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Fazenda usa prazo curto de desoneração da folha como estratégia de negociação; centrais anunciam ato

Com benefício suspenso por liminar do STF, setores voltarão a pagar a contribuição cheia já no próximo dia 20; Congresso tenta costurar acordo e empresas e sindicatos se unem em manifestação

Foto do author Mariana Carneiro
Foto do author Bianca Lima
Por Mariana Carneiro e Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - O Ministério da Fazenda está usando o calendário apertado para a retomada do recolhimento integral da contribuição patronal para pressionar os 17 setores afetados pela reoneração da folha de pagamentos. Como o benefício foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), as empresas deverão voltar a pagar a contribuição pela alíquota cheia já no próximo dia 20. Ou seja, o prazo é curto, o que dá vantagem ao governo nessa nova mesa de negociação.

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Empresas e parlamentares pedem que a Receita Federal institua uma noventena (um prazo de noventa dias) para a reoneração da folha, para que haja um tempo maior de negociação sem a “ameaça” dessa cobrança no curto prazo. Os empresários querem levar um pedido formal ao ministro Fernando Haddad, mas há resistências dentro da Fazenda, que não vê motivos para flexibilizar a data e quer aproveitar a atual conjuntura para fechar um acordo rapidamente.

O ponto principal de negociação neste momento gira em torno de uma reoneração gradual dos setores atendidos. A equipe econômica defende a reoneração escalonada até 2027, data de validade da medida, e argumenta que não há fonte de financiamento definida para a política. As empresas consideram as propostas insuficientes e pedem ajustes.

Em meio a essas tratativas, empresas e centrais sindicais estão convocando um ato nesta quinta-feira, 9, na Avenida Paulista, em São Paulo, contra a decisão do STF e do governo. Devem participar da manifestação a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), além de representantes dos segmentos de telecomunicações, tecnologia da informação, construção civil e comércio. Os 17 setores incluem milhares de empresas que empregam 9 milhões de pessoas.

Desoneração da folha torna-se novo ponto de atrito entre os 3 Poderes; a pedido do Executivo, STF suspendeu medida aprovada pelos parlamentares. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A equipe econômica vem se colocando de forma contrária ao adiamento da reoneração. Técnicos da Fazenda argumentam que não há que se falar em noventena quando há uma declaração de inconstitucionalidade, em referência à liminar do ministro Cristiano Zanin, do STF, que acatou ação protocolada pelo governo e suspendeu o benefício às companhias. Esse entendimento, porém, é questionado por tributaristas, que citam jurisprudência do próprio STF em direção contrária.

O segundo ponto elencado é o fato de o governo não poder abrir mão de receita pública sem que haja previsão legal para tal. Ou seja, seria necessário aprovar uma lei específica prevendo essa mudança de prazo.

Ao Supremo, o governo alegou que a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos até 2027 foi aprovada no Congresso sem que fosse apontada fonte de financiamento, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

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Em recurso apresentado à Corte, porém, a Advocacia do Senado afirma que o artigo 113 da Constituição, citado pela Advocacia-Geral da União (AGU), “não exige que sejam apontadas fontes de compensação” fiscal para medidas com renúncia, como é o caso da desoneração. Os advogados da Casa afirmaram, ainda, que há “inequívoco espaço fiscal para que (a desoneração) seja acomodada sem risco de prejuízo ao interesse público”.

O desgaste entre Executivo e Legislativo em torno desse tema se intensificou no fim de 2023, após a Fazenda editar uma Medida Provisória com a reoneração gradual das atividades a partir de abril. A decisão abriu uma crise com o Congresso, que avaliou que o Executivo passou por cima de decisões soberanas da Câmara e do Senado.

As duas Casas aprovaram a prorrogação do benefício por ampla maioria: na Câmara, foram 430 votos favoráveis e 17 contrários; enquanto que no Senado o tema foi aprovado em 10 minutos, por meio de votação simbólica.

Na sequência, a lei foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado por placares igualmente folgados. No Senado, 60 senadores votaram pela derrubada, e 13 pela manutenção. Já na Câmara, foram 378 votos pela derrubada e 78 para sustentar o veto.

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As negociações então recomeçaram com a proposta de um novo projeto de lei. Parlamentares avaliaram, então, que, se quisesse votos, o governo teria de ceder e se aproximar mais da proposta do Congresso. O projeto não avançou e o governo passou por cima da decisão do Congresso e recorreu ao STF.

O relator, ministro Cristiano Zanin, acatou a ação protocolada pelo governo e suspendeu a desoneração. O julgamento, no entanto, foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux, que tem até 90 dias para devolver o processo. Até a suspensão, havia cinco votos favoráveis ao governo - ou seja, faltava apenas um para formação de maioria.

Propostas em discussão

Representantes dos 17 setores se reuniram nesta segunda-feira, 6, em encontro virtual, para discutir estratégias em meio ao prazo apertado para o fim da desoneração.

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Segundo interlocutores ouvidos pelo Estadão, duas propostas enviadas por membros do governo foram levadas ao encontro. Ambas, porém, foram consideradas insuficientes em uma primeira análise. A avaliação é que ainda necessitam de ajustes e maiores negociações.

Hoje, esses setores pagam alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários.

Uma das propostas em debate cria uma reoneração gradual, em que a cobrança sobre a receita iria sendo reduzida com o passar dos anos, à medida em que a tributação da folha aumenta.

Pela tabela em discussão, a desoneração seria mantida em 2024. Já em 2025, seria uma combinação de 80% da alíquota sobre a receita e outros 5% sobre a tributação da folha. Em 2026, passaria a ser 60% da alíquota sobre a receita e 10% sobre a folha. E, em 2027, cairia a 40% sobre a receita e a taxação da folha chegaria a 15%.

Segundo o senador Efraim Filho (União-PB), autor do projeto que prorrogou o benefício até 2027, esse modelo de reoneração gradual, sem cobrança em 2024, será o ponto de partida para as novas conversas. “Vamos ajustar esses porcentuais”, diz o parlamentar.

Caso não haja acordo no curto prazo, Efraim afirma que o Congresso partirá para o plano B: a discussão de um projeto prevendo a noventena. “É uma possibilidade que está em aberto, porque o pior cenário é o da insegurança jurídica. Por isso que se busca uma solução rápida. Se ela não vier, teremos de dar mais prazo”, diz.

Questionado sobre se haveria a necessidade de compensação fiscal para a manutenção do benefício em 2024, o parlamentar afirmou que o “Senado já deu fonte de compensação demais”. Mas ponderou que, se o problema for esse, “a gente coloca o DPVAT como compensação”.

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Efraim se refere ao projeto que cria um seguro nos moldes do antigo DPVAT, para vítimas de acidentes de trânsito. O texto é de grande interesse do governo, pois permite a abertura antecipada de um crédito de cerca de R$ 15 bilhões.

Para os empresários, a falta de previsibilidade no curtíssimo prazo preocupa. “A discussão da desoneração da folha é um dos exemplos de insegurança jurídica que nós temos no Brasil”, avalia Pablo Césario, presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). Ele destaca que, desde outubro do ano passado, a regra tributária passou por diversas idas e vindas, com decisões conflitantes dos três Poderes.

“Nós tivemos uma decisão do Congresso, que foi vetada (pelo presidente Lula), aí o veto foi derrubado (pelos parlamentares). Essa mesma decisão foi objeto de uma Medida Provisória, que depois foi judicializada. E a implementação dessa medida (de reoneração da folha) está sendo feita a partir de uma decisão monocrática do Judiciário”, destaca Cesário.

“Do ponto de vista de planejamento, isso é um pesadelo para as empresas, independente do tema em si. Isso impede a previsibilidade que as companhias precisam ter, não apenas no longo prazo, mas inclusive no curto prazo, já que, hoje, elas não têm segurança sobre o que vão pagar neste mês”, diz.

Líder do governo sinaliza proposta até quinta-feira

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse ao Broadcast Político que Haddad deve fechar até quinta-feira, 9, o desenho da proposta para desonerar a folha de pagamento tanto das empresas como dos municípios.

Segundo Wagner, Haddad está focado, no momento, em alinhar um acordo com os setores interessados na desoneração e com os representantes dos municípios. Esse entendimento deve ser fechado ainda nesta semana, disse o líder do governo.

Após ter o texto minimamente consensuado com prefeitos e empresários, Haddad deve focar os esforços na negociação política com o Congresso./ Com Gabriel Hirabahasi, da Broadcast

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