PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião|O Brasil e o "multilateralismo do século XXI"

Fernando Haddad defende em reunião do G-20 nova coordenação econômica global para enfrentar "policrise" mundial. Brasil pode ter algum papel nessa agenda, desde que diplomacia nacional abandone antiamericanismo infantil e megalomania terceiro-mundista.

Foto do author Fernando Dantas

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao discursar hoje (13/10, sexta-feira), no G-20 em Marrakesh, sobre um mundo em "policrise" e sobre a necessidade de um "multilateralismo do século XXI" (como relata reportagem de Aline Bronzati, enviada especial do Broadcast à reunião do G-20), tocou em temas cuja discussão vêm crescendo no establishment global.

PUBLICIDADE

Os ataques em escala inédita do Hamas a Israel e a nova rodada de conflito - que também promete atingir uma dimensão sem precedentes - entre israelenses e palestinos são mais um atestado de deterioração da ordem mundial pós-queda do Muro de Berlim.

Com o fim do comunismo no Leste Europeu e na Rússia, imaginou-se que a ordem liberal capitaneada pelos Estados Unidos, com apoio dos seus aliados da Europa e da Ásia, levaria a um mundo crescentemente democrático e movido por um capitalismo cada vez mais globalizado.

A ascensão da China ditatorial e formalmente comunista como superpotência, nessa abordagem mais otimista, não era vista como um grande problema. O fenomenal crescimento econômico do país começara com as reformas pró-mercado de Deng Xiaoping e a expectativa era de que o emburguesamento capitalista levasse à abertura política. O Ocidente apoiou vigorosamente a integração da China nas instituições do multilateralismo liberal, como no caso do ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O atentado às torres gêmeas no início deste século foi um dos primeiros sinais mais fortes de que "algo está fora da ordem na nova ordem mundial", como na música de Caetano Veloso.

Publicidade

A grande crise financeira global de 2008-09 encarregou-se de desmoralizar o "Consenso de Washington" e deu munição para os adversários do neoliberalismo. No outro lado de espectro político, as turbulências econômico-financeiras que se prolongaram pela segunda metade deste século estão na origem do ressurgimento do populismo de extrema-direita, como nos casos de Donald Trump e Jair Bolsonaro.

A China, por sua vez, caminhou numa direção simultaneamente mais estatista e menos democrática, o oposto do antecipado pelos liberais otimistas. E a invasão da Ucrânia pela Rússia e, agora, o mega-ataque do Hamas a Israel (que deve provocar reação de magnitude ainda maior) indicam que ser aliado dos Estados Unidos é cada vez menos garantia de invulnerabilidade.

A combinação do recrudescimento do nacionalismo econômico com o aumento das suspeições geopolíticas colocou em marcha certa retração da globalização triunfante dos anos 90. Esse movimento se deu por meio de mais protecionismo, redesenho e encurtamento de cadeias produtivas e a volta do prestígio das políticas industriais.

Segundo Haddad, "em vez do triunfo da globalização e de uma ordem mundial liberal centrada no livre comércio, o que vemos hoje é uma crescente fragmentação geoeconômica e um multilateralismo ineficaz".

O ministro da Fazenda pregou a necessidade do "multilateralismo do século XXI" como uma nova coordenação econômica global para enfrentar a policrise, com atenção a problemas atuais como os efeitos da elevação dos juros dos países ricos, a nova crise de dívida entre países pobres e alguns de renda média e a "catástrofe ambiental iminente".

Publicidade

O discurso de Haddad apontou questões muito relevantes do mundo atual e, o que é mais importante, chamou a atenção para uma agenda na qual um país democrático, multirracial e miscigenado, com relações amistosas com as principais potências e com significativo peso econômico e populacional, como o Brasil, pode desempenhar um papel significativo.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Para isso, no entanto, é necessário que os arroubos de megalomania terceiro-mundista e ímpetos antiamericanos que por vezes tomam conta da diplomacia lulista - como querer se meter no conflito entre Rússia e Ucrânia minimizando a culpa do agressor - deem lugar à velha tradição de combinar independência com sensatez que caracterizou o Itamaraty por longo tempo.

O Brasil como ator geopolítico tem trunfos para construir pontes entre países ricos e pobres, para defender uma globalização econômica mais inclusiva e para exercer um papel importante em temas como meio ambiente, políticas sociais, combate ao racismo e direitos dos povos originários.

Mas para abraçar essa agenda é preciso que os governantes brasileiros não vejam o País nem como maior nem como menor do que ele verdadeiramente é. E é necessário também que a diplomacia nacional, em vez de buscar os aplausos fáceis de grupos militantes sectários à esquerda e à direita (como, respectivamente, por vezes neste governo e quase sempre no anterior), mergulhe no trabalho mais difícil, mas também mais gratificante, de contribuir, em parceria com os principais atores geopolíticos mundiais, para a busca das soluções possíveis para os muitos e espinhosos problemas da "policrise" global.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Publicidade

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/10/2023, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.