Os Obama e os Clinton lançam filmes, livros e podcasts após deixar a Casa Branca

Vida cultural dos casais que ocuparam a residência presidencial norte-americana nos anos 90 e 2000 é agitada

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Por Karen Heller
Atualização:

Tempos atrás, os ex-presidentes buscavam refúgio numa vida mergulhada em sépia. Eles se mudavam para bucólicas propriedades rurais com nomes elegantes. Jogavam golfe. Escreviam memórias, o que se tornou uma prática padrão pós-presidência, às vezes porque precisavam de dinheiro, por mais estranho que pareça hoje.

Os livros de Michelle e Barack Obama em uma livraria Foto: Lee Smith/Reuters

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“Não tem nada mais patético que um ex-presidente”, disse John Quincy Adams, que trabalhou na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos por quase duas décadas depois da Casa Branca.

“Depois da Casa Branca, o que há para fazer senão beber?”, perguntou Franklin Pierce, que o fez, prodigiosamente.

Outros ex-presidentes se saíram melhor. Thomas Jefferson fundou a Universidade da Virgínia. William Howard Taft se tornou presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos. Herbert Hoover e Jimmy Carter desfrutaram de pós-presidências mais bem-sucedidas do que seus mandatos na Casa Branca.

Os Clinton e os Obama estão trilhando caminhos decididamente diferentes.

Eles lançaram fundações, bibliotecas e museus, além de iniciativas globais, porque é isso que ex-presidentes e primeiras-damas fazem agora. Mas também se tornaram grandes criadores de conteúdo. Vivem em nossas telas e em nossos ouvidos, percorrem nossos feeds de mídia social. Produzem filmes e programas de televisão. Como estamos em 2021, todos eles apresentam podcasts. Os Clinton estão escrevendo livros de suspense a serem publicados ainda este ano. Os casais fizeram parceria com forças criativas como Netflix, History Channel, Apple, Spotify e Springsteen.

Todos eles têm Grammys. American Factory, produzido pela empresa Higher Ground dos Obama, ganhou o Oscar de melhor documentário no ano passado. E seu Crip Camp está na lista de candidatos deste ano.

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Eles se tornaram marcas. E, para falar a verdade, parecem estar se divertindo bastante.

“Política pública, cultura e entretenimento estão muito interligados hoje em dia”, escreveu Hillary Clinton por e-mail, enviado por seu porta-voz. “Em todas as mídias existem novas oportunidades para contar histórias importantes e levantar a voz de pessoas que estão mudando o mundo. E, se eu puder me divertir um pouco fazendo tudo isso, escrevendo um mistério com minha amiga Louise Penny, melhor ainda!”.

“Não existe manual para uma pós-presidência como esta”, disse Katie Hill, porta-voz dos Obama. “O presidente e a senhora Obama compreenderam o poder da narrativa. Eles usaram sua posição única para compartilhar as histórias das pessoas que os inspiraram”.

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Os dois casais saíram da Casa Branca aos 50 e poucos, abençoados com as dádivas do tempo e das muitas opções de remuneração. Duas décadas depois de partir, Clinton ainda está mais jovem do que o atual ocupante. “A idade e a medicina moderna mudam totalmente a história. Os presidentes não viviam tanto depois de seus mandatos”, disse Jeffrey Engel, diretor do Centro de História Presidencial da Southern Methodist University.

Eles se adaptaram aos tempos e dominaram Hollywood e as mídias sociais para compartilhar as histórias dos outros - “história” sendo o termo preferido de ambos os casais. A Higher Ground tem uma dúzia de funcionários. Hillary Clinton e Chelsea Clinton fundaram a HiddenLight Productions para “compartilhar as histórias de líderes - celebrados e não celebrados”, disse a candidata presidencial de 2016 num comunicado à imprensa. Ao criar séries de televisão, filmes, podcasts, conteúdo digital e bestsellers, os Obama e os Clinton estão alcançando públicos maiores, mais jovens e mais diversificados do que os dos livros de memórias da Casa Branca.

Barack Obama assina exemplares de um de seus livros Foto: Jessica Rinaldi/Reuters

Barack Obama, autor do elogiado livro de memórias Uma terra prometida, há muito celebra seu voraz consumo da cultura popular com sua lista anual de livros, músicas e filmes favoritos. Seu podcast ‘Renegades: Born in the USA’ com Springsteen lembra dois boomers conversando sobre suas paixões por cervejas. Em seu terceiro episódio, o 44º presidente canta mais do que Bruce. (Mas Obama é um “renegado”? Fala sério).

Mesmo um livro de memórias pode virar algo totalmente diferente, uma franquia global e um evento. Minha história, de Michelle Obama, vendeu mais de 15 milhões de cópias, com o reforço de um documentário e uma turnê em arenas com convidados especiais e merchandising. Com as edições de bolso e para jovens leitores estreando esta semana, seu apelo mostra poucas chances de diminuir. Hillary e Chelsea Clinton transformaram seu livro de 2019, The Book of Gutsy Women: Favorite Stories of Courage and Resilience [algo como, “O livro das mulheres corajosas: histórias favoritas de coragem e resiliência”, em tradução livre] numa nova série de documentários da Apple TV Plus, criada por sua produtora, que elas mesmas apresentarão.

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Este mês, os Obama vão lançar Waffles + Mochi, na Netflix, uma espécie de Vila Sésamo gastronômica internacional com um punhado de celebridades convidadas. Entre os outros projetos da Higher Ground estão uma série de televisão sobre Frederick Douglass, um filme biográfico sobre o líder dos direitos civis Bayard Rustin dirigido por George C. Wolfe e um filme baseado no romance Exit West, de Mohsin Hamid, estrelado por Riz Ahmed.

A empresa está “configurada como uma plataforma para contar os tipos de histórias que incorporam os valores e interesses dos Obama”, disse Joe Paulsen, chefe de estratégia e negócios da Higher Ground. “Temos espaço na Netflix e no Spotify. Se acreditamos num escritor, acreditamos numa ideia, podemos defendê-la”. Malia Obama, que compartilha o interesse de seus pais por entretenimento, está se juntando à equipe de redatores do projeto Hive, de Donald Glover, na Amazon.

Ao contrário da crença de John Quincy Adams, “o melhor trabalho do mundo é ser ex-presidente”, diz Engel. “Na maioria das vezes, eles não precisam fazer nada que não queiram. As pessoas pagam pela sua participação. Aonde quer que você vá, as pessoas se levantam e aplaudem”.

Houve um tempo em que ex-presidentes se preocupavam até com a possibilidade de lucrar com seu serviço público. O CEO da Fundação LBJ, Mark Updegrove, autor de Second Acts: Presidential Lives and Legacies After the White House, diz que mesmo depois de deixar o cargo, Truman continuou tão cuidadoso para “baratear o cargo” que, nos autógrafos de livros, se recusava a assinar com uma caneta de marca reconhecível, como uma Cross ou uma Bic, “por medo de que pudesse parecer uma propaganda corporativa”, e bancava os custos de postagem para enviar cópias aos leitores. Em 1958, a Lei dos Ex-Presidentes ajudou a aliviar muitos encargos financeiros, proporcionando aos ex-presidentes executivos uma série de benefícios, incluindo postagem.

Os presidentes posteriores, muitos depois de décadas em cargos públicos, aprenderam que poderiam ser bem remunerados por algumas horas de seu tempo. O entrevistador David Frost pagou 600 mil dólares a Richard Nixon e uma parte dos lucros para contar sua história. Gerald Ford recebeu para participar de conselhos corporativos. Em 1989, Ronald Reagan estabeleceu o padrão ouro quando recebeu US $ 2 milhões por dois discursos de 20 minutos e algumas aparições públicas no Japão, abrindo as comportas para críticas. É uma prática que os Clinton e Obama continuaram.

Nem todo ex-presidente gosta de ficar sob os holofotes ou cortejar Hollywood. George W. Bush trabalha com os Clinton no socorro de desastres e com os bolsistas de liderança presidencial, mas optou por uma vida mais tranquila, preferindo pintar quadros.

Antes de deixar a Casa Branca, os Clinton e os Obama nunca geraram o tipo de riqueza que têm agora, embora Barack Obama tenha recebido um grande pagamento com o sucesso de seus livros anteriores, Dreams From My Father e The Audacity of Hope, que até agora superou seu salário no Senado dos Estados Unidos. Os Obama supostamente ganharam até US $ 65 milhões com seus livros de memórias, negociados pelo advogado de Robert Barnett, que também representou os Clinton e George W. e Laura Bush.

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Bill Clinton, o primeiro (e, até agora, único) candidato à presidência a tocar saxofone na televisão, “sempre foi um leitor voraz e um fã de longa data da cultura pop - da música e dos esportes até a televisão e o cinema”, diz seu porta-voz Angel Urena. “Dar vida a esses projetos deu a ele a chance de experimentar coisas novas, explorar diferentes formas de contar histórias e trabalhar com pessoas que ele admira em sua ampla gama de interesses. Tem sido divertido, emocionante e gratificante”.

E aí vem o livro de suspense, que pode ser mais divertido do que escrever um livro de memórias de 957 páginas. O ex-presidente está fazendo mais uma parceria com o rolo compressor editorial James Patterson após seu sucesso de 2018 com O dia em que o presidente desapareceu, que vendeu mais de 2 milhões de cópias. Seu novo livro, lançado em junho, é intitulado The President's Daughter [A filha do presidente]. Não é uma sequência, embora ela também desapareça. State of Terror [Estado de terror], o projeto de sua esposa com Penny, a aclamada escritora de mistérios, agendado para outubro, fala sobre uma secretária de Estado enfrentando, de acordo com o comunicado à imprensa, “o mundo complexo da diplomacia e da traição de alto risco”.

A vida dos ex-ocupantes do Salão Oval pode se alterar mais uma vez. Antes da política, o mais recente ex-presidente foi apresentador de reality show que exibia seu nome em tudo, de cassinos a filés. Quanto ao que Trump pode fazer a seguir, Updegrove diz, “todas as apostas estão na mesa. Ainda não vimos nada”. / Tradução de Renato Prelorentzou

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