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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Guerra Infinita': Thanos aquece a tarde da Globo

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Thanos foi dublado por Leonardo José no Brasil, amplificando, com o vozeirão do finando ator, o feérico desemenho de Josh Brolin Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Tem presente de Carnaval, na reta final da folia, para os Marvetes que passarem pela TV Globo na hora do almoço: às 13h tem "Vingadores: Guerra Infinita" ("Avengers: Infinity War", 2018). Sua bilheteria passou de US$ 2 bilhões. Para sermos exatos, ele rendeu 2.048.359.754 dólares. E sua continuação, "Ultimato", faturou US$ 2,797,501,328,00. Além da "Temperatura Máxima" do Plim-Plim, o filme hoje bate ponto na grade da Disney Plus, que tem surpreendido seu rol de assinantes com "O Cavaleiro da Lua", apoiado na atuação de Oscar Isaac e de Ethan Hawke. Aliás, é obrigatório, para quem curte gibis, conferir a fase atual dos Vingadores na editora Panini Comics, em especial o número 37, que inaugura a saga "Os Estados Unidos do Capitão América", escrita por Christopher Cantwell e Josh Trujillo, com desenhos de Dale Eaglesham e Jan Bazaldua.

 Foto: Estadão

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Adquirida pela Disney, que detém os direitos do império "Star Wars", a Marvel sempre sonhou ter um Darth Vader pra chamar de seu, uma vez que sua maior concorrente na venda de gibis - e, hoje, também na venda de ingressos -, a DC Comics, viu o Coringa, o Lex Luthor, o Darkseid e a Arlequina tornarem-se celebridades em múltiplas mídias, páginas e telas. Mas com "Guerra Infinita", a Casa das Ideias realizou seus objetivos. E muito bem. Quem conferir o longa dos irmãos Anthony e Joe Russo na Globo, neste domingão, vai ter um entendimento de sua grandiosidade como espetáculo fílmico. O temível Darth Vader deste épico estelar de super-heróis é Thanos, um titã cujo interesse não é acumular bens ou tornar-se o senhor de todo o universo. Sua meta fica no arame farpado da ética: destruir sociedades que foram maculadas pela decadência, inclusive a Terra. Há duas décadas, quando Steven Spielberg produziu o hoje cult "O Pacificador", usou-se uma premissa que se aplica aqui a este genocida das galáxias: "Como se lida com um terrorista que não faz exigências, pautado apenas pelo dever de matar?". Nestes tempos de covid-19 e crise (econômica e moral) aqui e lá fora, o Marvel Studios se afina com as inquietações de nosso tempo e reage a ela criando uma figura vilanesca que arrebata nosso olhar a cada cena graças à atuação em CGI (Computer Generated Imagery, efeitos digitais que simulam expressões humanas) de Josh Brolin. Aos 54 anos, o ator californiano revelado como galã adolescente em "Os Goonies", em 1985, e consagrado como um dos intérpretes fetiche dos irmãos Coen (a partir de "Onde os fracos não têm vez") bota Robert Downey Jr. (o eterno Homem de Ferro) e seus parceiros da equipe mais poderosa das HQs no bolso. Sua atuação, com olhares de dor e sorrisos de glória, é memorável. E essa força é preservada na versão brasileira, com o saudoso Leonardo José dublando Brolin. O dublador, que nos deixou há pouco, beirou a excelência ao dublar Clint Eastwood em seu lendário "Os Imperdoáveis" (1992). Mas, aqui, ele se supera. Vale lembrar que o filme é um díptico com o já citado "Ultimato". Fervido a litros de adrenalina, aquecida em sequências de ação, perseguição e fuga afoitas por roubar o fôlego alheio, "Vingadores - Guerra Infinita" deu espaço a um diálogo memorável. Há uma fala na qual Thanos encara o Homem de Ferro e chama o terráqueo pelo nome, "Tony Stark", sendo interpelado por Robert Downey Jr. (sempre ótimo em cena) com uma expressão interrogativa, num "de onde você me conhece?", algo assustador para ele e para a plateia. Construído por Josh Brolin com tônus trágico, num esquema de motion capture (técnica na qual os movimentos de um ator são registrados num software que redefine estes gestos a partir de efeitos digitais que descaracterizam seu visual), Thanos vira para o herói e diz: "Você não é o único que foi amaldiçoado com o dom do conhecimento".

Scarlett Johansson cede seu carisma e sua inteligência cênica à Viúva Negra, dublada aqui pela atriz Fernanda Baronne Foto: Estadão

Thanos sabe muito, pois, há eras, ele estuda o que de pior as civilizações têm: a vaidade. É dela que vem a decadência. E o papel que atribuiu a si mesmo no Universo é varrer da História povos decadentes. Muita gente... Nos quadrinhos de Jim Starlin, Thanos fazia isso por amor: ele se apaixonou pela Morte em pessoa, de osso, foice e capuz. Matava para poder cortejar sua amante. No longa em duas partes dirigido pelos manos Joe e Anthony Russo, a Indesejada das Gentes não é citada. Thanos destrói planetas por ideologia. Ele é a encarnação - talvez a mais sombria tradução da vilania que o cinema de tintas fantásticas elaborou desde Lorde Vader - do fundamentalismo, o inimigo número um do mundo quando o assunto é terror... terror real. Thanos é a metáfora da América de Trump, que acabou em janeiro de 2021, com a entrada de Joe Biden na Casa Branca. Thanos quer remover o que incomoda, sem pesar as consequências. Ao assumir como personagem central a figura de um terrorista que não faz exigências, confiada a um ator em estado de graça como Brolin, a Marvel deixa explícita sua reta de maturidade, em busca de trama menos calcadas em onomatopeias (Soc! Pow! Pum!) e mais interessadas em verticalizar conflitos existenciais e políticos. Seu reinado no cinema começou, silencioso, há 23 anos, quando Wesley Snipes juntou tostões para filmar "Blade - O Caçador de Vampiros" (1998). Ali, pavimentou-se o caminho para a fauna de mascarados de Stan Lee ganhar corpo e alma no cinema. Mas, desde o seminal "Logan" (2017), a editora/estúdio abriu a deixa para discutir temas mais cortantes do que o maniqueísmo. Laureado com os Oscars de Melhor Trilha Sonora, Direção de Arte e Figurino, "Pantera Negra" (2018), com sua veia racial festiva, foi o ápice da transformação do estúdio na trilha do amadurecimento. E o novo "Os Vingadores", que ganhou sua parte dois (ainda mais ousada) em 2019, foi pelo mesmo caminho, tendo em Chris Hemsworth - mais inspirado do que nunca no papel de Thor - o herói de maior vigor nesta narrativa dominada por um vilão.

Chadwick Boseman (1976-2020) dixou sua marca no díptico dos Vingadores Foto: Estadão

Nem todos os efeitos visuais do filme têm o acabamento necessário e, passados 55 minutos, quando os heróis começam a se dividir em grupos, a edição sofre uma ralentada, o que dilui o ritmo, exigindo do roteiro uma aposta em piadas que funcionam melhor com os Guardiões da Galáxia (sobretudo com Chris Pratt, o Senhor das Estrelas) do que com os Vingadores. O herói que mais perde aqui é o Homem-Aranha, pois Tom Holland, seu talentoso intérprete, não esteve tão bem (no papel) como Tobey Maguire, e parece não encontrar aqui a mesma alquimia entre carisma e tônus dramático de suas aparições em outros filmes. Mas nada disso tira de "Guerra Infinita" seu viço como épico sobre o fervor. E sobre a lealdade. Vale um especial aplauso para a dublagem de Downey Jr., confiada a Marco Ribeiro; a da Viúva, feita gloriosamente por Fernanda Fernandes Baronne (sempre impecável); e a do teioso Aranha, feita pelo brilhante Wirley Contaifer. Acerca do talento de Brolin, o ator anda brilhando na série "Além da Margem" ("Outer Range") da Amazon Prime, onde é dublado por Armando Tiraboschi. Na trama, Brolin encarna um fazendeiro lutando por sua terra e por sua família, contra hipotecas caríssimas, que descobre um mistério inexplicável no limite das terras selvagens do Wyoming.

p.s.: Falando de Globo, na madrugada de terça, às 2h50, tem "Cazuza - O Tempo Não Para" (2004), de Sandra Werneck e Walter Carvalho, no "Corujão", apostando no show de Daniel de Oliveira no papel do cantor.

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p.s.2: Se você assinante da Netflix, não perca, de modo algum, "AJUSTE DE CONTAS" ("A Score to Settle", 2019), de Shawn Ku. Mesmo afogado num oceano de escolhas infelizes, Nicolas Cage nunca deixou de ser um ator de talento, respeitado por seus dites dramáticos. E vez por outra, as produções B que ele estrela surpreendem por requinte dramatúrgico, como é o caso deste tensíssimo thriller no qual ele vive um presidiário recém-liberto que se embrenha numa cruzada de vingança ao mesmo tempo em que vive a chance de ser pai, com um filho que não pôde criar. Leonardo Camilo dubla Cage com elegância.

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