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O que eles mereciam...

Vítimas de violência doméstica, duas mulheres reagem e matam seus respectivos maridos. Agiram em legítima defesa ou são apenas assassinas?

Por Gilles Lapouge e PARIS
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Jacqueline Sauvage era agredida cotidianamente, havia trinta anos, pelo marido. Este, quando não batia na esposa, violava as filhas. Um dia, ao ser espancada, matou seu algoz. Levada à Justiça, foi condenada a 10 anos de prisão.

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A indignação tomou conta do país. Uma petição enviada aos tribunais pediu a absolvição de Jacqueline. Foram 400 mil assinaturas. O presidente Hollande se interessou pelo caso, mas hesitou porque não via com bons olhos o direito de conceder o indulto, conforme sua função lhe permitia, por considerá-lo uma prerrogativa remanescente da época da monarquia. No entanto, acabou por agraciar Jaqueline Sauvage. Mas não anulou a condenação; contentou-se com a suspensão da aplicação da pena.

Num caso semelhante, julgado pelo tribunal de outra cidade, a sentença dada pelos juízes foi bem diferente. Uma mulher (Alexandra Lange), também assassina do marido, foi inocentada. Dois pesos e duas medidas! A diferença entre esses dois veredictos é chocante. Eles mostram os limites da Justiça. “Verdade do lado de cá dos Pirineus, erro do lado de lá”, disse o filósofo Blaise Pascal. Mas os juízes retrucam: embora nos dois casos o marido tenha sido morto, as circunstâncias do assassinato não são nada parecidas.

Alexandra Lange, que foi absolvida, matou o marido quando ele mais uma vez a agredia. Ela utilizou uma faca que agarrara no meio da briga. Por seu lado, Jacqueline Sauvage, que pegou 10 anos de cadeia, matou o marido violento friamente, não no decorrer de uma luta, mas num momento de calma. Além disso, o matou com um tiro de fuzil, pelas costas.

Eis por que, aos olhos da Justiça, num caso se deve falar de “legítima defesa” e, portanto, de uma possível absolvição, e no outro de um assassinato. Essa distinção será legítima? Muitos, principalmente mulheres, a recusam. O inferno sem fim a que são submetidas essas esposas espancadas as coloca, na opinião de muitos, numa “situação de legítima defesa” perpétua.

No Canadá, a Corte Suprema absolveu a sra. Lavallée, que matou o marido quando este saía do quarto e estava de costas. O caso fez jurisprudência. Os canadenses consideram que os homens violentos às vezes têm momentos de “remissão”, mas que sua loucura pode despertar a qualquer momento. Por consequência, a mulher está constantemente em perigo, constantemente em situação de legítima defesa.

Alguns juízes contestam a visão canadense. No caso de Jacqueline Sauvage, foi adotado o seguinte argumento: “A França, e ela pode se orgulhar disso, foi uma das primeiras nações a abolir a pena de morte (em 1981). Com que direito uma mulher espancada poderá restabelecer, a seu favor, essa mesma “pena de morte’?

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Admitamos que esse raciocínio é um tanto falacioso.

Consulto as estatísticas. São assustadoras. A cada ano, 216 mil francesas são vítimas de violência doméstica. E apenas 15% delas a denunciam à polícia. “Elas têm vergonha de ser espancadas, vergonha de ser torturadas!”

Em 2014, na França, 140 mulheres foram mortas pelo companheiro. A metade dessas mulheres foi morta pelo marido. Calcula-se que, na França, uma mulher é assassinada pelo marido a cada três dias. A esses números é preciso acrescentar os suicídios. Mas não esqueçamos que muitas mulheres se suicidam para escapar das mãos do seu algoz doméstico.

A França será uma exceção? Absolutamente não. Ela está na média. Em 2006, 5% das mulheres japonesas foi vítima de violência do marido, enquanto na Etiópia essa porcentagem chegou a 59% das mulheres. A França está na metade do caminho. Anualmente, 17% das mulheres são vítimas de violência doméstica.

Alguns homens rebatem dizendo que a violência está dos dois lados. Não é verdade: em um ano, contam-se cerca de 30 mulheres que decidem agir e matam seus esposos. Mas elas decidem agir porque sua vida é um pesadelo ignóbil, interminável, sem saída.

Se eu fosse um homem, não me orgulharia dos meus congêneres. Às vezes, esse sexo é desprezível. E, como sou um homem... / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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