Atração do Festival de Campos do Jordão, Ensemble Modern relembra Walter Smetak

Evento que presta homenagem ao músico suíço começa sábado, 1º, com novo corte de verbas; veja estaques da programação

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Há dois anos, um grupo de músicos alemães desembarcou na Bahia em busca de um compositor. E encontrou vários, traduzidos na personalidade artística de Walter Smetak. Autor, sim, mas também improvisador, líder carismático, escultor, construtor de instrumentos, teórico, artista plástico. “Todas essas facetas, na verdade, fazem parte de qualquer tentativa de compreensão de sua música, e é a soma delas que de alguma forma faz de sua obra algo tão interessante e emocional”, diz Christian Fausch, diretor do Ensemble Modern, que formatou o espetáculo Re-inventing Smetak e, depois de uma turnê europeia, desembarca no Brasil, para apresentações no Rio e em Salvador e uma residência no Festival de Campos do Jordão, que começa sábado, 1. Smetak (1913-1984) é definido no site do grupo como “uma das figuras esquecidas da história da música da Europa”, alguém que, no Brasil, “perdeu sua identidade europeia de uma forma extremamente inspiradora”. É um olhar de lá para cá, mas que carrega uma sugestão a respeito da trajetória assumida pelo músico. Nascido na Suíça, ele veio ao Brasil logo após o início da 2.ª Guerra. Chegou a Porto Alegre, passou uma temporada no Rio de Janeiro, foi músico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Até que, em 1957, convidado por Hans Joachim Koellreutter, aporta em Salvador, para dar aulas de violoncelo nos seminários livres de música da Universidade de Bahia, onde viveria até o final da vida - e influenciaria gerações de artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

“A obra de Smetak se insere no arco de propostas desenvolvidas na sequência da criação dos seminários e já no contexto do movimento de composição da Bahia, com a liderança sutil e horizontal de Ernst Widmer, e que envolve não apenas Smetak, mas também Limdembergue Cardoso, Fernando Cerqueira e até mesmo Tom Zé”, diz Paulo da Costa Lima, compositor e professor da Universidade Federal da Bahia. “A importância de seu trabalho remete, assim, a essa trajetória e ao manifesto criado em 1966: ‘Em princípio, estamos contra todo e qualquer princípio declarado’. Ou seja, a adoção de uma significância ilimitada para o discurso musical, uma rebeldia que sinaliza tanto a identificação com a noção de crítica da representação, tão cara ao modernismo, como algo bem diverso, a inclusividade geral que é muito mais pós-moderna e antropofágica, muitos mais a cara da Bahia, caldeirão de mais de 50 contextos culturais africanos e europeus”, completa.

O grupo. Eles criam os instrumentos, com os mais diversos materiais Foto: Jörg Baumann

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Na atividade de Smetak, destacam-se alguns aspectos. O mais visível talvez esteja representado nos instrumentos criados por ele, mais de 150, utilizando materiais dos mais diversos - como a banda mineira Uakti. Mas eles estão ligados a um conceito mais amplo, que Gil, em depoimento de 2013, definiu como a “indicação de um claro avanço rumo a um sonho de homem novo”. Nesse processo, são importantes conceitos como a improvisação em grupo ou o ideal da teosofia. “Smetak queria inventar uma música/cosmologia, buscava um novo Homem fruto de uma consciência sonora”, afirma Costa Lima.

Para Fausch, esses múltiplos aspectos da obra de Smetak - e o modo como fazem que seu trabalho assuma diferentes significados para diferentes pessoas - foram fundamentais na formatação de Re-inventing Smetak. “Para nós, não se tratava apenas de tocar Smetak, mas entender o modo como sua linguagem criou significados, inspirando outros autores e dialogando com outras épocas.” Por conta disso, eles encomendaram aos compositores Arthur Kampela, Daniel Moreira, Paulo Rios Filho e Liza Lim obras que dialogassem com o autor. “O que percebemos é que, quando se trata de Smetak, não se pode pensar apenas na peça musical em si, mas, sim, em todo um universo de ideias sugerido por uma personalidade musical”, diz Fausch. 

Orquestras No dia 2, a Orquestra Sinfônica Jovem do Estado toca em Campos do Jordão, com regência de Claudio Cruz, a Sinfonia nº 4 de Brahms; nos dias 7 e 8, a atração é a Orquestra Filarmônica de Goiás, com regência de seu diretor artístico Neil Thomson, no Auditório Claudio Santoro e na Sala São Paulo; no dia 8, a Osesp apresenta em Campos a Sinfonia nº 7 de Shostakovich, sob o comando de Marin Alsop e com participação de alunos, e, no dia 9, é a vez da Sinfônica Municipal de Campinas, com Victor Hugo Toro e um programa com obras brasileiras.

Música de câmara No dia 3, o Quarteto da Osesp toca em Campos obras de Dvorák e Debussy; e o Ensemble Modern é a atração nos dias 8 e 10, em Campos e em São Paulo.

Recitais Na Igreja Santa Terezinha, o pianista brasileira radicado nos Estados Unidos Ronaldo Rolim interpreta, no dia 4, as Goyescas, de Enrique Granados, e Maria Teresa Madeira faz, no dia 6, recital dedicado à obra de Ernesto Nazareth, de quem ela gravou a obra completa para piano.Festival começa no sábado com novo corte de verbas

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A abertura oficial do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão acontece na noite deste sábado, no Auditório Claudio Santoro, com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo regida pela maestrina Marin Alsop - é a sua volta ao grupo depois de um mês de cancelamentos provocados por questões de saúde. Ela terá ao seu lado o pianista Makoto Ozone, que vai interpretar a Rhapsody in Blue, de Gershwin; o programa tem ainda como destaque as Variações de André Mehmari.

A edição 2017 do festival confirma o movimento de queda no orçamento iniciado há alguns anos. Entre 2015 e 2016, houve redução de 30% no investimento. No ano passado, o festival custou R$ 4 milhões, com R$ 1,7 milhão do governo de São Paulo e R$ 2,3 milhões de patrocínio. Este ano, a verba é de R$ 3 milhões, valor advindo de patrocínios privados, sem participação do Estado. Por conta disso, caiu o número de bolsistas e a programação pedagógica é realizada em São Paulo, com apenas concertos em Campos, a maior parte deles realizada também na Sala São Paulo.

A orquestra acadêmica, formada por alunos do festival, vai fazer dois programas interessantes. Nos dias 15 e 16, será comandada pelo maestro inglês Neil Thomson, diretor da Filarmônica de Goiás, com obras de Guerra-Peixe e Rimsky-Korsakov. E, nos dias 22 e 23, por Alexander Liebreich, em um programa que tem como destaque as Canções de um viajante, de Gustav Mahler, com solos do barítono Paulo Szot, e Till Eullenspiegel, de Strauss. Um grupo de 41 bolsistas também foi selecionado para atuar com a Osesp na interpretação da Sinfonia nº 7 de Shostakovich na Sala São Paulo, com regência de Marin Alsop.

Além da extensa programação de câmara, o festival terá ainda uma série dedicada especialmente às criança e vai receber orquestras como a Sinfônica Juvenil da Bahia, grupo que integra o Neojiba (Núcleos estaduais de orquestras jovens e infantis da Bahia). O conjunto vai se apresentar na Sala São Paulo e em Campos, nos dias 22 e 23, sob o comando do maestro e pianista Ricardo Castro.

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