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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Premiado em Cannes, novo filme de Xavier Dolan pisa no freio do pop e acelera no melodrama

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Gaspard Ulliel é o dramaturgo que vem acertar as contas com sua família em "É Apenas o Fim do Mundo"  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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Desde que disputou o coração de um boyzinho com a morena Monia Chokri, ao som de Dalida, na goma de mascar Amores Imaginários (2010), que estrelou e dirigiu, o canadense Xavier Dolan despontou para o cinema como uma força demolidora no âmbito dos estudos sobre o que sobrou da instituição "família". Pesquisas formais pautadas pelo radicalismo, como Mommy, filme em formato quadrado pelo qual ele ganhou o Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 2014 (empatado com Godard), já haviam garantido a este prodígio de 27 anos reconhecimento como realizador. Mas ao abrir mão de suas (bem-vindas) histerias pop e abraçar o classicismo, nesta cítrica adaptação da peça É Apenas o Fim do Mundo (1990), do francês Jean-Luc Lagarce (1957-1995), ele alcançou os degraus da elegância, retratando a passionalidade familiar com uma potência capaz de amplificar o ferramental plástico e verbal contemporâneo do melodrama. Resultado: conquistou o prestígio que buscava, na forma do Grande Prêmio do Júri da Croisette. De quebra, emplacou um sucesso de público na França - país que coproduziu o longa-metragem - capaz de surpreender os exibidores por lá, ao contabilizar cerca de um milhão de pagantes em um mês.

Léa Seydoux é a irmã mais jovem de Louis Foto: Estadão

De mais pós-moderninho aqui só há o uso do hit romeno Dragostea Din Tei (base musical do nosso Festa no Apê) embalando momentos catárticos desta produção de EUR 6,9 milhões, filmada em Quebec, com um elenco francês estelar (azeitadíssimo), a partir de experiências pessoais de Lagarce ligadas à Aids. No palco, o texto (montado no Brasil em 2006, com Lourinelson Vladimir e Simone Spoladore, numa encenação lendária) recria com licença poética a ocasião na qual o dramaturgo contemporâneo mais encenado do teatro francês dos anos 1980 e 90 vai se despedir de sua família, ao se saber soropositivo. A trama nas telas é a mesma, tendo um contido e suarento Gaspard Ulliel como o alter ego do autor, chamado de Louis.

Depois de um sumiço de 12 anos, ele volta para casa de seus pais para contar sobre sua morte iminente, por conta de uma doença do qual pouco sabe. O produto dessa reunião é uma lavação de roupa suja em progressão aritmética. Diante de Louis, está a irmã mais nova, vivida por Léa Seydoux (a bondgirl de Spectre), uma cunhada doce, encarnada com anemia por Marion Cotillard (de Piaf), e o irmão mais velho, papel com o qual Vincent Cassel (de Cisne Negro, como o irmão brucutu) se lambuza na brutalidade, numa atuação de arrancar nossa respiração.

Léa Seydoux é a irmã mais jovem de Louis Foto: Estadão

Fala-se muito em É Apenas o Fim do Mundo, mais do que em qualquer outro filme de Dolan (e olha que o pontiagudo Laurence Anyways era muito palavroso!), mas cada sílaba é aproveitada. Cada uma carrega fel, rancor ou desamparo. E em meio à saturação fotografia (muitas vezes amarronzada) de André Turpin (o mesmo de Incêndios), elas, as palavras, são gritadas para promover a autópsia em corpo vivo de um clã em coma - o coma do desamor e da incomunicabilidade.

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Cotação: Excelente

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