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Acordos e exigências permeiam debates do Brasil com europeus

Para o agronegócio, Green Deal e acordo UE-Mercosul devem levar em consideração especificidades da produção brasileira

Por Tania Rabello,Audryn Karoline e Vinicius Galera

O setor agropecuário brasileiro segue na mira, principalmente do mercado externo, e da União Europeia, em relação a um tema sensível: o desmatamento. Recentemente, o bloco europeu aprovou o Green Deal, que exige que importadores dos países-membros não adquiram alimentos que tenham sido provenientes de áreas desmatadas. Na 28.ª Conferência do Clima da ONU, que será realizada entre 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a produção agropecuária brasileira também estará no foco. Ambos os temas foram discutidos durante o Estadão Summit Agro, realizado dia 8 de novembro, em São Paulo.

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O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, André Lima, participante do painel, garantiu que o governo federal atual quer “esforço máximo” no combate ao desmatamento ilegal no Brasil. Para ele, uma forma de fazer isso é por meio de incentivos econômicos.

Lima considerou também “essencial” a negociação entre União Europeia e Brasil para chegar a um consenso sobre o desmatamento, sobretudo no âmbito do Green Deal e do Acordo UE-Mercosul. “É um debate importante porque, se por um lado é correta a interpretação de que os cidadãos europeus têm direito de escolher o que consumir, por outro lado existem regimes jurídicos internacionais que estabelecem princípios de negociação multilateral entre países e que devemos sempre estimular”, explicou, em referência à principal crítica que o agronegócio brasileiro faz sobre a legislação europeia, de que ela não separa, em sua exigência, o que é desmatamento ilegal do legal – o que a lei brasileira faz.

Desflorestamento

Lima reforçou, porém, a necessidade de se resolver a questão do desmatamento ilegal no País. Segundo ele, mais de 95% do desmatamento na Amazônia é ilegal, com uma boa parte disso podendo ser atribuído a grandes produtores. Ele disse ainda que, no Cerrado, a área desmatada também cresce “de forma brutal”, ainda que não seja, em sua maioria, desflorestamento ilegal.

Desmatamento na Amazônia e em outros biomas é tema sensível para europeus Foto: Tiago Queiroz / Estadão

No mesmo painel, a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, avaliou que “o Brasil ser considerado de ‘alto risco’ pela União Europeia sobre questões ambientais afeta a imagem do País”, disse. “Somos favoráveis ao acordo UE-Mercosul, desde que ele garanta acesso efetivo ao mercado”, completou. “Green Deal, Farm to Fork e Acordo UE-Mercosul têm de ser vistos sob o mesmo âmbito.”

Parceiro de peso

Para reforçar a importância do mercado europeu para o Brasil, Sueme Mori citou que a União Europeia tem 16% de market share das exportações do agro brasileiro. Segundo ela, 50% do que o Brasil exportou de café em 2022 foi para a União Europeia, assim como 14,5% da soja embarcada ao exterior naquele ano, daí a importância de se negociar e chegar a um acordo com um dos principais parceiros comerciais do agro brasileiro.

O pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonardo Munhoz, destacou que o Brasil precisa reforçar a implementação do Código Florestal, para que a agenda ambiental seja pacificada. “É muito importante para o Brasil eliminar o desmatamento ilegal; isso dá um recado positivo à União Europeia”, afirmou. Como exemplo, o pesquisador citou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como útil para análise de risco do Brasil na União Europeia. “Não adianta brigar com o Green Deal no bloco europeu; isso é uma tendência global.”

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O sócio-diretor do Agroicone e especialista em questões ambientais, Rodrigo Lima, defendeu a cooperação mútua em relação ao Acordo UE-Mercosul e ao Acordo de Paris. “O ‘efeito Bruxelas’ (sobre Green Deal na UE) vai certamente se replicar para outros países”, disse. “Se Estados Unidos, China, Reino Unido e União Europeia aderirem ao Green Deal, haverá um peso grande para o Brasil.”

Em relação à pecuária de corte – considerada a “vilã” do desmatamento na Amazônia no exterior –, o diretor de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa para América do Sul da Marfrig Global Foods, Paulo Pianez, ressaltou a importância de se rastrearem bovinos desde o nascimento, para garantir que eles não tenham sido criados em áreas ilegalmente desmatadas. Para Pianez, “é inadmissível que o Brasil não consiga, até hoje, rastrear um bovino, com consciência de seu caminho na cadeia”. “Em contrapartida, pequenos e médios produtores com baixa tecnificação podem ter dificuldade em seguir o Código Florestal”, pontuou o executivo.

Ferramentas

Uma forma de beneficiar a rastreabilidade, para ele, seria vincular o CAR à Guia de Trânsito Animal, reivindicação antiga da cadeia pecuária para facilitar a rastreabilidade bovina, que enfrenta, porém, obstáculos como sigilo de dados. “Legislações devem levar em conta a complexidade da pecuária brasileira.”

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A 28.ª Conferência do Clima da ONU também foi debatida durante o mesmo painel. Sobre o tema, Sueme Mori, da CNA, ressaltou que o agronegócio brasileiro sustentável quer ser considerado “parte da solução” buscada na COP-28. Ela citou documento preparado pela confederação em conjunto com o agronegócio, entregue recentemente ao Ministério da Agricultura, e que deve ser importante instrumento que o Brasil mostrará em Dubai relativamente ao campo e a ferramentas para mitigar e sequestrar as emissões de gases do efeito estufa.

Em contrapartida, o sócio-diretor do Agroicone, Rodrigo Lima, disse “estar cético” em relação à COP-28. “Já participei de várias COPs e acho bem bonitas as declarações finais e todas as outras que são formalizadas ao longo dos debates”, afirmou. Ele ressaltou, porém, que as declarações acabam sendo “um fim em si” e não se traduzem em importantes ações para de fato reduzir as emissões de gases do efeito estufa de acordo com as metas estipuladas pelo Acordo de Paris. “As declarações na COP tiram o foco do tema central, que até hoje não foi efetivado, que é o do financiamento climático”, criticou. “O que falta é agir.”

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