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Série ‘A Casa do Dragão’ é baseada em uma guerra civil medieval do mundo real; entenda

Assim como ‘Game of Thrones’ foi inspirada na Guerra das Rosas, nova produção da HBO foi buscar inspiração na Anarquia

Por Gillian Brockell

*Este artigo pode conter spoilers de A Casa do Dragão, da HBO, dependendo de como os episódios futuros da série vão se inspirar na história real da Inglaterra.*

THE WASHINGTON POST - Durante um painel da Comic-Con neste verão, o autor George R.R. Martin, cujos livros inspiraram a série de TV Game of Thrones, falou sobre sua mais recente criação adaptada pela HBO, A Casa do Dragão, que começou a ser exibida em 21 de agosto.

Paddy Considine, ao fundo, como o rei Viserys Targaryen, e Milly Alcock como a jovem Rhaenyra em 'House of the Dragon'. Foto: Ollie Upton/HBO

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Assim como Game of Thrones, que se baseou vagamente na Guerra das Rosas, Martin disse que a nova série - uma prequela de Game of Thrones - também derivou da história medieval.

“Eu me inspiro na história e depois pego elementos da história e elevo à décima potência”, disse ele. “[A Casa do Dragão] se baseia em um período anterior, chamado Anarquia”.

Na verdade, a Anarquia foi mais do que uma vaga inspiração para a série: vários dos personagens principais se baseiam diretamente nas figuras-chave daquele período conflituoso. Então, vamos mergulhar na Anarquia - e o que ela pode nos dizer sobre os rumos da série.

O que foi a Anarquia?

A Anarquia foi uma guerra civil inglesa por causa da sucessão ao trono. Durou de 1138 a 1153, mas tem suas raízes em uma tragédia que ocorrera quase duas décadas antes.

Em 1120, o rei Henrique I perdeu seu único filho e herdeiro (legítimo), William Adelin, em um naufrágio no Canal da Mancha, enquanto William viajava da Normandia para a Inglaterra, ambas sob o controle de Henrique na época. A esposa de Henrique havia morrido alguns anos antes, então sua reação foi dupla: 1) Ele nomeou sua filha adolescente, a Imperatriz Matilda, sua sucessora - a primeira mulher a receber esse título; e 2) Ele se casou com uma mulher muito mais jovem, na esperança de produzir outro herdeiro.

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Mas o novo filho nunca veio, então Henrique preparou Matilda para assumir e forçou nobres e barões a jurarem lealdade a ela. Matilda fez um casamento estratégico com um nobre de um território na fronteira com a Normandia e teve um filho, Henrique FitzEmpress.

O rei Henrique morreu em 1135. Matilda, agora na casa dos trinta, estava longe da sede do poder em Londres e - surpresa! - nem todos os nobres estavam assim tão comprometidos com sua coroação quanto alegavam. Seu primo, Stephen de Blois, tomou o trono com a ajuda do irmão.

Aí veio a guerra civil.

Rei Viserys I, de 'A Casa do Dragão', levemente inspirado na história do rei Henrique I da Inglaterra.  Foto: HBO

Como esses eventos aparecem em ‘A Casa do Dragão’?

Os fãs que assistiram aos dois primeiros episódios vão notar as semelhanças. O rei Henrique I é o rei Viserys I, e sua filha Matilda é a princesa Rhaenyra. As mortes da esposa e do filho de Henrique foram condensadas em um mesmo evento. No final do primeiro episódio, Viserys nomeou Rhaenyra sua sucessora e obrigou seu conselho a jurar fidelidade.

Presume-se que, na série de TV, o desafiante de Matilda, Stephen de Blois, seja o príncipe Daemon, embora a relação seja um pouco diferente - príncipe Daemon é tio de Rhaenyra.

Parece também que a personagem Alicent Hightower se baseia na segunda esposa de Henrique, Adeliza de Louvain. Não se sabe se Matilda e Adeliza eram amigas na juventude do jeito que Rhaenyra e Alicent são na série, mas na vida real elas tinham mais ou menos a mesma idade.

Como terminou a Anarquia? Quem ganhou?

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(Aviso final: possíveis spoilers a seguir!)

Em 1139, Matilda montou uma impressionante invasão da Inglaterra com a ajuda de Robert de Gloucester - seu meio-irmão e um dos muitos filhos ilegítimos de seu pai - deixando seu marido na Normandia. Eles chegaram a controlar grande parte do sudoeste da Inglaterra, mas não conseguiram tomar o trono. Stephen de Blois teve apoio de muitos barões, mas outros só queriam ficar de fora da coisa toda.

Em dado momento, Stephen de Blois foi capturado, e parecia que Matilda poderia sair vitoriosa. Mas o povo de Londres a rejeitou e ela fugiu para Oxford, onde foi cercada e escapou por pouco, debaixo de uma tempestade de neve. Quando seu meio-irmão foi capturado, organizou-se uma troca de prisioneiros, o que libertou Stephen e disparou o conflito mais uma vez.

Em outro momento, Matilda foi capturada enquanto visitava sua ex-madrasta, Adeliza, que se casara com um dos aliados de Stephen. Não se sabe se Adeliza traiu Matilda intencionalmente ou não, mas ela acabou convencendo Stephen a libertá-la.

A Anarquia se caracterizou por cercos longos e brutais, que tiveram consequências horríveis para os camponeses, que na maioria das vezes não se importavam com quem vencesse. Campos e aldeias foram abandonados, tributos arbitrários foram impostos e as pessoas morreram de fome. Segundo o historiador Jim Bradbury, monge e cronista da época: “Nunca houve maior miséria no país (...). Os homens diziam abertamente que Cristo e seus santos estavam dormindo”.

No final, o filho e herdeiro de Stephen de Blois morreu inesperadamente, Matilda estava envelhecendo e todo mundo tinha cansado de lutar. Negociaram-se os termos da paz: Stephen continuaria sendo rei, mas o filho agora adulto de Matilda o sucederia. Isso aconteceu mais cedo do que se imaginava: Stephen morreu menos de um ano depois, e o rei Henrique II foi coroado. Ele governaria por 35 anos.

Isso quer dizer que A Casa do Dragão, não importa quantas temporadas venha a durar, terminará da mesma forma, com um filho de Rhaenyra no poder? Só o tempo vai dizer. A Casa do Dragão é uma obra de ficção - afinal, tem DRAGÕES - por isso não precisa seguir o “enredo” da história real. Além disso, pelo menos parte dessa história se baseia em clichês modernos e percepções errôneas sobre como eram os tempos medievais, como Rebecca Onion apontou em seu artigo na Slate sobre aquela cesariana horrível e não consensual do primeiro episódio. Ao contrário do que podemos presumir, historiadores disseram a ela, é improvável que parteiras ou médicos medievais sacrificassem uma mãe para salvar seu filho.

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Concepções errôneas são comuns quando se trata de história medieval. As pessoas que viveram a Anarquia não a chamavam de “Anarquia” - este é um termo moderno criado por estudiosos vitorianos confusos com as mudanças nas alianças durante a guerra. Os historiadores hoje argumentam que o rótulo é impreciso - apenas mais um mal-entendido sobre a chamada Idade das Trevas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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