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Bastidores: em Beirute, a expectativa pela quebra do silêncio de Carlos Ghosn

O 'Estado' acompanha a movimentação na frente da casa do ex-presidente da Renault-Nissan, que vai falar sobre o caso pela primeira vez em entrevista marcada para quarta-feira

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller
Atualização:

BEIRUTE - O silêncio do executivo brasileiro Carlos Ghosn, ex-presidente da aliança Renault-Nissan, já tem data e horário para acabar. Ele falará oficialmente com a imprensa pela primeira vez desde que foi preso pela Justiça japonesa, em novembro de 2018, em uma entrevista marcada para quarta-feira, 8, em Beirute. A coletiva será às 15h (10h no horário de Brasília). 

Jornalistasem frente à casa de Carlos Ghosn, no Líbano Foto: Fernando Scheller/Estadão

Uma das apostas é que ele use a entrevista para, pela primeira vez, dar detalhes de sua defesa – e citar uma conspiração corporativa contra ele. Apesar da expectativa da imprensa, que tenta fechar o quebra-cabeça de sua fuga da prisão domiciliar em Tóquio, em 29 de dezembro, ele deve evitar dar detalhes da narrativa de sua viagem do Japão a Beirute, segundo apurou o Estado

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Diante da possibilidade de ser acusada, a Nissan se adiantou e, nesta terça-feira, 7, divulgou comunicado afirmando condenar a fuga de Ghosn. A montadora japonesa disse que “descobriu numerosos atos irregulares (do executivo) após uma cuidadosa investigação interna cuidadosa e robusta”. A nota da Nissan lembra ainda que foram abertas investigações contra ele na França e nos EUA. 

A curiosidade pelas explicações de Ghosn é grande. Jornalistas de todo o mundo se concentram nesta terça-feira em frente à residência “oficial” do executivo no Líbano, ainda que não se tenha certeza de que ele esteja no local. 

Jornalistas em frente à casa de Carlos Ghosn, no Líbano Foto: Maya Alleruzzo/AP Photo

A casa pertence à montadora Nissan. Apesar de ter denunciado e demitido o executivo, a montadora fez um acordo que permitiu que a família continuasse a utilizar o imóvel. A maior parte dos jornalistas no local é do Japão – alguns deles fazem um monitoramento em tempo real da portaria há dias, filmando o local de forma ininterrupta. 

Casa de Carlos Ghosn, no Líbano Foto: Fernando Scheller/Estadão

Poucas palavras

Desde que deixou o Japão e se refugiou em Beirute, no Líbano, onde reencontrou a mulher, Carole, o executivo – que nasceu no Brasil, cresceu no Líbano e ocupou altos postos no mundo corporativo na França – apenas soltou dois comunicados curtos. 

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Carlos Ghosn e sua esposa, Carole Ghosn, durante o 71º Festival de Cannes, na França, em 2018 Foto: Franck Robichon/EFE/EPA

O primeiro afirmava que fugiu do Japão por não confiar que o sistema judiciário do país, que tem uma taxa de condenação de 99%, vai lhe dar o direito a uma defesa justa. E o segundo dizia que o executivo planejou a fuga sozinho, sem ajuda da família.

Essa segunda nota visa a proteger os familiares. A promotoria japonesa expediu, nesta terça-feira, um mandado de prisão contra Carole, afirmando que ela teria dado declarações falsas em um depoimento prestado à Justiça do país. 

Um dos pontos do acordo que permitiu que o executivo cumprisse prisão domiciliar foi a proibição do contato com a mulher e nem tivesse acesso à internet. Além disso, ele pagou uma fiança de aproximadamente US$ 9 milhões (mais de R$ 36 milhões).

O mandado contra Carole deve ter pouco efeito prático, assim como o pedido de extradição pelo governo japonês e o alerta da Interpol sobre o executivo. O governo libanês não tem acordo de extradição com o Japão e, em casos anteriores, não prendeu pessoas citadas pela Interpol. Além disso, Beirute tem oferecido apoio aberto aos Ghosn.

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Histórico

Ghosn foi preso há 13 meses, em novembro de 2018, ao voltar ao Japão depois de um compromisso internacional. Após ser interrogado pela promotoria japonesa durante seis horas, o executivo foi levado ao centro de detenção de Kouchisho, nos arredores de Tóquio. Na época, a Justiça japonesa afirmou que Ghosn teria deixado de declarar US$ 44 milhões de sua renda.

Foi uma grande reviravolta na relação do executivo com o Japão. Antes de se tornar acusado de crimes de corrupção, ele era celebrado como um herói nacional, virando até personagem de mangá. Isso porque, antes de Ghosn ter arquitetado a fusão com a Renault, a Nissan era um negócio à beira da falência. Para completar, o executivo trouxe a Mitsubishi para a aliança, em 2016.

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O executivo ficou preso por meses em uma cela de dez metros quadrados, cujas luzes eram acesas às 7h e invariavelmente se apagavam às 21h. Era nesse local que ele passava o dia todo, à exceção de 30 minutos que tinha para se exercitar.

O tratamento de choque da Justiça japonesa – que não precisa apresentar documentos para prender suspeitos uma vez que a promotoria decide denunciar uma pessoa – tem o objetivo de pressionar os acusados a confessar o crime. 

Ghosn, porém, não foi persuadido. Pelo contrário: sempre negou as acusações. Ele saiu da prisão no dia 6 de março, após três meses e meio, mas voltou a ser detido por mais três semanas. Desde 25 de abril de 2019, encontrava-se em prisão domiciliar.

Desde então, a família tentava buscar apoio internacional para sua defesa. Em entrevista ao Estado, Carole Ghosn chegou a pedir a intervenção do presidente Jair Bolsonaro, que nunca veio. A França também optou por uma posição mais neutra em relação ao assunto. Os maiores sinais de apoio vieram sempre do Líbano. 

Fuga

Após oito meses em prisão domiciliar, morando em uma residência de alto padrão no centro de Tóquio, Ghosn empreendeu a fuga para Beirute. O que se sabe, até agora, é que Ghosn deixou a residência a pé, sendo captado pela última vez pelas câmeras de segurança no dia 29 de dezembro.

A partir desse momento, diferentes versões começam a aparecer. A mais aceita é a que Ghosn teria seguido então de trem até o aeroporto de Osaka – a mais de 400 km de Tóquio –, onde embarcou em um jato particular rumo a Istambul, na Turquia, e depois para Beirute, no Líbano. 

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Guarda em frente à casa de Carlos Ghosn, no Líbano Foto: AP Photo/Maya Alleruzzo

Caso tenha feito a viagem de trem tenha sido mesmo realizada, ela evidenciaria outro “furo” das autoridades japonesas, que ainda não conseguiu explicar como o executivo passou, identificando-se ou não, pela checagem de segurança do aeroporto de Osaka.

Ghosn viajou em dois jatos fretados da empresa turca MNG. A companhia diz que não tinha conhecimento do uso das aeronaves pelo ex-chefe da Renault-Nissan e acusou um funcionário de ter falsificado documentos para ocultar o nome de Ghosn como passageiro. O governo turco, no entanto, determinou a prisão de cinco pessoas supostamente envolvidas no caso. 

A MNG é conhecida no mercado de aviação executiva como uma empresa que fecha os olhos para os negócios de seus clientes. Transportou, por exemplo, grande quantidade de ouro para a Venezuela para compensar a falta de liquidez financeira no país. 

Empresa

A prisão de Ghosn, em novembro de 2018, ocorreu dias antes de uma reunião em que os termos da fusão entre a Renault e a Nissan seriam rediscutidos. O executivo era favorável a uma fusão irreversível das duas empresas. 

A Nissan era contra esse acordo, uma vez que queria ganhar mais poder dentro da aliança (a Renault tem 40% das ações da Nissan, mas a japonesa possui apenas 15% dos papéis da francesa). Nos anos que antecederam a prisão de Ghosn, a Nissan vinha dando resultados melhores do que a Renault.

Toda a polêmica envolvendo Ghosn e outros executivos não tem feito bem à Nissan, que deve fechar o ano de 2019 com o menor lucro em 11 anos. No terceiro trimestre, a empresa reportou uma queda de 70% nos resultados, frustrando expectativas. As vendas da companhia estão no menor patamar em seis anos e suas ações caíram mais de 20% no último ano.

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