Literatura: O teto de Lya

Autora de inúmeros best-sellers, Lya Luft encontrou o estrelato aos 40 anos, quando, enfim, pôde dedicar-se à escrita, abrindo espaço para uma nova geração de mulheres na literatura

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Por Miriam Stein
Atualização:

Em seu ensaio Um Teto Todo Seu, a escritora Virginia Woolf (1882-1941) propôs uma reflexão profunda sobre as condições necessárias para as mulheres ocuparem seu espaço no universo literário. Lugar próprio e adequado, tempo, condição financeira e silêncio são alguns dos elementos levantados pela escritora que fizeram deste um dos clássicos feministas atemporais. Não é fácil garantir essas condições, o que faz com que muitas mulheres retardem seu ingresso profissional na literatura.

Lya Luft foi uma delas. A escritora gaúcha só foi reconhecida após os 40 anos, quando conseguiu publicar seu primeiro romance, As Parceiras. Apesar de escrever desde sempre, os livros só chegam aos leitores na maturidade e o sucesso veio apenas em 2003 com Perdas & Ganhos, que se tornou um best-seller nacional.

Lya, que morreu em dezembro do ano passado, afirmou ao Estadão durante uma entrevista em 2016 que o livro chegou apenas quando alcançou os “enta”, porque só então teve “algo a dizer” Foto: Nina Subin

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Lya, que morreu em dezembro do ano passado, afirmou ao Estadão durante uma entrevista em 2016 que o livro chegou apenas quando alcançou os “enta”, porque só então teve “algo a dizer”. Antes disso, ela dividia o tempo entre a criação dos três filhos e o ganha-pão, trabalhando como tradutora do alemão e professora de linguística.

Esse sentimento é comum a muitas mulheres. Segundo a escritora e crítica literária Ana Rüsche, sempre houve uma produção literária intensa feita por mulheres, mas poucas editoras interessadas na publicação dessa produção. Por isso também, muitas escritoras deixam para se dedicar a esse ofício quando os filhos estão maiores ou quando já existe uma consolidação de outra carreira que permite a escrita acontecer. Mas não é apenas esse “teto” que faz falta, mas também a autoconfiança.

Assim como Lya achou que só tinha algo a dizer em um livro aos 40, mulheres cotidianamente também deixam de acreditar em sua potência literária. Para Rüsche isso é um padrão. “Não importa onde eu dê curso de escrita, os alunos se apresentam e sempre tem um homem de 18 anos que afirma ser escritor ou poeta e uma mulher acima dos 40 que diz que tudo que escreve é algo menor, guardado na gaveta. Passadas algumas aulas, eu percebo que essa mulher é uma escritora pronta que tem uma experiência de anos”, relata.

A questão de acreditar na obra também é lembrada pela escritora Natália Timerman. “Muitas autoras publicam mais tarde porque é necessária uma coragem, que demora. É preciso que o espaço da escrita se abra a cotoveladas. Isso não é fácil.” 

A maternidade e a relação com o tempo e espaço literário atravessam a obra de Lya Luft, deixando em aberto conflitos e ambivalências que as escritoras enfrentam na maturidade ou até mesmo na juventude. Para Lya, a idade era algo natural. “A vida é um ciclo. E envelhecer é um privilégio”, afirmou na mesma entrevista, já com a tranquilidade de quem sabe que seu teto está conquistado.

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