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Ai Weiwei faz sua estreia na ópera com a encenação de 'Turandot', de Puccini

Artista chinês exibe a obra em Roma e conta com a maestrina ucraniana Oksana Lyniv no comando da orquestra

Por Alexandria Sage
Atualização:

O artista e dissidente chinês Ai Weiwei, conhecido defensor dos direitos humanos, estreia nesta terça-feira (22), em Roma, com a apresentação da ópera Turandot, de Giacomo Puccini, marcada pelo derramamento de sangue e o despotismo.

A nova abordagem geopolítica da ópera inacabada de Puccini, sobre a morte, o ódio e a vingança, com a maestrina ucraniana Oksana Lyniv no comando da orquestra, está mais atual do que nunca.

Os cantores italianos Francesca Dotto (soprano) e o baixo Antonio Di Matteo (baixo) na ópera 'Turandot', de Puccini, encenada por Ai Weiwei Foto: Opera di Roma / AFP

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Desde as sinistras cinco notas iniciais, o público é inserido em um mundo incerto e violento.

Ai Weiwei, de 64 anos, famoso por suas instalações, suas gigantescas esculturas e impactantes fotografias que denunciam torturas e atrocidades, não dá trégua ao espectador.

A presença no púlpito da ucraniana Lyniv também nos lembra que a guerra e o sofrimento assombram a Europa neste momento.

"É inimaginável que estejamos no meio de um conflito", reconheceu Ai Weiwei em uma conversa com jornalistas na semana passada, ao falar da invasão russa da Ucrânia. 

O cantor chinês Chao Hsin se apresentando no 'Turandot', de Puccini, encenado pelo artista chinês Ai Weiwei Foto: Opera di Roma / AFP

"É que, neste momento, há gente que está no meio de uma batalha na Europa. Mais de três milhões de ucranianos que fugiram devido à guerra provocada pela Rússia", lamentou.

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A ameaça onipresente

A ópera sombria de Puccini conta a história de uma cruel princesa chinesa que exige que seus pretendentes respondam a três enigmas se quiserem se casar com ela. Caso contrário, eles morrerão.

Na versão concebida pelo artista chinês aparecem refugiados, vítimas de sacrifícios, que conectam o espectador com o clima ameaçador dos dias atuais. 

Nos bastidores, sobre as ruínas de uma cidade futurista, Ai Weiwei projeta imagens angustiantes sobre notícias recentes: trabalhadores de hospitais com máscaras e cobertos por trajes de proteção, refugiados atravessando rios gélidos, policiais da tropa de choque enfrentando manifestantes de Hong Kong ou imigrantes cercados por cercas de arame farpado.

Elenco da ópera 'Turandot', de Giacomo Puccini, encenada pelo artista chinês Ai Weiwei Foto: Opera di Roma / AFP

No terceiro ato, enquanto o coral canta "estamos perdidos", as imagens da repressão, os cacetetes e o gás lacrimogênio invadem a tela e os corações. 

Para Lyniv, de 44 anos, o forte simbolismo visual de Ai Weiwei se encaixa perfeitamente com as intenções de Puccini. 

"Desde os primeiros compassos, é possível sentir o caráter apocalíptico", opina Lyniv sobre a obra que Puccini não pôde concluir devido à sua morte em 1924. 

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Lyniv, que entrou para a história em janeiro ao se tornar a primeira mulher a cargo de um teatro lírico da Itália, o de Bolonha, é oriunda de Brody, cerca de 100 quilômetros a leste de Lviv.

A maestrina contou que vários integrantes da orquestra, do corpo de dança e do coral de Odessa estão defendendo a cidade atacada pelas tropas russas. 

Desde os primeiros compassos, é possível sentir o caráter apocalíptico

Oksana Lyniv, Maestrina ucraniana

Sem um "final feliz", como pretendia Franco Alfano, contemporâneo de Puccini, a Turandot de Ai Weiwei deixa o espectador livre para decidir o epílogo e escolher o próprio destino. 

Ela questiona "qual é o papel que você quer ter nesta sociedade": o da tirana princesa Turandot, o do príncipe Calaf, disposto a correr riscos, ou o de Liu, que se sacrifica por amor, resume Lyniv.

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