Queria não precisar escrever um texto como esse. Desejava viver nesse mundo justo no qual a Casa 1, local onde os artistas da reportagem acima se encontraram e que abriga jovens LGBT desabrigados – muitos deles, expulsos das próprias casas, colocados para fora por suas famílias –, nem sequer precisasse existir. Não vivemos, contudo.
É necessária a militância. Há uma ferida na sociedade, esse buraco criado por aqueles que não são LGBT para manter uma separação por motivos difíceis de entender. Afinal, na vida real, somos todos um. Dividimos a mesma cidade, o mesmo solo, o mesmo ar. Se sexo e identidade forem diferentes, por que isso deveria ser um problema? Convivemos, juntos, sem barreiras – de muros erguidos, o mundo já está cheio demais.
No mundo em que gostaria de viver, Linn da Quebrada, Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira, Gloria Groove e Rico Dalasam, entre tantos outros artistas LGBT, teriam sua arte, a sua expressão pela música, desatada da crítica social. Não haveria o que criticar, afinal.
Mundos ideais não existem sem luta, sem novos conceitos, novos entendimentos. Os artistas citados aqui são vencedores em tantas esferas que é até difícil elevá-los num espaço tão limitado quanto esse. No som, escolhem gêneros menosprezados: o funk de Linn é tão rebolativo quanto qualquer artista pop; Dalasam não é dono do hit do carnaval por acaso; Gloria Groove funde funk com hip-hop e tem um flow que vicia.
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Artisticamente, eles já seriam importantes por levarem milhões (sim, milhões) a ouvirem o som e os ritmos periféricos e não aceitos pelos eruditos, roqueiros e MPBistas – eis mais uma divisão estúpida, aliás. No mundo ideal, o conteúdo cantado por esses artistas, seus gêneros e suas identidades, não seria nada demais. Para que ele se torne real, contudo, o caminho invariavelmente passa por eles. E, quem sabe, textos como esse também possam deixar de existir. Ficaria em silêncio feliz.