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‘Valor do pacote para carros é dinheiro de pinga e não mexe na indústria’, diz Mendonça de Barros

Para ex-presidente do BNDES, programa de subsídios do governo para o mercado de automóveis não terá impacto na produção industrial e deve aumentar o custo logístico para todos os setores devido à alta no diesel

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Por Cleide Silva
Atualização:
Entrevista comLuiz Carlos Mendonça de BarrosEx-presidente do BNDES, ex-diretor do BC e ex-ministro das Comunicações

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES, avalia que o pacote de subsídios para o mercado de automóveis, caminhões e ônibus lançado pelo governo Lula não terá impacto na produção do setor.

Apesar de considerar o montante de R$ 1,5 bilhão destinado aos programas como “dinheiro de pinga, como se dizia antigamente”, ele diz ser absurdo aumentar o preço do diesel para bancar a verba.

“Vai aumentar o custo logístico para todos os setores, pois a maior parte dos produtos é transportada por meio rodoviário, em caminhões.”

Mendonça de Barros: discurso de preocupação com a indústria é real, mas precisa de um diagnóstico Foto: Evelson de Freitas/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia as medidas para a indústria automobilística anunciadas pelo governo na segunda-feira, envolvendo automóveis, caminhões e ônibus?

Esse “programinha” de R$ 1,5 bilhão do ex-governador (Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento) é brincadeira. Está tudo errado, é muito pequeno e não vai ter qualquer impacto na produção industrial. É demagogia pura, porque quem antecipar agora para comprar mais barato, vai deixar de comprar um pouco mais à frente.

O que o sr. acha que deveria ser feito?

O discurso de preocupação com a indústria é real, mas precisa de um diagnóstico. A maior intervenção que o governo já fez no mercado automobilístico, durante o governo do PT, foi criar um programa de incentivos artificiais, bancado pelo Tesouro, para aumentar a venda de caminhões. Tinha financiamento de 90% do valor do veículo e juros negativos. O BNDES tinha R$ 300 bilhões para subsidiar o setor. Houve uma bolha de consumo — em 2011 foram vendidos mais de 170 mil caminhões — e, quando ela estourou, cobriu tudo o que ganhou antes. Em 2016 e 2017, as vendas ficaram na casa de 50 mil de unidades.

No caso dos caminhões, o plano é mais voltado à renovação...

Mas o pior de tudo é financiar esse plano com o aumento do preço do diesel. Isso mostra um total desconhecimento da gravidade do problema. É um absurdo fazer esse aumento para gerar caixa para bancar subsídio para a indústria automobilística. Ainda mais em um governo que vive falando que precisa reduzir o custo Brasil. É um contrassenso. Vai aumentar o custo logístico para todos os setores, pois a maior parte dos produtos é transportada por meio rodoviário, em caminhões. É o pior tipo de intervenção que pode acontecer.

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Por quê?

Os problemas são muito mais sérios e não se revolvem com incentivos. Não faz sentido uma política anticíclica com esse volume (verba) que não vai mexer em nada na produção industrial e nos problemas estruturais. Joga R$ 1,5 bilhão no PIB — não é nada. É dinheiro de pinga, como diziam antigamente.

O que seria mais viável no momento?

O governo precisa chamar a indústria e fazer um diagnóstico do setor, mas antes é preciso uma liderança nova. O mundo foi mudando sua matriz industrial, adotando mais tecnologia, e as lideranças empresariais no Brasil continuaram do mesmo jeito. Hoje, o diagnóstico do BNDES é errado, porque acha que vai resolver o problema da indústria fechando a importação. Nossa indústria manufatureira está morrendo. Hoje temos poucos casos de sucesso. Um deles o da Weg (de equipamentos elétricos), que investiu muito em tecnologia. Tem a Randon (do setor de soluções para o transporte), ligada ao agronegócio, que opera com equipamentos de ponta.

Como o sr. avalia o desempenho da indústria e o da agropecuária?

Um dos fenômenos de certa forma escondidos para que a indústria esteja nessa situação se chama Fiesp e CNI. Essas entidades sempre fizeram lobby para o setor no Executivo, com presidentes e ministros, e eu inclusive já participei disso quando era presidente do BNDES. Desde os anos 1970, 1980, sempre exploraram as vantagens fiscais, o bloqueio da importação e não queriam a abertura. Já a agricultura faz seu lobby no Congresso, que hoje tem mais poder que o Executivo. Se não me engano, 80% dos deputados têm alguma ligação com o agronegócio.

A indústria reclama que o setor agro recebe subsídios há vários anos, como o Plano Safra.

Só tem o Plano Safra porque tem um Congresso que defende o setor. A agricultura paga 8% de juro nominal ao ano, enquanto a indústria paga 20%, 21%, 22%. A indústria, tirando alguns benefícios, paga a maior taxa de impostos do Brasil. A carga fiscal do agronegócio é cerca de 60% de indústria. Também derivado da força do agronegócio no Congresso.

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Uma das defesas do setor do agro é que são grandes exportadores.

Eles têm de competir, por exemplo, com a soja americana, então precisam ter o mesmo padrão tecnológico. E é impressionante a quantidade de equipamentos tecnológicos que a agricultura utiliza, porque ou se moderniza ou não consegue enfrentar os Estados Unidos. A própria indústria automobilística nossa faz um produto de qualidade, mas com um custo absurdo. O custo Brasil tem de ser enfrentado. A indústria não pode ter a carga fiscal que tem, pois não dá para competir lá fora se tem uma estrutura de impostos muito superior a de outros países. No limite, o Brasil vai ficar sem indústria, vai ficar só com a indústria voltada ao agronegócio.

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