Sai disco de Morrissey em edição de luxo

Morrissey, You Are the Quarry é relançado com um CD extra e documentos raros do ex-líder dos Smiths. Ouça "Irish blood, english heart"

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Por Agencia Estado
Atualização:

É natural que o fã fique ressabiado: mal ele compra um CD e lá vem a versão turbinada, a pedir mais investimento. Faixas extras, com raridades, versões ao vivo e/ou acústicas; discos extras com remixes; arquivos de MP3 com trechos de entrevistas; arquivos de fotos; arquivos de vídeos; encarte com libreto especial. Não há artifício que não seja usado pela indústria fonográfica (e, sejamos francos, pelos artistas) no intuito de fazer mais dinheiro. Às vezes, porém, bem de vez em quando, a edição especial vale a pena mesmo. É o caso da edição de luxo de Morrissey, You Are the Quarry. Você pode ler tudo o que eu escrevi em junho do ano passado sobre o excelente CD simples aqui. Para ficar no espírito do CD duplo que encontrei lá fora nas minhas férias, contudo, o que se segue é uma coluna-bônus, assim como o segundo disquinho contém nove lados B dos singles extraídos de You Are the Quarry, o clipe de Irish Blood, English Heart, três canções gravadas durante a participação de Morrissey no programa de TV americano The late late Show with Craig Kilborn (First of the Gang to Die, I Have Forgiven Jesus e Let me Kiss You) e uma galeria de fotos dos bastidores da turnê 2004. Como a volta de Morrissey, após sete anos de silêncio, era aguardada pelos fãs como a terceira vinda do messias (a primeira foi à frente dos Smiths e a segunda, a primeira parte de sua carreira-solo), a tal turnê já tinha rendido discos piratas. Piratas no bom sentido, como Morrissey, Green Energy, gravado num festival em Dublin. Não uma cópia ilegal de um disco já existente, sentido que o termo ganhou no Brasil. Mas um disco diferente, nunca lançado oficialmente. Para aproveitar esse interesse pelo velho Moz ao vivo, a sua gravadora, a Sanctuary, já está providenciando o lançamento de Live at Earl?s Court. O disco extra da edição de luxo de You Are the Quarry vale a pena por conta da relação que Morrissey tem com os singles desde os tempos dos Smiths. É impossível acompanhar a carreira da sua lendária banda com Johnny Marr, Andy Rourke e Mike Joyce apenas pelos álbuns. Boa parte da sua melhor produção apareceu só em singles, posteriormente reunidos em diversas coletâneas. Na carreira-solo, aconteceu o mesmo: Morrissey deixou grandes músicas para o lado B de seus disquinhos. Tanto que eles foram reunidos em duas caixinhas de papelão: uma cobrindo o período 1988-1991; outra, o período 1991-1995. Nelas, por exemplo, podem ser (re)encontradas pequenas jóias, como Will never Marry ou as três versões de Interlude, com Siouxsie Sioux, a dos Banshees. Assim sendo, o CD extra de You Are the Quarry é tão interessante quanto o primeiro. Se fosse um disco isolado, já seria uma boa amostra do universo de Morrissey. A não ser pela arrastada Mexico, todas as outras oito faixas fariam bonito no álbum do ano passado. Algumas se impõe logo nos títulos, como a animada It?s Hard to Walk Tall when You?re Small (É difícil andar ereto quando você é pequeno - ô duplo sentido) ou My Life Is a Sucession of People Saying Goodbye (minha vida é uma sucessão de gente dizendo adeus - frase que guarda curiosa semelhança com uma de Oswald de Andrade, usada como epígrafe de A Tempestade, último disco da Legião Urbana lançado antes da morte de Renato Russo: ?O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus?). Estão presentes no You Are the Quarry extra aquelas baladas chorosas em tempo médio no qual Morrissey é mestre. Três são soberbas: Friday Mourning (já a partir do trocadilho entre manhã e luto),Never Played-Symphonies e I Am Two People. Esta diz ?eu sou duas pessoas/ Uma você conhece - mas não gosta/ A outra/ Você não conhece/ Mas não quer conhecer/ Eu tenho duas caras/ Uma das quais você conhece/ A outra, pelo seu bem,/ Eu nunca vou mostrar?. É preciso ouvir Morrissey um pouco como se assiste a um filme de Pedro Almodóvar: a quase onipresente cafonália é uma forma de auto-ironia dos sentimentos. Como, afinal, ouvir ?nunca vou ficar nu na sua frente/ E se ficar/ Não será por muito tempo? sem ouvir a piada debaixo da exagerada dramaticidade da interpretação? Às vezes, entretanto, Morrissey resvala no mau gosto, puro e simples. É o caso de Munich Air Disaster 1958, ambíguo pranto pelo time do Manchester United (Manchester, cabe lembrar, é a cidade natal do cantor) morto na queda, sob nevasca, de um avião Ambassador. Pois Moz manda esta: ?Eu gostaria de ter caído/ Caído com eles/ Para onde a mãe natureza faz sua cama/ Eles não podem te machucar/ O estilo deles nunca vai te desertar/ Porque todos estão seguramente mortos.? Ainda assim, pasme, a música é boa. Este, aliás, é um paradoxo de Stephen Patrick Morrissey: ele está bom até quando está perverso.

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