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A desindustrialização vai muito além dos clichês; leia artigo

Avaliação sem contexto da queda da participação da indústria no PIB tem justificado políticas de ‘reindustrialização’

Por Reginaldo Nogueira , Matteo Lanzafame e Alex Ferreira

A redução da contribuição da indústria brasileira no PIB é um tema que atrai discussões significativas sobre políticas públicas. Em 1947, a indústria manufatureira representava quase 14% do PIB do País, atingindo um pico de 25% na metade da década de 1980. Desde então, houve um declínio progressivo, levando essa participação de volta ao nível de 1947.

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Essa queda é geralmente atribuída à realocação da indústria para outros países, como a China, impulsionada pela globalização. No entanto, a questão vai além disso. A queda na participação da indústria manufatureira no PIB não é exclusiva do Brasil. Vários países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido têm enfrentado experiências semelhantes. Mesmo na China, a participação da indústria manufatureira no PIB diminuiu de 32% em 2004 para 28% em 2022. Isso indica uma explicação comum relacionada a mudanças estruturais.

O crescimento econômico depende do aumento da produtividade e do avanço tecnológico. Quando uma indústria se torna mais produtiva e eficiente, seus produtos se tornam relativamente mais baratos. No entanto, a demanda por esses produtos pode não responder significativamente a essas mudanças de preço. Como resultado, o valor da produção geral da indústria como parte do PIB diminui à medida que recursos são realocados para outros setores.

Nas economias modernas, essa realocação favorece principalmente os serviços. À medida que as pessoas se tornam mais ricas, tendem a consumir mais serviços e, relativamente, menos bens. Nos Estados Unidos, por exemplo, dados do Bureau of Economic Analysis mostram que os gastos com serviços aumentaram de cerca de 25% do PIB no início dos anos 1950 para 45% atualmente.

Indústria brasileira perdeu participação no PIB nas últimas décadas Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A mudança estrutural orientada para os serviços tem levado muitos a se preocuparem com uma nova era de baixo crescimento, já que, em média, o crescimento da produtividade historicamente tem sido mais lento nos serviços do que na indústria. Embora não seja sem mérito, essa visão é simplista. As atividades modernas de serviços, como tecnologia da informação, fintech e serviços digitais, são caracterizadas por um crescimento de produtividade elevado e rápido.

A avaliação sem esse contexto da queda da participação da indústria no PIB tem sido usada como justificativa para políticas de “reindustrialização”. Esse processo não é isento de riscos, e a história mostra como muitas políticas industriais fracassaram no passado. A linha entre o uso de incentivos para impulsionar a produtividade ou políticas protecionistas que levam a uma utilização ineficiente de recursos é tênue.

*As opiniões expressas neste artigo são pessoais, e não refletem as do Banco Asiático de Desenvolvimento.

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