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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

O Canadá feminino e plural de Patricia Rozema

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Patricia Rozema aposta em crônicas sobre o dia a dia da vida canandense em seu cinema intimista e arrebatador, hoje presente na grade da www.mubi.com Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Pátria natal de diretoras como Sarah Polley, Martine Chartrand, Mary Harron e Nicole Dorsey, o Canadá ganha tintas de inclusão, de diversidade sexual, de empoderamento feminino e de poesia nas lentes de Patricia Rozema, cineasta de 63 anos que está sendo (re)descoberta pelo audiovisual brasileiro, em todo o esplendor de sua defesa dos direitos LGBTQA+, numa sessão dupla oferecida pela MUBI. Basta clicar www.mubi.com na streaminguesfera para imergir no esplendor de metrópoles cosmopolitas filmadas por ela em "I've Heard the Mermaids Singing", ganhador do Prix De La Jeunesse de Cannes, em 1987; e "Mouthpiece", um dos destaques dos festivais de Toronto e de Vancouver em 2018. "Gosto do meu país, da sua postura progressista e inclusiva, com respeito pelas mulheres, com apreço pelas vozes feministas, e com sua imensidão natural que, por vezes, desolada, pode dar uma impressão de isolamento e de solidão, refletida de alguma forma, mais intimista, nos filmes rodados por mim", disse Patricia, via Zoom ao P de Pop do Estadão. Marco inicial da chamada Nova Onda de Toronto, "I've Heard the Mermaids Singing", primeiro longa-metragem de Patricia, é um conto de fadas assumidamente lésbico, centrado na luta de uma mulher, aspirante a fotógrafa, para viver autenticamente e fazer arte. Virou um clássico do Queer Cinema e arrebata até hoje graças ao desempenho de Sheila McCarthy no papel central. Aliás, a cineasta é notabilizada por sua habilidade de arrancar atuações viscerais. "Nossa cabeça é lotada de informações e, ao transpor essa realidade para as telas, eu gosto de celebrar o silêncio nos momentos de virada. Da mesma forma, eu tento ter um rigo visual, que me vem da pintura, na construção visual dos filmes", diz Patricia, hoje debruçada sobre um novo roteiro, que mantém em sigilo. "É uma investigação sobre o que faz de uma civilização".

Premiado em Cannes, "I've Heard the Mermaids Singing" fala de uma aspirante a fotófraga em vias de reinvenção Foto: Estadão

Conhecida aqui por filmes como "Kit: Uma Garota Especial" (2008) e "No Escuro da Floresta" (2015), ela também brilhou na TV, roteirizando o aclamado telefime "Grey Gardens: Do Luxo à Decadência" (2009) e dirigindo séries como "Em Terapia" e "Anne com um E". Mas seus longas deram a ele o aplauso internacional da crítica pela voracidade com que devora as angústias da condição humana. Em "Mouthpiece", ela faz duas mulheres (Amy Nostbakken e Norah Sadava) interpretarem o "eu" fraturado da mesma personagem, exumando a dor do luto de forma sensível, com humor ácido. "Por ser uma história sobre uma pessoa em crise, eu pude me libertar totalmente, na criação da forma, em 'Mouthpiece', e apostar numa concepção visual livre. Gosto de apostar no poder da imagem e gosto do desafio de dar a meus filmes o mínimo de diálogo possível", diz a cineasta, fã do Brasil. "Estive no Rio, saltando de asa delta, e conheci Copacabana. Fico feliz de saber que meus filmes possam estabelecer contato com vocês". Integrar o time da MUBI, que junta de titãs do feminismo, como a belga Agnès Varda (1928-2019), a pilares do novo cinema latino-americano, como a carioca Sabrina Fidalgo, dá orgulho à diretora, que analisa o modo como os streamings podem ressignificar filmes. "Eu aposto na tela grande e em sua força, mas sinto que aquilo que funciona bem em circuito pode se comunicar afetivamente numa plataforma digital. E a MUBI é uma plataforma que agrada por apostar sempre em vozes inquietas, que tentam expandir a força do cinema como linguagem", diz Patricia. "O que existe como um obstáculo a ser transposto nessa cultura que nasce dos streamings é como manter o foco do espectador. No cinema, a tela grande assegura a atenção plena. No mundo digital, há muita concorrência para o foco. Como manter esse foco sem a necessidade de se criar um cinema dependente de um frenesi? Isso nos desafia hoje".

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p.s.: Tem uma aula de ginga do cinema brasileiro na grade do Fifa+, o streaming da federação futebolística, pilotado pela documentarista Ana Rieper: "Sissi", um estudo afetivo, esportivo e (sobretudo) ético sobre uma das craques nacionais dos gramados: Sisleide do Amor Lima. Mas a gente aprendeu a admirá-la sobe o pseudônimo Sissi, a Imperatriz. O filme foi idealizado por Gustavo Francesschini e Paulo Junior, dois jornalistas esportivos de SP, e conta com uma pesquisa requintada de Olga Bagatini (que investiga questões de gênero no esporte), também integrante do roteiro. A montagem é do bamba André Sampaio, que cruza bolas filosóficas sobre o empoderamento feminino com reflexões sobre o preconceito. É cinema pra sacudir as massas e driblar a mesmice.

p.s.2: Nesta madrugada, às 2h, o "Corujão" da TV Globo ressignifica um filmaço dos anos 2000 pouco citado "Ameaça Invisível - Stealth" (2005), de Rob Cohen. Jessica Biel, Josh Lucas e Jamie Foxx são pilotos que tentam conter uma fonte de inteligência artificial com poder de fogo para destruir a Terra. Adriana Torres dubla Jessica com brilhantismo.

p.s. 3: No dia 17 de junho, a animadora Jennifer Lee, de "Frozen", receberá um troféu Cristal Honorário, do Festival de Annecy, na França, pelo conjunto de seus serviços prestados ao cinema. Antes, no dia 14, o evento - considerado a Cannes da animação mundial - concede a mesma honraria ao realizador francês Michel Ocelot.

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