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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Tragédia ou meras estatísticas?

O Brasil atingiu a marca de 400 mil mortos pela covid-19 nesta quinta-feira, 29, com altos índices de óbitos diários e tudo vai sendo aceito como se fosse a nova normalidade

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Foto do author Celso Ming
Atualização:

Uma das consequências desta pandemia é a banalização da morte. As pessoas morrem sozinhas, cercadas de tubos e de aparelhos gelados, sem velório, sem acompanhamento, sem missa de sétimo dia, luto truncado, rumo ao esquecimento precoce. E tudo vai sendo aceito como se fosse a nova normalidade. O Brasil chegou a 400 mil mortos pela covid-19, número que começa a ser visto apenas como mais uma estatística – exatamente como Stalin imaginara a reação da sociedade diante da ocorrência de 1 milhão de mortos.

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As coisas ficaram assim no Brasil porque o governo Bolsonaro tratou a pandemia com o negacionismo já conhecido. O drama nacional que deveria ter sido enfrentado com capacidade de liderança, foco e determinação foi largado ao vento. A economia foi arrastada ao quase colapso, não porque governadores e prefeitos tivessem exigido o fechamento do comércio, o isolamento social e o uso de máscaras, mas porque, com suas omissões e desastrada condução, o governo federal estimulou a contaminação e desprezou as vacinas.

Foi tudo ao contrário do que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez e conseguiu em apenas 100 dias de governo. Nos Estados Unidos, a pandemia matou 574 mil. Mas a meta de vacinar 100 milhões em 100 dias foi simplesmente dobrada. Essa é a principal razão pela qual a atividade nos Estados Unidos pode agora se expandir, criar empregos e voltar a liderar a economia mundial. Nesta quinta-feira, o Escritório de Análise Econômica do Departamento do Comércio dos Estados Unidos revelou que, no primeiro trimestre deste ano, a economia americana cresceu nada menos que 6,4% em termos anuais.

É também o sucesso obtido no enfrentamento do coronavírus a credencial que Biden agora usará para arrancar do Congresso a aprovação do seu superprograma de investimentos de US$ 2,3 trilhões, destinado a expandir a infraestrutura e a produzir energia limpa.

Biden transformou as incertezas do início de seu mandato em certezas positivas. Bolsonaro em quase dois anos e meio aprofundou as incertezas. A vacinação segue a ritmo de tartaruga, o País está ameaçado por novas ondas e novas cepas e sabe-se lá se não acontece por aqui algo parecido com o que se passa na Índia. E, se for assim, a estatística de meio milhão de mortos virá em semanas. (Em pouco mais de um mês, saltou de 300 mil para 400 mil.)

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A pandemiadeveria ter sido enfrentado com capacidade de liderança, foco e determinação, mas foi tratada com negacionismo pelo governo de Jair Bolsonaro. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão - São Paulo, 06/01/2021 Foto:

Depois da aprovação desse Orçamento mutilado por interesses paroquiais e da insatisfatória recuperação da arrecadação, as contas públicas continuam sangrando. A política econômica, antes comprometida com as reformas, com a desburocratização e a modernização administrativa, tornou-se refém do Centrão, um aglomerado de políticos movido a clientelismo, patrimonialismo e outras formas de toma lá dá cá.

A esperança está na recuperação no resto do mundo. Se Estados Unidos, China e União Europeia se recuperarem rapidamente como os números indicam, pode-se esperar por certo efeito demonstração também por aqui. Mas, para isso, muita coisa teria de mudar e o presidente não dá sinais de que isso pode acontecer.

CONFIRA

» Esticada do IGP-M

Em abril, oÍndice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), índice usado para corrigir aluguéis, avançou 32,02% em 12 meses, variação que deverá continuar subindo nos próximos meses.

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Mas há sinais de que, a partir de agora, o índice mensal deverá ser mais baixo do que o 1,51% de abril (sobre março), porque certos preços no mercado atacadista (que entra com 60% na composição do IGP-M) tendem a subir menos, graças à queda das cotações do dólar em reais, que deverá conter os preços dos combustíveis e dos alimentos. 

CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA*