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'Pitanga' no Festival de Vassouras

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Documentário de Camila Pitanga e Beto Brant revê a trajetória de um dos maiores atores do país, que acaba de filmar a Revolta dos Malês - Foto: Acervo Globofilmes

RODRIGO FONSECA Atento ao futuro pela via que toda boa maratona audiovisual deveria pegar - o respeito ao passado de nossas telas -, o Festival de Vassouras, no Vale do Café, no Rio de Janeiro, inaugura uma nova edição neste 16 de junho celebrando um titã com seis dé décadas de carreira, que está a um passo de lançar um experimento seu na direção de longas: o ator baiano Antonio Pitanga. O troféu Paulo José vai ser entregue a ele pelo conjunto de sua trajetória pelas telas, com direito a uma sessão de sua doce cinebiografia. Às 16h desta sexta, Vassouras confere "Pitanga", o .doc que a filha de Antonio, a atriz Camila Pitanga, fez em duo com Beto Brant, em 2017. Esse filme é uma joia. Tem é história pra contar. Depois dele, às 20h, rola "Casa de Antiguidades" (2020). A tal experiência de Pitanga como cineasta, "Malês", produzida por Flávio R. Tambellini, tá em montagem e estreia só ano que vem, quiçá em Cannes. Se é pra falar de História, bora lá... Poucos momentos do Festival do Rio 2016 são capazes de superar o gozo coletivo que foi a conversa entre Maria Bethânia e Antônio Pitanga numa das muitas sequências de reencontro do .doc de Camila e Beto Brant. Talvez só o papo entre ele e Neville d'Almeida tenha sido tão selvagem... e isso, no mesmo longa-metragem, "Pitanga", exercício poético de difícil rotulação, que se fantasia de documentário, embora comece como jira de malandro, e, ao longo de 110 minutos se imponha na tela grande como sendo uma revisão crítica do cinema brasileiro. Não se trata de um simples filme sobre Pitanga (o ator, o político, o Don Juan) e sim de um filme com Pitanga, uma quase-ficção ou poema-processo da mesma ordem, cuja Estrela de Belém é a saudade. Tem muita coisa do passado ali, mas sem melancolia. O ontem é como hoje aos olhos de um homem que se exercita na vida em travessia, com "medo de virar preto velho", como anuncia no começo, buscando entre os vivos sua Aruanda provisória.

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Existem duas fases bem distintas na obra cinematográfica de Beto Brant, sendo que nenhuma delas dá as cartas em Pitanga - e não apenas por sua generosidade em valorizar a parceria com Camila. Há nele, assim como no orixá Pitanga, uma vetorial movimentação de seguir em frente. Esses dois Brants são hemisférios bem distintos de um mesmo corpo criativo. De um lado há o Beto Brant cientista social, que se debruça sobre a violência, ciente de que feridas secam, mas cicatrizes ficam: assim expressa o périplo feito em "Os Matadores" (1997), "Ação Entre Amigos" (1998) e "O Invasor" (2001). Depois, com "Crime Delicado" (2005), demarca-se um tráfego dele para uma vertente mais existencial, num fluxo contínuo de observação da prática artística, como uma forma de expressão e de transgressão. Em "Crime..." era o teatro; no soberbo "Cão Sem Dono" (2007), a Tradução; no esquecido "O Amor Segundo B. Schianberg", artes plásticas e a arte da performance. Aí veio "Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios" (2011), um potente híbrido dessa sua segunda fase com um devir do desejo, que se expressa menos por bases narrativas e mais por um certo ritualismo. Pitanga é fruto de vir-a-ser simbólico.

Há também duas Camilas, quando nos debruçamos sobre La Pitanga. Tem, de um lado, a estrela que se formou pelo carisma e pelo empenho na afirmação da negritude e na busca por experimentar as diferentes humanidades que a representação feminina na TV e no cinemão oferecem. E tem, do outro lado, aquele bicho que saiu da jaula, pelas mãos do Brant, em "Eu Receberia...", e que, de lá para cá, alimentou heroínas sociais.

Da soma dessas duas evoluções, nasceu um filme de emotividades e de risos, no qual vemos sob múltiplas perspectivas um corpo que ajudou o Cinema Novo a encontrar uma cara 100% brasileira, mas que não parou por lá.

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