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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Sobre o desenho de Donald e Mickey feito por Coppola que tenho na sala de jantar

O pato e o rato de Walt Disney eram as únicas coisas que o cineasta, com quem passei um carnaval inesquecível, sabia desenhar

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Foto do author Sérgio Augusto

Num canto da sala de jantar tenho um desenho do Pato Donald e Mickey, feito a caneta esferográfica. “Adivinhe de quem é?”, pergunto sempre aos que nele prestam atenção. A visita espia a assinatura, na base do desenho, ao lado da data (1975), e invariavelmente pergunta: “Paulo Francis? Francis Hime?”.

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“Nem o mulo da Universal”, acrescento aos que talvez se lembrem de Francis, o burro falante que fazia dupla com Donald O’Connor, em comediotas da Universal, 70 anos atrás.

Qual Francis seria então? Francis Ford Coppola. O pato e o rato de Walt Disney são (ou eram) as únicas coisas que o cineasta dizia saber desenhar. Passei com ele um carnaval inesquecível. O desenho foi um mimo do ilustre e inesperado conviva.

Francis Ford Coppola em foto de 31 de dezembro de 1997 Foto: Tasso Marcelo/Estadão

Meses antes, com O Poderoso Chefão 2 prestes a estrear nos cinemas americanos, eu o entrevistara para Veja, mas ele demorou um pouco a ligar aquele jornalista brasileiro de passagem pela Califórnia ao crítico de cinema carioca tão “entusiasticamente” (sic) recomendado por seu amigo Glauber Rocha.

Claro que pensei tratar-se de um trote quando, a uma semana do carnaval de 1975, Tony, assistente do cineasta, ligou para minha casa. Seu poderoso chefão me convidava para um breakfast no Hotel Intercontinental, em São Conrado, no sábado, 8 de fevereiro. Hospedado com a mulher, Eleanor, na suíte presidencial, trazia uma brochura de Heart of Darkness (Coração das Trevas), cuja presença em suas leituras de viagem eu entenderia melhor no decorrer de nossa conversa.

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Consegui livrar o casal de boa parte dos parasitas que o assediavam por intermédio do “embaixador de Hollywood” no Brasil, Harry Stone, mas do governador Chagas Freitas, não. Este o convidara para assistir ao desfile das escolas, na noite seguinte, com direito a limusine. Francis só conhecia o carnaval de Nova Orleans. Em meio ao resumo que lhe fazia sobre as diferenças entre a nossa folia e o mardi gras, eis que ele, de chofre, me perguntou, cantarolando As Pastorinhas, se aquela música, afinal, era russa ou brasileira. Pois é, foi preciso que um gringo, filho de músico, viesse ao Brasil me chamar a atenção para a influência da música popular russa na marchinha de Noel e Braguinha.

Confere. Experimente lentear o andamento de “a estrela d’alva num céu distante”. Nem carece de uma balalaica.

Francis foi até a avenida, teve um cordão de ouro afanado por um pivete, achou patética a fauna ao redor do governador, viu duas escolas, e preferiu apreciar o restante pela TV, o que fizemos até despontar a estrela d’alva, a beber parati e devorar os pastéis de carne como só minha mãe fazia. Já então falávamos das celebridades do cinema que ao carnaval do Rio costumavam vir, desde os anos 1940, quando ele, de chofre, me pediu uma folha de papel e uma caneta. E assim foi que, traçado por uma BIC, nasceu aquele desenho de Donald e Mickey.

Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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