Indiana Nomma traz um luminoso show-tributo a Mercedes Sosa

Pela 1.ª vez em São Paulo, cantora faz no Blue Note concerto em homenagem a uma das maiores vozes da América Latina

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Por Julio Maria

Se a voz carrega mesmo tudo o que uma cantora vive, Indiana Nomma teria o quê? 120 anos? Sua idade real: 46. Sua origem geográfica: Honduras até 10 meses de idade, com residências nesta sequência: México (dois anos), Portugal (dois anos), Nicarágua (quatro anos), Alemanha então Oriental (quatro anos) e, enfim, aos 11 anos e para sempre, Brasil. Filha de pai baiano e mãe gaúcha, Indy vive em Brasília depois de alguns anos no Rio e, mesmo depois de cantar por oito países e acabar de ser reconhecida pelos herdeiros da cantora Mercedes Sosa como a intérprete oficial da cantora argentina pelo mundo – algo como ter uma cantora argentina como intérprete oficial de Elis Regina, autorizada por seus filhos –, ela faz seu primeiro show em São Paulo.

Indiana Nomma Foto: Marcelo Castelo Branco

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Seu mais recente álbum, gravado com o violonista André Pinto Siqueira, vai ser lançado em 8 de dezembro, na casa de shows Blue Note, no Conjunto Nacional (os ingressos já estão à venda no site da empresa). Mercedes Sosa – A Voz dos Sem Voz é um primor. Envolvente e luminoso, trata-se do tributo mais bem cuidado já feito por uma artista brasileira à maior cantora da história musical latino-americana. A voz de Indiana não tenta reproduzir a de Mercedes, mas se encontra com ela, assim como sua história. Ouvir canções como Mi Unicórnio Azul; Alfonsina y El Mar; Volver a los 17 ou, por mais cantada que seja, Gracias a la Vida é reviver ou descobrir belezas.

Mercedes, morta em 2009 depois de deixar um legado libertário e de lutas contra opressões à mulher e aos povos vítimas de governos totalitários – bravura que lhe custou episódios de perseguição por parte da ditadura argentina e um doloroso exílio na Europa –, tinha relações estreitas com artistas brasileiros como Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gal Costa. La Negra, como ainda a chamam em outros países da América Latina, se tornou, ainda em vida, uma esperança, além da artista que vivia à frente de seus pares.

Indiana Nomma tinha 3 anos quando, em 1980, foi colocada nos ombros do pai, o sociólogo e jornalista Clodomir Santos de Morais, para ver Mercedes cantar na Plaza de la Revolución Sandinista, em Manágua, Nicarágua. Perseguidos pelo governo militar por estarem desenvolvendo um programa de capacitação social por comunidades do interior de Honduras, tiveram de deixar o país. Seus trabalhos resultariam na criação da Hondupalma, a maior empresa de biodiesel da região, algo que fez Clodomir ser recebido, anos depois, com honras de chefe de Estado pelo novo governo hondurenho. Ainda naqueles anos, as tensões ideológicas no Brasil, que terminaram por encarcerar Clodomir como preso político na mesma cela do educador Paulo Freire, fizeram a mãe, Eva Martins, ou Célia Lima, seu nome de guerra, preparar a filha: “Se eu pedir para você correr, você corre, mesmo se eu não estiver correndo atrás de você. E não olhe para trás”.

Com o pai, Clodomir Santos de Morais Foto: Arquivo pessoal

Cantar Mercedes é algo que Indiana faz desde os 8 anos e, embora só agora tenha registrado um álbum com esse repertório, ela começou a viajar com o show em 2000. “Meu primeiro contato com a música latino-americana se deu com a minha mãe. Assim, meus três grandes pilares se tornaram Silvio Rodríguez, Pablo Milanés e Mercedes Sosa”, conta. Além de admirar a artista, ela fala também de algumas de suas posturas. “Dois dias antes da morte, Mercedes ainda fazia aulas de canto. E gostava de estar ligada aos novos artistas, porque sabia que estaria criando um legado. Uma pena que o Olimpo brasileiro, com poucas exceções, não faça o mesmo.”

MEDIAÇÃO. Há uma importância maior quando tributos são feitos com história e empatia entre as partes. Mais do que reverenciar uma artista já consagrada, a atualização de Años, Si Se Calla El Cantor, La Maza, Como La Cigarra e Canción con Todos se torna uma segunda porta de entrada para os universos de Mercedes e de Indiana. “Eu tinha resistências sim, não imaginava como iam perceber meu trabalho, sobretudo na Argentina. Mas começaram alguns retornos importantes, como o da (cantora) Fabiana Cozza mandando uma mensagem dizendo que estava chorando com o álbum, ou de pessoas que diziam não conhecer Mercedes Sosa até aquele momento.”

Ao lado do violonista André Pinto Siqueira Foto: Marcelo Castelo Branco

O argentino Agustín Matus, produtor de 36 anos, neto de Mercedes e do músico Oscar Matus, explica, de Buenos Aires, o que o fez, ao lado da irmã Araceli Matus, reconhecer Indiana como a intérprete oficial da avó. “Um conjunto de coisas. Ela é uma brasileira radicada em Honduras, isso já é algo especial. Mas, claro, a interpretação, o gestual com as mãos, o figurino, o registro vocal amplo, o repertório – o que chamo de manifesto – e seu cuidado em falar com a família. Muitos artistas não fazem isso.” Sua fala pode passar a ideia de uma Indiana cover, mas, ele diz, é exatamente o contrário. “Ela não tenta imitar minha avó, como muitas cantoras fazem aqui na Argentina, usando poncho e alisando o cabelo. Isso fica sempre ridículo.”

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Outro ponto importante é, segundo Agustín, a coragem e a entrega da brasileira ao cantar algo que nem as argentinas das novas gerações têm aceitado fazer: Alfonsina y El Mar. “Canções como essa vão acabar desaparecendo se as cantoras não acreditarem que podem fazê-las. E eu não conheço outra que faça isso melhor do que a Indiana.”

SERVIÇO: Mercedes Sosa – A Voz dos Sem Voz. Blue Note: Av. Paulista 2.073. 5ª (8/12), 22h30. Indiana Nomma e André Pinto. R$ 45/R$ 90. bluenotesp.com

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