua simpatia, mostrou como ser profundo sem ser chato ou pretensioso. 

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Para uma Sala Oscarito lotada, na Cinemateca, ele apresentou trecho de seu próximo filme, dedicado justamente a uma história do cinema documental. 

Mostrou também os planos, em folhas de papel coladas, que constituem a "planta baixa" do seu projeto, procedimento já padrão em sua carreira de cineasta prolífico. Usando uma imagem conhecida, disse que precisa de uma estrutura definida para poder criar. Assim como um conjunto de jazz precisa de uma sólida base harmônica para improvisar em cima. 

Rimos muito, tiramos fotos com ele e aprendemos muito, confirmando aquilo que diz Roland Barthes - que o saber é melhor com sabor. 

Mas, voltando aos filmes, tenho visto, como disse, muita coisa boa. Cada um deles mereceria um texto em particular. Estou imerso nisso que constitui o paradoxo dos festivais. Conhecemos tantas obras que nos dão desejo de escrever, mas as maratonas diárias não nos deixam tempo para isso. Então acabamos por acumular filmes, e logo eles são soterrados por outros que vão chegando. É uma síndrome do acúmulo. Por sorte, esses eventos nos deixam com material para reflexão por anos a fio. 

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Tenho assistido a uma série de bons filmes neste 29º É Tudo Verdade. E não apenas filmes, pois foi ótima a aula magna do britânico Mark Cousins, que, além de conquistar a todos com sua simpatia, mostrou como ser profundo sem ser chato ou pretensioso.  

Mas, enfim, neste primeiro momento, gostaria de, pelo menos, deixar um registro, uma anotação sobre alguns deles. Que sirvam, ao menos, como indicações.

Para começar dois filmes da retrospectiva Mark Cousins: 

Uma História de Crianças e Cinema. No estilo Cousins: narração em off do próprio autor e original seleção de obras com recorte temático. O cinema pelo olhar infantil, ou pelo que se supõe que seja, já que os cineastas são sempre adultos. Tipo O Garoto, clássico de Charlie Chaplin. Ou Zéro de Conduite, de Jean Vigo. E, claro, o Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) de François Truffaut, com seu olhar congelado sobre a tela na comovente cena final de Os Incompreendidos. 

Eu Sou Belfast, do mesmo Cousins, que personifica a cidade onde nasceu em uma senhora de idade que relembra seus dias de glória e tristeza. Exercício não paralisante de nostalgia, do cineasta que  habitou anos na capital da Irlanda do Norte. Nota: em Belfast nasceu o Titanic, o que não é bom presságio. 

Uma Crônica Americana (FRA), de Jean-Claude Taki e Alexandre Gouzou. Sobre um roteiro não filmado de Michelangelo Antonioni, chamado Dois Telegramas (Due Telegramma). A história, que se passa nos Estados Unidos, é recriada por imagens da cena americana, para reproduzir uma impressão no espectador. Talvez aquela impressão que o país causara em Antonioni, autor de Zabriskie Point. Por duas vezes o roteiro esteve a ponto de se transformar em filme e em ambas foi abortado. Primeiro, pela doença de Antonioni. Anos depois, em Los Angeles, por desentendimentos entre a produção e agentes de atores e atrizes. Consta que Antonioni queria fazer, da trama intimista, uma crítica feroz do modo de vida americano. Deu com os burros n'água ao se confrontar com os interesses do sólido capitalismo hollywoodiano. O doc sobre esse fracasso é muito bom. 

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Cento e Quatro (ALE), de Jonathan Schörnig. Usa seis câmeras para registrar a operação de salvamento das 104 pessoas que estão naufragando num bote de borracha no Mediterrâneo. O filme usa telas múltiplas o tempo todo para expor a dramaticidade da saga dos imigrantes. O recurso dá intensidade ao relato que põe em xeque moral o continente europeu. 

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E Assim Começa (FILIPINAS). De Ramona S. Diaz. Bastidores da luta política nas Filipinas, no final do governo autoritário de Rodrigo Duterte. A vice-presidente Leni Robredo enfrenta o machismo e a violência política ao disputar o cargo de presidente com o filho do ex-ditador Ferdinand Marcos. O ponto curioso são os comícios, mais parecidos a shows de rock que a meeting políticos. Exalam grande força e reúnem centenas de milhares de pessoas, com música, dança e fogos de artifício. Serão suficientes para levar Leni à vitória? Interessante reflexão para tempos de alta do populismo. 

Copa de 71 (Reino Unido). De Rachel Ramsay e James Erskine). No rescaldo do sucesso da Copa do Mundo de 1970, vencida pelo Brasil, o México decide promover a Copa do Mundo feminina no ano seguinte. Sob boicote da Fifa, seis seleções de mulheres disputam o troféu: Inglaterra, Argentina, México, França, Dinamarca e Itália. O evento torna-se um empolgante sucesso de público, com o Estádio Azteca recebendo 110 mil torcedores. Em hábil montagem, com trechos de jogos e cenas de época entremeados com entrevistas recentes das então jogadoras, o filme adota um ritmo dinâmico, envolvente. Alguém disse que se trata de um filme rock'n'roll. Denuncia o machismo que desestimulava e às vezes proibia a prática do futebol pelas mulheres, reflexo da misoginia geral das sociedades. Sem qualquer discurso chato, passa ao espectador o fundamental das ideias feministas. Um golaço. Nota: em 1971, então campeão do mundo de futebol masculino, o Brasil não enviou suas mulheres para disputar a primeira Copa feminina - até hoje não reconhecida pela Fifa. 

Em outro post, falo dos brasileiros. 

 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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