PUBLICIDADE

Publicidade

‘A inovação só vem com pessoas excepcionais’

Referência em saúde, instituto israelense incentiva livre associação de talentos para projetos de longo prazo

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller
Atualização:
Para Israel Bar-Joseph, ciência precisa de ambiente democrático Foto: Instituto Weizmann

Um dos principais centros globais de inovação, o Instituto Weizmann, de Israel, criou uma forma diferente de atrair talentos: para captar cientistas, a entidade não abre vagas, mas busca ativamente profissionais que considera imprescindíveis para seu time. Mesmo após a contratação, esses talentos não são direcionados a projetos específicos: ficam livres para estudar o que quiserem em sua área de atuação.

PUBLICIDADE

O vice-presidente de Relações Institucionais do Weizmann, Israel Bar-Joseph, diz que a forma de trabalhar do instituto criado há quase 70 anos não poderia ser mais distante do modelo das grandes indústrias de tecnologia. “O iPhone é um exemplo claro de inovação linear, com metas de negócio. No nosso caso, funciona diferente: acreditamos no processo não linear.”

O esquema de trabalho permite associações como a que criou uma nova droga para o tratamento do câncer de próstata. Dois cientistas – um dedicado a pesquisas sobre câncer e outro a algas oceânicas – trocaram experiências e descobriram a droga Tookad, que poderá eliminar em alguns casos a necessidade de cirurgia para tumores na próstata.

Diante do histórico de transformação de inovações em patentes – que rendem um terço de seu orçamento de US$ 500 milhões –, o Weizmann não vê motivos para mudar sua forma de contratação: “Se você me perguntar quantas pessoas vou contratar no ano que vem, a resposta certa é: não sei. Vai depender muito da colheita”, explica Bar-Joseph.

De reputação global, o instituto roda o mundo em busca de parcerias e de recursos. Recentemente, o trabalho do Weizmann foi apresentado para uma série de empresários brasileiros, num movimento capitaneado por Luís Stuhlberger, gestor do fundo de investimentos Verde. A seguir, os principais trechos da entrevista de Bar-Joseph ao Estado.

Como que resolver os problemas do mundo se tornou o objetivo do instituto? É possível fazer ciência com vários propósitos: solucionar os problemas de Israel, ampliar a indústria, ganhar dinheiro... Decidimos que a nossa meta seria o benefício da humanidade. Isso pode, eventualmente, ser feito no setor industrial ou em startups. Não somos proprietários dessa motivação, mas acreditamos que temos uma função crítica: a de defender que a inovação não é linear. O iPhone é um exemplo claro de inovação linear, com metas de negócio. Nós acreditamos no processo não linear. Ninguém definiu como meta criar uma droga poderosa contra o câncer de próstata, como fizemos recentemente.

Como o desenvolvimento desse medicamento ocorreu? Tínhamos dois cientistas: um estudava algas que vivem no oceano profundo; o outro, câncer. Eles se encontraram e conversaram. O cientista que trabalhava na questão das algas descobrira que, ao realizar o processo de fotossíntese, as bactérias soltavam oxigênio muito tóxico, radicais de oxigênio. Então, desenvolveram a seguinte ideia: imagine que se dê ao paciente de câncer uma droga derivada dessa bactéria. Se você apenas toma a pílula, nada acontece. Mas se esse medicamento é combinado com um processo de iluminação do tumor, esses radicais de oxigênio são liberados e, com isso, mata-se o tumor. Essa ideia se tornou uma droga, a Tookad. Ela atua no câncer de próstata, mas não está limitada a ele.

Publicidade

Como o medicamento muda o tratamento? Hoje, o tratamento para câncer de próstata é eficiente, mas exige cirurgia. Agora, você poderá ir a uma clínica e tomar essa injeção na veia. Depois, eles usam uma fibra e iluminam a próstata por meia hora. O paciente espera duas horas, para observação. No dia seguinte você pode trabalhar.

Como vocês buscam talentos? Não abrimos vagas. Se você me perguntar quantas pessoas vou contratar no ano, a resposta certa é: não sei. Vai depender da colheita. Nos livramos da pressão de ter de achar gente, pois nosso orçamento não vai deixar de existir se não preenchermos vagas. Pensar assim é a receita para ser apenas mais ou menos. Para ser excelente, espere as pessoas certas.

O instituto trabalha muito na área de saúde. Em quais outros segmentos o Weizmann atua? A área de saúde concentra cerca de 50% do que fazemos. Boa parte da outra metade está em ciência da computação, área que vai explodir com a inteligência artificial.

No Brasil, fala-se muito da falta de investimento em inovação. Como solucionar essa questão? Governo e agências de fomento querem resultados imediatos – e isso precisa mudar. Para nós, a questão principal deve ser a qualidade do cientista. Se você tem US$ 1 milhão, encontre aquela pessoa genial. É melhor dar uma bolsa de US$ 1 milhão do que dividir o valor em pequenos desembolsos. É a pior coisa que se pode fazer.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

É preciso ter a coragem de fracassar para conseguir êxito em pesquisa? A imagem do cientista que fica o dia todo no laboratório e, de repente, grita “eureka” é distante da realidade. A verdade é que você tenta e falha, num processo difícil e longo. Mas se você não erra, é porque não foi longe o suficiente. As grandes descobertas, às vezes, vêm dos erros. Há um famoso medicamento, Copaxone, que saiu do Weizmann. É usado no tratamento de esclerose múltipla. Mas o desenvolvimento começou com a busca de uma molécula para acelerar a doença. A molécula não funcionou – e a doença passou a evoluir mais devagar nos ratos de laboratório. Um fracasso maravilhoso.

A emergência de governos conservadores ao redor do mundo pode afetar a inovação? Tenho convicção de que a ciência só pode florescer em um ambiente democrático, no amplo sentido do termo. É ilusão buscar ciência e esclarecimento sem uma sociedade aberta. Seu papel é tentar mostrar que o senso comum está errado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.