Na série da Netflix ‘Você’, as aparências enganam

Nessa história atraente é possível gostar do vilão Joe, obcecado por Beck, que nem sempre é a mocinha boazinha

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Por Matheus Mans
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As estreias de fim de ano da Netflix foram agitadas. Dentre outras atrações, chegaram Bird Box, esperado drama apocalíptico com Sandra Bullock e que soma 45 milhões de visualizações; e a pseudocomplexa ficção científica Bandersnatch, filme da série Black Mirror que possui caráter interativo e cinco finais distintos. Mas, mesmo entre gigantes, uma nova série de dez episódios está conseguindo chamar a atenção do público de uma forma crescente e surpreendente: é a inebriante Você, trama adaptada de um livro da americana Caroline Kepnes.

A série é contada a partir do ponto de vista de Joe Goldberg (Penn Badgley), um atendente de livraria que mostra ter traços de sociopatia logo de cara. Ele se apaixona à primeira vista pela desconhecida Beck (Elizabeth Lail), uma cliente da loja que pede indicação de um livro qualquer. A partir daí, ele começa a perseguir a garota, acompanhar ativamente as suas redes sociais e a interferir no seu cotidiano para que, de alguma maneira, um romance floresça. Mas, antes disso, precisa desafiar a amiga Peach (Shay Mitchell) e o ficante Benji (Lou Taylor Pucci).

Elizabeth Lail e Penn Badgley na série 'Você' Foto: Netflix

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A trama, por si só, já chama a atenção, mas o aspecto principal de Você é o seu caráter genérico – de maneira positiva, porém. A história parece a mistura inteligente de Dexter, série com um protagonista psicopata; e as juvenis Gossip Girl e Pretty Little Liars. O ator Penn Badgley, aliás, parece reprisar seu papel de Dan Humphrey, de Gossip Girl, mas com um caráter ainda mais neurótico. A personagem Beck, que desperta paixão e ódio por parte do público, também parece uma mistura divertida das antigas protagonistas da série juvenil americana.

Essa junção narrativa, que vai trazendo boas lembranças de outras produções e adquirindo caráter instável, torna toda a série inebriante – ou hipnótica, como o escritor Stephen King elogiou em sua conta oficial no Twitter. Afinal, a trama policial vai se intercalando com o estranho e pouco usual romance entre Joe e Beck, fazendo com que Você seja difícil de decifrar por essência. São dois gêneros que sempre se misturam, mas sempre de forma a afetar um ao outro. Aqui, as tramas correm em paralelo, tendo só o protagonista sociopata como confidente.

Além disso, vale destacar um aspecto difícil de encontrar em séries do gênero: profundidade dos personagens principais. É possível gostar de Joe, mesmo sendo o vilão. O espectador, por si só, entra num grave conflito – ainda mais com a ótima atuação de Badgley, que ainda não tinha apresentado outro bom trabalho após o fim de Gossip Girl. E a personagem de Beck, que deveria ser a mocinha boazinha, inverte esse clichê e apresenta aspectos negativos. Pena que Elizabeth Lail não seja uma atriz à altura do papel, melhorando só nos últimos episódios.

Algumas pessoas também podem argumentar que certas situações são artificiais demais ou que vão além do que a série se propõe – como as cenas quentes de Beck na janela de casa. E são artificiais mesmo. Mas, assim como a série assume seu caráter genérico, Você sabe que também possui algumas facilitações narrativas, algumas passagens da história que não casam e tenta compensar com outras situações deveras reais e mundanas. Aí, nesse ponto, fica por conta do espectador: se comprar a narrativa, vê todos episódios em um dia.

Ao final, só fica a dúvida de como a Netflix, que comprou os direitos de exibição da Lifetime, vai fazer para continuar a série a partir de onde parou – e, de certa maneira, repetindo essa boa característica de juntar gêneros e histórias distintas numa só trama. Mas para a série que conseguiu dividir as atenções com Bird Box e Black Mirror – Bandersnatch, nada mais é impossível. 

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