Dee Dee Bridgewater faz belo tributo a New Orleans em novo disco

Cantora homenageia o berço do jazz

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

Dee Dee Bridgewater, 65 anos, ótima e experiente cantora de jazz, tem feito dos tributos aos grandes músicos e às divas vocais do passado o mote para formidáveis gravações. To Billie With Love (2010) para Lady Day; This is New reverenciando Kurt Weill (2002); e Dear Ella Fitzgerald (1997) são muito interessantes, mas o Himalaia desse itinerário é Love and Peace (1995), homenagem a seu guru, o pianista criador do hard bop Horace Silver, com quem atuou nos anos 1970. 

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Seu CD mais recente é igualmente memorável. Relembra os dez anos da passagem do furacão Katrina que arrasou New Orleans em agosto de 2005, inundando e praticamente destruindo o mítico berço que gerou o jazz na virada dos séculos 19 e 20, fazendo brotar gênios desde o calibre de Louis Armstrong até a família Marsalis, com destaque para sua joia mais preciosa, Wynton. Originalmente lançado na Europa em abril de 2015, Dee Dee’s Feathers chegou aos EUA apenas em agosto passado e ganhou edição brasileira pela Sony em dezembro.

Nascida em maio de 1950 em Memphis, no Tennessee, Dee Dee é filha de um professor de música e trompetista. O casamento com o trompetista Cecil Bridgewater deu-lhe novo sobrenome e a chance de cantar, entre 1972 e 74, na mítica big band Thad Jones-Lewis toda segunda-feira, no Village Vanguard, templo sagrado do jazz em Nova York. Essa formação fez dela uma das herdeiras mais diretas do scat singing de uma Ella Fitzgerald, aliada à sofisticação musical de uma Betty Carter. Dee Dee canta como um instrumentista. Mistura-se ao tecido instrumental sem nenhuma cerimônia.

Nesse antológico CD-tributo a New Orleans, encontra o parceiro ideal, o trompetista nascido na cidade Irvin Mayfield, que, aos 38 anos, lidera uma formidável usina sonora de 18 músicos da New Orleans Jazz Orchestra. Desde Buddy Bolden e Satchmo, a música em New Orleans é extrovertida, feita para dançar, cheia de swing e erotismo explícito. Música de rua - atmosfera parecida com a de Salvador. São 14 faixas em que a vibração é intensa. Ela “conversa” quase o tempo todo com o trompete de Mayfield (há um incrível “break” que parece cadência de concerto clássico no final de New Orleans). 

O repertório combina temas originais com clássicos da cidade. O bate-papo já surge na primeira faixa, One Fine Thing, do pianista e cantor Harry Connick Jr., nascido naturalmente em New Orleans. As performances mais tranquilas, digamos, são das clássicas What a Wonderful World e Do You Know What it Means If You Miss New Orleans, imortalizadas por Armstrong.

Os convidados arrasam. O piano irresistível de Dr. John, 75 anos, brilha em Big Chief, enorme sucesso de Professor Longhair nos anos 1960. Três outras performances memoráveis: o tema do seriado de Treme, de 2010, que retrata a vida dos sobreviventes no pós-Katrina; Saint James Infirmary, gravado em 1928 por Armstrong; e a lírica Come Sunday, de Duke Ellington, onde Dee Dee lembra Ella, propositalmente.

Cantora de notáveis recursos vocais e técnicos, ela comanda uma divertidíssima e ótima festa musical. Na última faixa, Whoopin’ Blues, você jura que eles estão andando e dançando enquanto tocam - como as marching bands de New Orleans.  

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