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‘The Crown’: como a morte da rainha alterou o curso da série, que termina com tributo a Elizabeth 2ª

‘Creio que até os anti-monarquistas reconhecem que Elizabeth foi uma rainha sensacional’, diz Peter Morgan, criador e roteirista da série. Últimos episódios, com homenagem póstuma à rainha, saem nesta semana na Netflix

Por Mariane Morisawa

Peter Morgan tinha plena convicção de que Elizabeth 2ª ainda estaria no trono quando The Crown encerrasse sua jornada de sucesso na Netflix. Quando ela morreu, em setembro de 2022, a sexta e última temporada, cujos seis episódios finais vão ao ar nesta quinta-feira, 14, estava praticamente toda escrita.

“Eu tive de recalibrar levemente para ter certeza de que a série abordaria sua morte de alguma maneira, embora a história não chegasse até os dias de hoje. Foi desafiador”, disse Morgan em entrevista coletiva da qual o Estadão participou, por videoconferência.

O criador da série de maior sucesso da Netflix, ganhadora de 21 Emmys, nunca quis que a ficção alcançasse a realidade. Ao se debruçar sobre o projeto de fazer uma série sobre a coroa britânica, em 2012, Peter Morgan tinha em mente que The Crown não chegaria até o presente. O criador desejava ter um intervalo de pelo menos dez anos entre o fim da trama e a data de sua exibição.

Imelda Staunton é Elizabeth II na última temporada de 'The Crown' Foto: Netflix/Divulgação

No fim, acabaram sendo quase 20 anos de diferença. A história de The Crown termina em 2004, tendo entre seus eventos o pedido de casamento de Charles (Dominic West) e Camilla Parker-Bowles (Olivia Williams) e o relacionamento de William (Ed McVey) e Kate Middleton (Meg Bellamy). “Eu preferia que a série preservasse sua natureza histórica, em vez de jornalística”, disse Morgan. “Sempre procurei manter uma distância respeitosa para que não fosse invasivo demais.”

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Até porque ele sabia que já teria uma boa dose de complicações ao se aproximar de eventos ainda marcados na memória coletiva, como a morte da Princesa Diana (Elizabeth Debicki), em um trágico acidente de carro em Paris, em 1997.

Morgan dedicou os quatro primeiros capítulos da sexta temporada, que estrearam em novembro, ao relacionamento de Diana com Dodi Fayed (Khalid Abdalla), à morte dos dois e à maneira como o Príncipe William (Rufus Kampa) lidou com ela. “Eu tive de respirar fundo e seguir em frente. Eu sabia que seria controverso e difícil. Tentei fazer da maneira mais sensível e delicada possível”, disse Morgan.

Diana (Elizabeth Debicki) com Dodi Fayed, interpretado por Khalid Abdalla Foto: Daniel Escale/Netflix

‘A Diana de sua época’

A morte de Diana continua reverberando nesses seis últimos episódios, mas o período coberto por The Crown traz outras perdas para a rainha Elizabeth, incluindo a Rainha-Mãe e sua irmã mais nova, a Princesa Margaret (Lesley Manville), depois de uma série de AVCs que a deixam cada vez mais debilitada.

“Margaret sempre foi a princesa dos tabloides. Ela foi a Diana de sua época”, disse Manville. “Ela sentiu muita falta de não despertar tanto interesse conforme foi ficando mais velha. Mas a doença a abalou demais porque alterou completamente seu estilo de vida boêmio.”

A parte 2 da sexta temporada divide suas atenções entre Elizabeth 2ª, Charles e William. Afinal, The Crown sempre foi uma espécie de Succession da monarquia, tirando, é claro, a parte da disputa de quem vai se sentar no trono – aqui, para desespero de seus irmãos, Connor Roy (Alan Ruck) seria o herdeiro indiscutível.

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A série de Peter Morgan sempre tratou da estranheza de o futuro monarca ser ao mesmo tempo filho e súdito de sua mãe, de estar à espera da morte de seu pai ou mãe para assumir o trono e das dificuldades de assumir as responsabilidades do reino no exato momento em que se deveria estar em luto.

William, por exemplo, tem dificuldades em lidar com a atenção e com as responsabilidades de um futuro rei. “Meu personagem começa a história inseguro, mas vai ficando cada vez mais confortável com a posição que deve ocupar”, disse McVey. Para interpretar as emoções do jovem William, ele contou com a ajuda da preparadora de movimentos Polly Bennett.

Ela pediu para que McVey imaginasse William tendo uma coroa sobrevoando sua cabeça, enquanto ele tentava escapar, ou usando orelhas de coelho cor de rosa, quando ele só quer ser um rapaz normal frequentando a universidade, mas todos estão de olho nele.

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Meg Bellamy é Kate Middleton e Ed McVey é William em 'The Crown' Foto: Justin Downing/Netflix

A vida real, na real

Na faculdade, William conhece Kate Middleton, uma jovem bonita, de classe média alta, com sua mãe, Carole (Eve Best), disposta a tudo para colocar a filha na rota da realeza. O romance, porém, não é de conto de fadas. “Eu gostei de interpretar as fricções e tensões”, disse Meg Bellamy.

Para McVey, foi bom mostrar um relacionamento de forma normal. “Nós sabemos onde eles terminam, mas foi interessante colocar várias barreiras nessa relação, até porque histórias de amor não são simples na vida real.”

Já Charles continua à espera e finalmente tem a permissão de se casar com o amor de sua vida, aos quase 60 anos de idade. Dominic West contou que a ascensão de Charles ao trono, bem na época em que a sexta temporada começou a ser rodada, foi bem útil. “Fiquei viciado em ler notícias sobre ele”, afirmou o ator. “Você pode até tentar escapar, mas a rainha tinha morrido, e o livro de Harry tinha sido publicado, é óbvio que isso afeta sua interpretação.”

Na temporada passada, a sua primeira na pele de Charles, West disse que acabou defendendo o personagem mais do que talvez deveria. “Nesta, acredito que consegui mostrar seus outros lados, como seu pavio curto, a irritabilidade”, contou.

Mesmo que The Crown sempre tenha sido sobre a coroa, a morte da rainha fez com que a série terminasse como começou, com Elizabeth 2ª. Como isso vai ser feito ainda é segredo. A Netflix enviou apenas os episódios 6 a 9 para a imprensa, deixando o décimo como surpresa. Mas Peter Morgan descreveu a série como um todo e a sexta temporada em particular como uma carta de amor a Elizabeth 2ª, que reinou por 70 anos, a segunda monarca mais longeva da história.

“Eu não tinha interesse específico na monarquia”, disse Morgan, que também escreveu o roteiro do filme A Rainha (2006) e a peça The Audience (2013) antes de The Crown. “Mas encontrei afinidade e admiração por alguém que é da mesma geração da minha mãe, também nascida em 1926. É uma geração de pessoas estoicas, pragmáticas, modestas, que está indo embora e levando esses valores. Eu acredito que até os anti-monarquistas reconhecem que Elizabeth foi uma rainha sensacional, que deu algum sentido para a monarquia. Eu quis mostrar um ser humano por trás daquela estampa das nossas notas de dinheiro.”

Família real britânica posa para foto em cena de 'The Crown' Foto: Netflix/Divulgação
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