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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Viva a vaia

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Atualização:

Grande a celeuma em torno da vaia que Lula recebeu no Maracanã. Teorias da conspiração sugerem orquestração política. Flávio Aguiar, da Carta Maior: ''''De minha parte, não conheço na história, numa circunstância dessas, nem vaia nem aplauso, que não parta de uma orquestração. A puxada dos aplausos partiu da tribuna. Quem terá puxado as vaias? DEMs distribuídos? Os incansáveis PSTUs e PSÓIS compactados? Tudo junto? É mais provável.'''' Analistas tentam entender por que o vaiaram. Tenho outras perguntas: Por que a vaia contra Lula incomoda tanto? Por que não vaiar? Um presidente não pode ser vaiado? Seu governo e seus atos merecem aplausos unânimes? Até de quem viaja de avião? Quem costuma ir ao estádio, sabe que a melhor coisa de um domingo é vaiar o juiz, a sua mãe, o time adversário, a torcida inimiga, a bandeirinha sexy, os gandulas que atrasam a bola e, se for o caso, o próprio time, os jogadores e especialmente o técnico. E Lula estava num estádio dos mais animados, em que, dizia Nelson Rodrigues, vaia-se até minuto de silêncio. Não surpreende Lula ter ficado triste. Surpreende a quantidade de pessoas que saíram em sua defesa e de teorias elaboradas baseadas na gafe ideológica atual: é o governo do Bolsa-Família contra os ricos que viajam de avião. Desmembraram a oposição política. Querem desqualificar a oposição popular. Às vezes, uma vaia é apenas uma vaia. Mas logo depois da de Lula, entupiram-se os e-mails de internautas. Mauro Carrara afirmou que, ''''conversando aqui e ali, com jornalistas, políticos e gente do povo'''', descobriu como foi arquitetado o ''''plano de humilhação'''': há um mês, já se falava, no prédio da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do Rio, numa ''''recepção'''' diferenciada para Lula. Recrutou-se gente para vaiar. Um tal Fabra, representante da juventude do PSDB, que se reuniu até com Ali Kamel, diretor da Rede Globo, estaria por trás. Claro. Como em toda teoria da conspiração, a Globo está por trás. Sem ela, perde-se o sabor. Carrara tinha uma fonte, o estudante Rogério, de 18 anos, morador em Duque de Caxias: ''''Era mesmo para vaiar o Lula, do jeito que disseram. Uns das coordenações, do grupo, puxaram mesmo, e o pessoal foi atrás. Se dois, três começam, vai todo mundo no arrastão. Tinha gente lá ontem que nem tinha participado de nada. Foi lá só para agitar mesmo.'''' Boa a fonte. Posso arrumar outra, Denise, é... assistente social. Assistentes sociais são pessoas dignas e dão credibilidade a declarações. Tem 56 anos. Senhora de respeito, avó já. Avós não mentem. Moradora de... Tem de ser um bairro popular. Cidade de Deus: ''''Não vaiei também não, moço! Mas tinha um senhor de terno e cabelo com gumex que oferecia lanche e condução de volta só pra quem vaiasse. Voltei de carona e com fome.'''' Para o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), há indícios de que o prefeito do Rio, César Maia, organizou a claque para aplaudi-lo e vaiar o presidente: ''''A meu ver, cabe uma investigação a respeito tanto da forma como a prefeitura do Rio selecionou os voluntários quanto sobre a venda e distribuição gratuita de ingressos.'''' Gilson Caroni Filho, professor e colaborador do Observatório da Imprensa, escreveu: ''''O júbilo com o constrangimento infligido ao presidente está presente em nove entre dez colunistas e editores.'''' ''''O jornalismo não só não oculta para quem torce como deixa claro a que facção organizada pertence'''', concluiu. E daí que Lula foi vaiado? Se eu estivesse lá, vaiaria. Porque sempre vaiei autoridades e sempre vaiarei, para que elas nunca se acomodem no poder. Não faço parte de nenhuma conspiração, não conheço Ali Kamel, nem pertenço a uma facção organizada. Sou um eterno brasileiro, codinome irreverente. Vaiar é uma das experiências mais relaxantes. E divertidas. Como um gesto reichiano, solta-se o ar numa catarse. Há exorcismo de tensões peitorais. A via é uma ola vocal. E olha que Lula não tem do que reclamar. O público o vaiou educadamente. Nem parecia estar num estádio. Juízes, bandeirinhas, torcida adversária, jogadores e técnicos escutam coisas muito piores. Merece vaia o pedido de desculpas da TV Cultura, por causa da análise interna que considerou impróprio para o horário o teleteatro Billy, A Garota, dirigido e escrito por Mário Bortolotto e exibido domingo. Funcionários da própria emissora se queixaram do tema ''''suicídio'''' e da suposta cena de strip-tease da atriz Liz Reis. A cena dura segundos. Nem chega a ser um strip. A atriz fica com a roupa de baixo. A TV Cultura deveria olhar para o futuro, por não ter (entre aspas) obrigação com a audiência. Mas uma âncora conservadora difícil de arrastar envergonha o espectador - como a demissão da apresentadora Soninha, por ter declarado em 2001 que consumiu maconha. Mais um dilema para Paulo Markun: talvez por não ousar, a TV Cultura perdeu o rumo e a qualidade, e virou uma alma perdida que vaga no limbo da zona ''''traço da audiência''''. Em tempo: Billy, A Garota é reprisada hoje, às 23 h, na RedeSTV. Para conferirmos o que a TV Cultura teme exibir às 20 h. A emissora que pode arriscar, como a TV Cultura, é a que menos ousa. Já a Rede Globo, que tem um caixa movimentado, é a que mais inova, apresenta linguagens arriscadas (como a minissérie Pedra do Reino) e leva para o Fantástico filosofia e astronomia, enquanto Gugu mostra no SBT a nova loira do Tchan. Mais fatura quem mais arrisca? Merece aplauso a nova fase de Retrato Falado, quadro de Denise Fraga (há sete anos em cartaz no Fantástico): Te Quiero America. É sabido que a audiência do programa sobe, quando o quadro do núcleo Guel Arraes entra no ar. Mesmo assim, mexeram no seu formato, sem temor. Dirigido por Luiz Villaça, escrito por Maurício Arruda, ele sempre foi produzido em São Paulo. Apagou-se aquele ar de vítima atrapalhada da personagem. Explora-se um formato híbrido, mais moderno, quase cinematográfico; com pausas, silêncios, planos seqüência e câmeras na mão. Maria (Denise Fraga) mora num edifício no Minhocão. Acabou de se separar. Tem só um gato. É eleita a funcionária mais produtiva da firma e ganha uma viagem para Ushuaia, no fim do mundo; a cidade mais ao sul do continente. Lá encontra Francisco (ótimo ator João Miguel), outro viajante solitário. Então, um desencontro detona a trama, que rodará por vários países da AL. Onze episódios. Não há mais humor pop, mas introspecção e angústia. Reflexo de tempos sombrios?

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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