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'Canastra Suja' incomoda, mas cativa e arrebata... menos no desfecho

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Rodrigo FonsecaDá muito prazer desbravar as veredas de espinhos, inerentes à mesquinharia humana, filmadas pela câmera epiléptica de Azul Serra em Canastra Suja, uma versão à brasileira de Feios, Sujos e Malvados (1976), que deixa no ar só um incômodo, em meio à definitiva consolidação do diretor Caio Sóh como um cronista da inquietude em nossas telas. Não se deve nunca julgar um filme por aquilo que ele poderia ser... ou por aquilo que a gente gostaria que ele fosse... e sim por aquilo que ele é. Neste caso, Canastra Suja é um filmaço que mete um gol contra nos 45 minutos do segundo tempo. Tem um quebra-mola da ética no qual seu desfecho fica engastalhado por um julgamento de seus próprios personagens. É um julgamento que vai além do filme e tangencia feridas sociológicas nossas. Mas, ainda assim, é difícil não se deixar contagiar pela ciranda de colapsos de uma família de subúrbio. O rosário de mágoas desse clã é iniciado depois que o seu patriarca, Batista (Marco Ricca, com uma fúria digna de seus duos com Beto Brant), decide procurar o AA para se curar do alcoolismo. Seu despertar é refletido inversamente no torpor moral de seus pares. Filhas, filho, mulher, aspirante a genro e até padrinho de AA vão caindo do precipício da certeza. Não há convenção moral que pare de pé no novo longa-metragem do realizador de Teus Olhos Meus (2011), que merecia, há muito tempo, ter estourado, por sua engenharia narrativa de devassar interdições afetivas. Poucos jovens diretores do Brasil têm peito e talento para dirigir astros populares. Ele, pelo contrário, dirige Adriana Estevez e Ricca com maestria, estendendo seus dotes para remodelar personas de estrelas ou astros na maneira delicada com que põe a estrela da última novela das 21h, a feérica Bianca Bin, num ambiente cru.

Pedro Nercessian brilha como o Sol nesta constelação de talentosas personas   Foto: Estadão

Bianca é um talento em ascensão que deita e rola nas deixas de desconstrução que o filme de Sóh lhe oferece, sobretudo quando em duo com David Júnior. Eles dão liga e luz à imagem do casalzinho de periferia, potencializando cada virada que a trama oferece - menos a infeliz coda. Num rol de bons atores, em pequenas participações ou em longa estadia na tela, o Sol se chama Pedro Nercessian, o ator mais truffautiano de sua geração, possante desde sua passagem por Leo e Bia (2010), que aqui lembra o jovem Jean-Pierre Léaud (em Domicílio Conjugal). Ele descasca as camadas de fúria do jovem Pedro, filho que disputa as atenções de Batista com o marafo que ele entorna bico adentro. Nercessian deixa o sabor de Ettore Scola do filme mais forte e mais amargo.

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