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‘Bolsa de Valores das Favelas’ começa a funcionar com IPO de startup de logística

A Favela Brasil Xpress, fundada em agosto de 2020 em Paraisópolis para facilitar a entrega de compras feitas online, recebeu aportes de investidores e se espalhou para mais sete comunidades

Foto do author Douglas Vieira
Por Douglas Vieira
Atualização:

Criada em agosto de 2020 para resolver um grande problema das favelas brasileiras, acentuado na pandemia - a dificuldade dos moradores em receber encomendas feitas online -, a Favela Brasil Xpress teve crescimento rápido. Criada pelo empreendedor Givanildo Pereira, de 21 anos, em Paraisópolis, ela funciona como uma espécie de centro de distribuição dentro das comunidades, em parceria com as empresas de e-commerce. Em pouco mais de um ano, recebeu aportes de investidores e se espalhou para mais sete comunidades. E, nesta sexta-feira, 19, será pioneira, mais uma vez: é a primeira empresa a abrir o capital na “Bolsa de Valores das Favelas”, que começa a operar hoje.

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A Bolsa é o resultado mais recente da atuação do G10 Favelas, um bloco econômico formado pelas 10 maiores favelas brasileiras, idealizado e comandado pelo presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, de 37 anos.

Líder comunitário e morador da comunidade da zona sul de São Paulo desde que chegou da Bahia, aos 5 anos, Gilson diz ter sempre acreditado que “não existe transformação da pobreza se você não colocar dinheiro no bolso das pessoas”. Segundo ele, essa é uma convicção baseada em diversas pesquisas. “Teve um momento em que surgiu uma pesquisa do Outdoor Social Inteligência que apontava em R$ 7 bilhões o potencial de consumo das 10 maiores favelas brasileiras.” Daí a ideia de criar o G10, para explorar esse potencial.

Gilson Rodrigues e Givanildo Pereira noPavilhão Social do G10 Favelas, em Paraisópolis;a Favela Brasil Xpress funciona como um centro de distribuição, emparceria com as empresas de e-commerce. Foto: Alex Silva/Estadão - 18/11/2021

A criação de uma bolsa de valores própria ganhou contorno definitivo com uma parceria desenhada com o empresário Ricardo Wendel, que desejava associar sua startup, a Divi-Hub, a projetos que promovessem uma transformação mais profunda no acesso a investimentos. O modelo, inspirado livremente no mercado de capitais convencional, oferece cotas de startups criadas em favelas para compra.

O investidor pode comprar cotas a partir de R$ 10, que valerão dividendos de porcentagem fixa, distribuídos trimestralmente. A operação será toda realizada pela plataforma da Divi-Hub. Mas a ideia é que os compradores não entrem no capital social das empresas, para não terem o risco de eventuais ônus decorrentes, por exemplo, de recuperações judiciais ou dívidas trabalhistas.

A inauguração da bolsa faz parte da programação do Slum Summit, encontro que se estende até o sábado, 20, com diversos convidados para debater o potencial econômico das comunidades brasileiras. 

A programação mistura empreendedores nascidos e criados em comunidades, como Murilo Duarte, do Favelado Investidor, e personalidades do mundo dos negócios, como Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil. “Com a pandemia, a desigualdade social, que todos sabiam que existia, foi escancarada e atingiu níveis ainda maiores. Já conhecia essa realidade, pois sempre visitei e acompanhei a realidade do sertão e de comunidades como Paraisópolis e Heliópolis, e acredito que trabalhos como esse desenvolvido pelo G10 Favelas são importantes para apresentar opções de melhoria da economia e da geração de renda nas comunidades”, disse Luiza, ao Estadão.

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Primeiro IPO

A história da Favela Brasil Xpress, que inaugura a bolsa, é um exemplo claro desse potencial. Com a pandemia e a explosão do comércio eletrônico, o problema das entregas de encomendas nas favelas ficou escancarado. 

Por terem endereços muitas vezes colocados em “zonas de exclusão” dos apps de entrega e também de empresas do varejo, seja pela dificuldade de encontrar os endereços (indisponíveis ou com localização imprecisa em aplicativos de geolocalização), seja pelo medo associado ao estereótipo das favelas, as compras dos moradores de Paraisópolis não eram autorizadas.

Foi assim que Givanildo Pereiradecidiu procurar as empresas de varejo e propor uma parceria, em que ele montaria um centro próprio de distribuição (instalado em um espaço dentro do Pavilhão Social do G10 Favelas) para receber as encomendas, e realizaria a entrega aos moradores. A parceria deu certo, e o primeiro mês em atividade, iniciado sem nenhum capital, colocou o criador da startup em uma rotina digna de Hércules. 

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Ele acordava todo dia às 4 horas e, com um veículo emprestado - que podia ser uma bicicleta, um carro ou uma moto -, buscava os produtos e organizava a logística. Em seguida, ele próprio saía para entregar, trabalho que muitas vezes terminava já perto do dia seguinte. 

A rotina intensa durou 30 dias, quando recebeu um crédito de R$ 15 mil do G10 Bank Participações, fintech do G10 Favelas. “Comprei computadores, bicicletas, contratei um auxiliar administrativo e um entregador fixo. Assim, passei a trabalhar de modo mais organizado e a ter tempo para olhar para o negócio”, conta Givanildo, sobre o primeiro movimento que fez ao receber o recurso, em setembro de 2020. Com a nova estrutura, trabalhou na ampliação da atuação da startup e buscou outras oportunidades de se capitalizar.

Em março deste ano, a startup ficou em primeiro lugar na premiação Demo Day - Desafio Brasil-Reino Unido de Logística Urbana -, proposto pela Embaixada Britânica, recebendo R$ 23 mil. Novamente, o investimento foi em infraestrutura, pensando em explorar o potencial para replicar o modelo em outras favelas brasileiras.

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A Favela Brasil Xpress se espalhou então para outras comunidades: Capão Redondo, Heliópolis e Cidade Júlia, em São Paulo; uma em Diadema, na Grande São Paulo; e Rocinha e Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. “Hoje, tenho 90 pessoas trabalhando na startup, 41 delas em regime CLT e o restante são entregadores contratados como prestadores de serviço”, conta Givanildo.

Agora, com o IPO, o empreendedor planeja um novo impulso. “A meta é chegar em outras 25 favelas em todo o Brasil, além das 7 em que já atuamos”, conta. Segundo a Divi-Hub, que também é responsável pela análise das startups candidatas à operação na Bolsa, a expectativa é de captação de R$ 1,33 milhão.

Esse investimento será distribuído em diferentes frentes de expansão: 42% em sistemas de logística, 21% na transformação da base de Paraisópolis em 100% sustentável, 21% no projeto de expansão em 2022 de 7 para 25 bases, e 17% serão destinados à capacitação e melhorias de processos da Favela Brasil Xpress.

A startup ainda informa que, embora atue desde 2020, a empresa iniciou a operação com seu modelo atual em abril deste ano, tendo realizado desde então 100 mil entregas, a uma média de 1,3 mil por dia, alcançando um faturamento de R$ 200 mil.

Outro touro

Disruptiva em muitos sentidos, Gilson conta que a iniciativa da Bolsa de Valores das Favelas adotou os nomes e termos do mercado de capitais convencional como “uma forma de afirmação e também de provocação ao mercado financeiro, que normalmente não olha para as favelas brasileiras”. 

O simbolismo da ação, porém, não se limita ao uso dos termos. Haverá ainda a instalação de um touro na frente do Pavilhão Social de Paraisópolis, onde funcionará a Bolsa de Valores. E, junto do touro, estará também uma versão da Fearless Girl, estátua de uma menina destemida que ganhou destaque internacional quando foi instalada como se encarasse o touro de Wall Street, de onde se mudou posteriormente para a Bolsa de Valores de Nova York. 

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As duas esculturas estão sendo preparadas por Berbela, artesão de Paraisópolis que, em 2015, teve seu trabalho utilizado na abertura da novela da Globo I Love Paraisópolis.

Após a abertura de capital da Favela Brasil Xpress, a ideia é realizar uma sequência de IPOs. Entre as próximas startups programadas para entrar na Bolsa de Valores das Favelas estão o supermercado Brasileiríssimo, instalado dentro de Paraisópolis, e o G10 Bank Participações. E o desejo é que rapidamente o portfólio de empresas se expanda para outras favelas brasileiras. “Não precisa ser de Paraisópolis, qualquer startup de favela pode solicitar a entrada, basta cumprir os pré-requisitos da operação e pode se inscrever”, diz Gilson.

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