O tsunami que desabou sobre o mundo nas últimas duas semanas não deixa apenas incertezas. Também reforça certas advertências.
A primeira delas tem a ver com a globalização. “Expulsai o natural e ele voltará a galope” – dizia o dramaturgo francês Philippe Destouches no século 17. Quanto mais têm sido atacadas ou negadas, tanto mais a integração e a necessidade de intensificá-la ficam mais claras.
Nada de globalização, ponha os Estados Unidos em primeiro lugar – vem martelando o presidente Trump e ele próprio sai dizendo que “o vírus é estrangeiro”. O Brexit e os movimentos separatistas que tomam corpo na Catalunha e na Escócia querem independência e isolamento. As forças nacionalistas e xenófobas que se espalham pela Europa são outra fonte de ataques a várias formas de integração econômica, política e social.
São três manifestações do mesmo impulso que tenta refugar a globalização. Mas a rápida disseminação do coronavírus mostrou quanto tudo neste pequeno mundo está imbricado e é interdependente. Tão imbricado, tão interdependente e tão vulnerável que não sobrou outra maneira de lidar com os grandes problemas senão com cada vez mais ampla coordenação de políticas entre governos, bancos centrais e instituições multilaterais.
O que está acontecendo na Itália não é exagero de cartolas políticos apavorados com cobranças. Eles apenas estão colocando em prática determinações técnicas que têm por objetivo conter a expansão de uma praga. Lá, toda a população, de 60 milhões de habitantes, foi confinada às suas residências, está proibida de ir a quaisquer aglomerações, inclusive aos velórios. O Brasil tem 210 milhões de habitantes e se mostra despreparado se ou quando algo parecido vier a acontecer por aqui. Imagine-se o pandemônio caso a progressão em bases geométricas da pandemia obrigar as autoridades a tomar providências equivalentes a confinamento ou adoção de quarentena. O que será das prisões (onde as visitas terão de ser proibidas) e das favelas, tão sujeitas a promiscuidades? O que será das escolas, do transporte público (incluídos aí os táxis), dos espetáculos, dos cinemas, teatros, dos restaurantes, dos bares e da convivência nas fábricas, nos escritórios, no comércio, nas igrejas, nas ruas. Não há razão especial para que o Brasil seja especialmente poupado de tragédias dessa ordem.
Embora, até agora, nenhuma morte tenha sido confirmada no Brasil em consequência do coronavírus, o impacto sobre o mercado financeiro vem sendo mais intenso do que em países mais atacados pela epidemia. Um jeito de ler a dinâmica dos fatos é entender que o fundo do poço ainda não foi atingido porque o pior ainda não aconteceu. Outro jeito é afirmar que, se o tombo foi forte demais, como parece, também a recuperação, quando vier, será mais rápida. Só tem uma coisa: remar de volta contra a corrente é bem mais difícil. Até mesmo a numerologia pode deixar isso mais claro. Se o mercado desaba de 100 para 50, leva um tombo de 50%. Mas para voltar de 50 para 100, tem de subir 100%.
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