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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Paulo Garcez nos deixou e sem ele as festas vão desbotar mais cedo

Fotógrafo do ‘Pasquim’, que melhorava qualquer reunião e animava qualquer conversa, morreu aos 94 anos, na última terça

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Foto do author Sérgio Augusto

Paulo Garcez melhorava qualquer reunião, animava qualquer conversa, festinha sem ele desbotava mais cedo. Não ganhava para bater papo, e sim fotos, mas batia ambos, simultaneamente, como ninguém. Tinha tudo para ser – e foi – o primeiro fotógrafo do Pasquim, em cujas jubilosas entrevistas costumava interferir com tiradas dignas dos gozadores oficiais da casa.

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Seu círculo de amigos (e sobretudo de amigas) dava voltas no quarteirão. Todo mundo o amava e só faltavam pedir pipoca para ouvir suas histórias pitorescas. Uma das mais pitorescas foi sua prisão durante a ditadura militar. Em plena lua de mel. Por integrar a equipe do Pasquim. Passou dois meses em cana.

Paulo Francis o considerava um dos mais perspicazes observadores do comportamento humano e do ethos brasileiro, um informal e divertido antropólogo do tope de Nelson Rodrigues. Entendido em assuntos os mais surpreendentes, Paulinho venerava Hemingway, Gershwin e certos vilões de filmes B americanos, como Elisha Cook Jr. e Sheldon Leonard, e nos deixou epigramas antológicos, pena que alguns meio esotéricos e datados. Meu preferido: “Todo homem é corno de Rett Butler”. Entenda-se: E o Vento Levou era seu filme preferido.

Suas câmeras (Leica e Nikon) registraram para a posteridade quase todos aqueles que mereciam tal deferência. Daqui e do “circuito Helena Rubinstein”. É dele a mais farta iconografia de nossa cultura entre as décadas de 1960 e 1980 (bossa nova, Cinema Novo, a boemia carioca etc), providencialmente antologizada no livro A Arte do Encontro. Entre os encontros selecionados, o de maior destaque ocorreu na legendária cobertura de Rubem Braga em Ipanema, com o anfitrião e a fina flor dos editados pela Sabiá, fundada por Rubem e Fernando Sabino.

Paulo Garcez Foto: TV Globo

Bonito, elegantérrimo, era um nobre inglês nascido no Bananão, “o príncipe de Gales de Ipanema”. Tinha de sobra as credenciais exigidas para encarnar o galã da campanha de lançamento de um cigarro chamado Charm, direcionado aos lábios femininos em 1970. Especialmente fotografado para o comercial pelo amigo David Drew Zingg, fez seu “melhor olhar 38″ e só não matou de inveja Clark Gable porque o intérprete de Rett Butler morrera dez anos antes.

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Não obstante, preferiu persistir na profissão de sempre, iniciada domesticamente, com uma Rolleiflex alheia, aperfeiçoada em viagens com o presidente Juscelino Kubitschek, e, por fim, na redação do Diário Carioca, em sua fase áurea. Autodidata, bebeu nos mestres que lhe exibiam as revistas Look e Life, encantou-se em especial “pela luz de Eugene Smith”, “o olhar preciso de Alfred Eisenstaedt”, as coberturas de guerra de David Douglas Duncan, e o portraitista turco-armênio Yousuf Karsh.

Paulinho nos deixou na terça-feira, dia 10, aos 94 anos. As festinhas vão desbotar mais cedo agora.

Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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