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Morre o maestro Diogo Pacheco aos 96 anos, em São Paulo

Regente estava internado no Hospital Sírio-Libanês e a morte foi em consequência de uma hemorragia, segundo a família

Por João Marcos Coelho
Atualização:

O maestro Diogo Pacheco morreu na madrugada desta quarta-feira, 17, no Hospital Sírio-Libanês, em consequência de uma hemorragia, segundo informações da família, onde estava internado para tratamento de problemas pulmonares. Iria completar 97 anosem 5 de novembro próximo. Mantinha Grande Concerto, um programa semanal na Rádio Cultura FM de São Paulo.

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Foi sua mais recente atuação na mídia, característica que cultivou com determinação e muito talento. Diogo, como os que o conheceram o tratavam carinhosamente, foi assistente do maestro Eleazar de Carvalho na Osesp nos anos 1980/90. 

Sua atuação extrapolou o fechado mundinho clássico. Fez da democratização do acesso de toda a população à música clássicaseu mantra. Com um detalhe fundamental: Diogo tinha um humor fino. E uma coragem artística extraordinária.

Diogo Pacheco em 1996, com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo em Campos do Jordão Foto: JF Diorio/Estadão

Uma trajetória que se iniciou na música coral. Ele regeu muitos corais, fortaleceu o movimento coral no Estado de São Paulo. Décadas mais tarde, nos anos 1990, foi o responsável pelo programa Concertos Internacionais na Rede Globo. Antes disso, criou e manteve um programa semanal na Rádio Eldorado de muito sucesso e repercussão, inclusive fora dos limites da música clássica. 

O acontecimento de maior repercussão em sua carreira foi, sem dúvida, quando, em 1964, Diogo colocou Elizeth Cardoso, a divina Elizeth, no palco dos teatros municipais de São Paulo e Rio. E para entoar a cantilena das Bachianas Brasileiras n.º 5, de Villa-Lobos.

A imprensa deu conta da polêmica que o gesto provocou. Como? Uma cantora popular nestes ilustres palcos eruditos?O gesto abalou preconceitos arraigados, abriu as comportas para os “atores” da vida musical eruditaenxergarem seus entornos populares. Afinal, música não pode ter adjetivo.

Em outubro de 1964, acantora Elizeth Cardoso interpretou "As Bacchianas", de Villa-Lobos, sob a regência do maestro Diogo Pacheco, no Municipal de São Paulo Foto: Acervo Estadão

Selecionei apenas a mais emblemáticaaventura libertária de Diogo Pacheco, um espírito inquieto e sempre de bom humor, disposto a quebrar preconceitos. Fez isso com clareza no artigo “Como o brasileiro vai gostar de música clássicase não há meios de chegar até ela?”, para a revista Viva Música. Assim como levou Elizeth para o Municipal, Diogo batalhou muito no sentido de fazer com que os grandes compositores - Bach, Beethoven, Mozart,Chopin, os populares e os contemporâneos - chegassem a toda a população.“Não é preciso ser entendidonem ser de uma classe especial para ‘entender’o famoso ‘tchan tchan tchan’ de Beethoven (...) O dia em que houver maior possibilidade de se entrar em contato coma música clássica, não tenho dúvidasde que seu consumoaumentará, sem necessidade de teorias ou análisesque provem algo a favor ou contra. Precisamos é acabar com os entendidosque dão palpite sem saber onde é o dó.” Santas e agudas palavras.

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Diogo Pacheco merece ser lembrar por gestos simbólicos como o de levar Elizeth ao Municipal e batalhar pela popularização da música clássica.

Unindo erudito e popular

É deliciosa e informativa a leitura do livro Diogo Pacheco, um maestro para todos, de Alfredo Sternheim, editado pela Imesp na coleção Aplauso em 2010.  Um episódio, acontecido num concerto ao ar livre num estádio de futebol em Presidente Prudente, dá a medida de quem era Diogo Pacheco. Sternhein escreve: “Mais de dez mil pessoas pela primeira vez assistiam a uma apresentação de orquestra sinfônica. Quando entrou em cena, Diogo ouviu gargalhadas, achou até que a calça estivesse rasgada. Os risos prosseguiam, misturados a vaias. Ele resolveu agir: 'Peguei o microfone e dei um berro. ‘Vocês estão acostumados à música popular, que permite mexer com seu corpo, seus gritos. Mas agora vou tocar uma música que mexe com a sensibilidade de vocês e tem que ser ouvida com respeito. Se ficarem quietinhos, vocês vão dar espaço para que essa música entre em vocês. Portanto, silêncio’. Nunca, nem no Municipal, ouvi um silêncio tão sepulcral como aquele'.”

O sepultamento de Diogo Pacheco será nesta quarta, às 16h, no Cemitério da Consolação, em São Paulo. 

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