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Por que a nostalgia é tão lucrativa? Retorno de Restart e NX Zero mostra ‘pressa’ de mercado musical

Bandas que fizeram sucesso nos últimos 10 anos movimentam multidão de fãs com shows esgotados e músicas que acionam memória. Entenda o que está por trás de reuniões de grupos que haviam se separado ou viviam ‘hiato’

Foto do author Sabrina Legramandi
Por Sabrina Legramandi
Atualização:

Não é segredo que um verdadeiro fenômeno de reuniões de grupos musicais tomou conta do mercado musical no Brasil nos últimos tempos. Com capacidade de movimentar uma multidão de fãs e esgotar shows em poucos minutos, grupos como Restart e NX Zero causam uma verdadeira comoção naqueles que querem relembrar períodos felizes sob uma sensação de urgência.

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Também não é segredo o nome que se dá ao sentimento por trás de tamanha comoção: a nostalgia, uma sensação criada por tempos que já não existem mais. Não é de hoje que reuniões, playlists e músicas que evocam essa emoção fazem sucesso entre pessoas que viveram – ou até os que não viveram – determinada época.

Uma coisa, porém, chama a atenção em anúncios feitos nos últimos anos: bandas que fizeram sucesso na última década – um passado não tão distante assim. No caso do Restart, o período do auge e das calças coloridas foi vivenciado há apenas 10 anos. O NX Zero havia anunciado um ‘hiato’ apenas seis anos atrás.

O interesse e a volta de tendências cada vez mais recentes ultrapassa o mercado musical e chega, hoje em dia, muito bem exposto no mercado da moda. Em plataformas populares como o TikTok, não é difícil se deparar com a estética Y2K, nome dado ao resgate de elementos como calças de cintura baixa, tão populares nos anos 2000, e músicas já ‘velhas’, mas de realidades não tão distantes.

Neste texto, você vai entender:

  • Como são organizadas turnês de grupos que haviam se separado?
  • Por que grupos recentes retornam sob um pretexto de nostalgia?
  • O que explica tamanha comoção entre fãs?
  • Como as redes sociais contribuem para isso?
  • Até que ponto a nostalgia é um sentimento positivo?

Como são organizadas ‘turnês de nostalgia’?

Há uma demanda considerável do público por bandas ou músicos que estimulam esse sentimento de nostalgia. É o que conta Alexandre Faria, vice-presidente da Live Nation Brasil, produtora que já esteve à frente da turnê da dupla Sandy e Junior e, atualmente, organiza os oito shows do RBD no País.

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Segundo ele, há um monitoramento dos nomes de maior interesse dos fãs, seja de artistas que estão na ativa ou daqueles que viviam um ‘hiato’. Um possível retorno pode partir tanto de uma vontade do artista quanto de uma demanda da produtora.

O retorno do grupo RBD gerou uma alta demanda em fãs brasileiros com oito shows confirmados. Foto: SBT / Divulgação

O tempo para que uma turnê desse calibre seja organizada envolve muitas variáveis, podendo nascer em poucos meses ou ultrapassar um ano. Caso o grupo ou músico sinta vontade de lançar músicas novas, o ‘tempo de gestação’ é maior.

Alexandre, porém, concorda que o sentimento de querer relembrar o passado é o que lidera o gosto do público por trás de tamanha demanda. “Tem tudo a ver com nostalgia. Música e shows ao vivo tem um lugar cativo nas emoções das pessoas”, comenta.

Querer reconectar com aquele sentimento tão gostoso do passado é, de certa forma, revisitar sua própria história por meio da música. [...] O lugar de ambas [Sandy & Junior e RBD] e outras produções é o mesmo: memória.”

Alexandre Faria

O ‘restart’ de um passado não tão distante

Um prazo de validade tão curto para sucessos musicais não é uma novidade para a indústria do entretenimento. Simone Pereira de Sá, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora de mídia, música e mercado musical, explica que o fato é associado à forma como foi construído o mercado pop e remonta à explosão dos Beatles nos anos 1960.

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“A temporalidade desse mercado é bastante acelerada. [...] Um sucesso de 10 anos atrás, para a música pop, já é classificado como antigo”, diz ela, que compara essa indústria com a da música erudita, onde o sentimento de nostalgia não é evocado. “A gente não fala de nostalgia para alguém que está ouvindo Beethoven ou Bach [...], porque não se supõe que esse gênero precise de novos sucessos.”

Segundo a pesquisadora, vários fenômenos explicam o grande interesse do público por atrações musicais que evocam esse sentimento. O primeiro se associa com a capacidade da música de acionar memórias.

Esse afeto por determinadas canções, conforme Simone, não está necessariamente associado à qualidade desses sucessos, mas sim das lembranças que nos invadem com certa sequência de acordes. O mercado tem consciência do poder desse sentimento e usa isso a seu favor.

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O que o mercado faz é usar essa chave que a gente já tem para dar um ‘restart’ – com o perdão do trocadilho – em certas bandas que já não tinham tanta visibilidade.”

Simone Pereira de Sá

Ingressos esgotados também se associam à fidelidade de fãs

Outro elemento, porém, não deve ser ignorado ao se pensar na rapidez dos ingressos esgotados em reuniões de grupos: a fidelidade dos fãs. Simone cita um exemplo pessoal: a banda Titãs, que ela acompanha desde a adolescência, que, recentemente, fez shows da turnê Encontro.

“Eu não vou aos shows [dos Titãs] porque eles me fazem lembrar os meus 15 anos. É porque continuo achando uma banda ótima e eu quero ver o que eles estão fazendo hoje”, comenta a professora, que diz que o pós-pandemia e a necessidade de shows ao vivo também contribuem para o esgotamento rápido de entradas para apresentações.

O interesse das bandas, para ela, não se associa apenas a um interesse econômico: também há uma vontade de criação artística por parte dos músicos. “No caso do Restart, são jovens músicos que fundaram a banda daquele primeiro momento. Depois, eles foram para outras direções e se reencontram, por um lado, explorado essa onda da nostalgia, mas também por interesses de criação artística”.

Tal fidelidade, porém, não se limita apenas aos fãs que vivenciaram a época dos grupos. Um fenômeno, impulsionado hoje pelas redes sociais, faz com que bandas e artistas atraiam o interesse das novas gerações, como a chamada Geração Z.

Aceleração pelas redes sociais começa pela moda

Para além da reunião de bandas mais recentes, o interesse de pessoas mais jovens também gira em torno de grupos cujo auge do sucesso não vivenciaram. Não é difícil encontrar recortes de músicas do ABBA, do Fleetwood Mac, de Billy Joel e de Rita Lee em plataformas como o TikTok.

Nessas redes sociais, as referências ‘retrô’, principalmente em relação a tendências de moda, vêm dos anos 2000. Maíra Zimmermann, historiadora e professora de moda na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), conta que, anteriormente, os ciclos da moda e o retorno de tendências duravam 20 anos – o tempo de uma geração.

Gosto pelos anos 2000 também se associa às redes sociais e à moda. Foto: J.F. Diorio/Estadão

Atualmente, as novas gerações ressignificam elementos de outras com esse olhar ‘nostálgico’, como explica ela. A circulação de imagens e símbolos dos anos 2000 contribui para haver um amplo interesse desse público em elementos do início do século.

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Maíra cita um fenômeno descrito em 2010 pelo jornalista inglês Simon Reynolds: a ‘retromania’, um vício em um passado cada vez mais recente. Esse movimento, porém, não é orgânico, conforme a professora.

A gente não pode esquecer que vivemos em um sistema capitalista que visa o lucro. Essa questão do lançamento de produtos, do retorno de tendências não é algo tão orgânico assim.”

Maíra Zimmermann

Ela, porém, aponta para um problema que envolve tanto o interesse de jovens por esses elementos quanto o dos pais em fazerem com que os filhos conheçam determinada época: a idealização do passado.

‘Na minha época as coisas eram melhores’?

Para a psicologia, a sensação de nostalgia envolve um leque de sentimentos e de outras questões. A professora Leila Salomão de La Plata Tardivo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP USP), explica que a nostalgia pode vir acompanhada tanto de tristeza quanto de alegria, já que libera endorfinas.

Como exemplo, ela cita shows de ídolos como Paul McCartney e Roberto Carlos, que sempre atraem uma alta demanda do público. “Se a pessoa viveu aquilo, é um momento de retomar esse bem-estar”, comenta.

O problema da nostalgia, para Leila, é quando a pessoa é impedida de viver o presente por essa idealização do passado. “O que não faz bem é ficar lá. [...] [A nostalgia] vai fazer mal se te impedir de seguir adiante, porque o único tempo a ser vivido é o presente”, diz.


*Estagiária sob supervisão de Charlise de Morais

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