BRASÍLIA - Especialistas que acompanham os debates no Congresso da reforma tributária afirmam que a proposta da Câmara, idealizada pelo economista Bernard Appy, é mais técnica. Já o texto em tramitação do Senado, elaborado com base em um relatório do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), agrega demandas políticas de mais setores, o que facilitaria a aprovação.
A PEC da Câmara, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e idealizada por Bernard Appy, cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), substituindo três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. A mudança ocorreria em uma transição de 10 anos até a unificação e em 50 anos até a compensação de eventuais perdas de arrecadação de Estados e municípios.
Já o texto do Senado, assinado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e líderes partidários, recupera o conteúdo do relatório do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) formulado na Câmara. Essa reforma também prevê a criação do IBS, mas com a extinção de nove tributos: IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis (todos federais), ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Além disso, Hauly avança e propõe o Imposto Seletivo para bens e serviços específicos. O IBS não tributaria medicamentos e alimentos, considerados essenciais para a população.
O Imposto Seletivo, por sua vez, incidiria sobre petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica, e serviços de telecomunicações. O avanço do imposto sobre vários setores, inclusive alguns essenciais para a produção, como energia, preocupa economistas.
"O lado positivo da reforma do Hauly é que ele já foi incorporando à proposta ao longo do tempo as demandas políticas que foram surgindo, então isso facilita a aprovação. Mas, tecnicamente, a proposta do Appy está mais redonda", opina o diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto.
Para o advogado especialista em direito tributário do escritório AB&DF, Guilherme Bicalho, a proposta de reforma formulada por Hauly é mais política porque todo o tempo de tramitação pelo qual já passou a tornou mais abrangente, atendendo aos interesses de diversas bancadas. “A proposta de Hauly já atende as demandas de Estados e municípios. De certa maneira, ela inclusive muda o pacto federativo, alterando competências e a repartição de receitas”, avalia.
Já a proposta de Appy, mais concentrada, com foco apenas nos impostos de consumo, ainda teria um longo caminho político pela frente. “Mas pode ser que o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) faça com que essa proposta acabe tendo mais facilidade em ser aprovada”, pondera Bicalho.
O especialista em direito tributário do escritório Mattos Filho, Roberto Quiroga, avalia que, apesar da proposta de Appy ter um rigor técnico mais forte que a de Hauly na concepção do imposto único, o texto possui pontos que podem ser questionados na Justiça. “A proposta de Appy transfere os contenciosos tributários para o Comitê Gestor do IBS, o que pode ser alvo de questionamentos judiciais, por mexer na autonomia financeira dos Estados”, exemplifica.
Segundo Quiroga, a proposta de Appy também pode encontrar resistências entre os parlamentares porque acaba com todos os incentivos tributários de uma vez, enquanto o texto de Hauly mantém a Zona Franca de Manaus e a possibilidade de Estados e municípios concederem incentivos tributários. “A proposta de Hauly é mais flexível ao trazer desonerações para remédios e alimentos”, acrescenta.
CPMF
Mesmo com as divergências entre os dois projetos, os especialistas acreditam que as propostas poderão ser juntadas em um único texto, já que mantém mais pontos em comum do que trechos inconciliáveis. O que pode embaralhar a discussão, avaliam, é a proposta do governo federal, que ainda não foi enviada ao Congresso.
O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, ainda prepara a sua versão de reforma, que pode conter um IVA federal, fim de deduções no Imposto de Renda e a reedição de um imposto nos moldes da extinta CMPF, agora batizada como Contribuição Social sobre Transações e Pagamentos (CSTP) para compensar a prometida redução de tributos sobre a folha de pagamentos.
O Estado antecipou que a alíquota do novo imposto, que deve compensar a perda na arrecadação com a redução na tributação sobre a folha de pagamento, deve ser de 0,22%. A ideia é criar uma "conta investimento" para isentar a cobrança da nova contribuição de aplicações na Bolsa, renda fixa e poupança, entre outras
“Acredito que a proposta do governo federal para simplificar a tributação na sua esfera possa se encaixar nas propostas que já tramitam. É possível se chegar a um modelo híbrido com um IVA municipal e estadual e outro IVA federal”, projeta Queiroga.“Já a CPMF poderia ser proposta em uma PEC separada para não contaminar a discussão de um imposto como o IVA, que é mais simpático”, completa o especialista.
Já Bicalho alerta que o governo precisará explicar muito bem as vantagens da CSTP para convencer parlamentares e a própria sociedade a aceitarem a volta do “imposto do cheque”. “O país está em crise profunda e a CPMF tem grande regressividade. Será um processo tumultuado de discussão, porque é quase como tirar um esqueleto do armário. A CMPF é muito eficiente para arrecadar, mas exige uma contrapartida bem feita. O governo terá que vender uma vantagem muito grande”, conclui.
O argumento do governo é que o novo imposto permitira a redução da tributação sobre folha de pagamento, como medida para incentivar a geração de empregos com carteira assinada, já que o custo seria menor para o empresário. Hoje, a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos é de 20%. Pelos cálculos da área econômica, a alíquota sobre a folha de pagamento cairia para um patamar entre 11% e 12% - caso, o Congresso aprovasse a criação de um novo tributo aos moldes da CPMF.
O denominador comum entre as reformas será possível de ser encontrado com a proposta do governo, avalia o diretor do IFI. "Não se faz uma reforma tributária desse tamanho sem a participação do governo, mesmo com todo o empenho louvável dos presidentes da Câmara e do Senado", diz Felipe Salto.
Câmara x Senado
Entenda as diferenças entre as propostas de reforma tributária das duas Casas
Unificação
Senado - IPI, PIS, Cofins, IOF, CSLL, Cide, Salário Educação (federais); ICMS (estadual); ISS (municipal).
Câmara - IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual), ISS (municipal).
Alíquotas
Senado - Definidas por cada Estado e município.
Câmara - Definição pelo Comitê Gestor do IBS.
Imposto seletivo com alíquotas diferenciadas
Senado - Bebidas alcóolicas e não-alcoólicas, fumo, veículos, comunicações, energia elétrica, petróleo e gás natural.
Câmara - Fumo e bebidas alcoólicas.
Incentivos e desonrações
Senado - Imposto zero para remédios e alimentos. Outros incentivos definidas por cada Estado e município.
Câmara - Não prevê incentivos e desonerações.
Transição até o novo modelo
Senado - 15 anos.
Câmara - 10 anos, além de 50 anos para compensar eventuais impactos a Estados e municípios.
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