A produção industrial de julho, que cresceu acima do teto das expectativas do mercado, reforçou ainda mais a percepção de que a economia brasileira engrenou definitivamente numa recuperação lenta e gradual.
É bom realçar neste momento que os defensores do atual ajuste econômico, dentro e fora do governo, se provaram com a razão. Já aqueles que diziam que o ajuste fiscal era uma importante causa da virulência dessa recessão terão dificuldade em explicar por que a retomada ocorre justamente em 2017, quando a política fiscal tornou-se bem mais apertada do que em 2016 e aconteceu um dramático corte do investimento público.
É verdade, dirão alguns, que as previsões dentro do governo eram de que a retomada começasse antes e fosse mais forte. Ora, é natural que projeções oficiais tenham viés otimista, e o que se critica aí é quando esta tendência politicamente compreensível é turbinada até se tornar uma caricatura e trombar de forma grotesca com a realidade. Não é isso que acontece agora.
O fato de que esteja, sim, ocorrendo uma recuperação demonstra que a leitura geral da situação econômica por Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn e suas equipes estava correta.
É relevante também relembrar a tempestade de críticas que se abateu sobre o BC de Ilan, que teria se atrasado no afrouxamento monetário e seria outro responsável pela severidade da recessão. Hoje o que se vê é que esse rigor inicial da autoridade monetária efetivamente cortou a cabeça do dragão inflacionário, abrindo uma larga e longa avenida para a queda dos juros nominais e reais, que já está sendo e deve ser cada vez mais o esteio seguro da retomada (salvo choques imprevisíveis).
É inegável, por outro lado, que o governo Temer, na área econômica, está tendo sorte. O ambiente internacional combina, como nota Alexandre Bassoli, economista-chefe da área de gestão de ativos do grupo Opportunity, alta liquidez, aceleração do crescimento e comércio globais e elevação dos preços de commodities.
Com isso, não é apenas o Brasil que está sendo empurrado pelo cenário externo, mas também boa parte da América Latina. E este fato, de quebra, beneficia as exportações de manufaturados brasileiros para a região, como os veículos para a Argentina.
No caso da produção industrial de julho especificamente, Bassoli vê como pontos positivos a difusão e a disseminação por setores, com destaque para o bom desempenho dos bens de capitais, sinalizando (junto com dados de aumento de importação de bens de capitais em agosto) que o desempenho do investimento no terceiro trimestre pode ser melhor do que o do segundo. O que continua a pegar no investimento é a construção civil, cujos sinais são menos promissores.
A recuperação da agropecuária no primeiro trimestre, o FGTS no segundo e os efeitos defasados da grande queda do juro real daqui para a frente são fatores que ajudam a explicar a recuperação e suas perspectivas de prosseguimento. As taxas prefixadas reais ex-ante de um ano, que estavam em 7% no último trimestre do ano passado, agora caíram para algo entre 3% e 3,5%, nota Bassoli.
Mas não há razão para ufanismo. O economista observa que países da América Latina como Peru, Chile e Colômbia devem ter um crescimento de renda per capita superior a 30% na atual década, período difícil para a região, enquanto o Brasil - de acordo com as projeções do FMI - vai ficar no zero a zero. O economista vê um crescimento brasileiro de 3% em 2018, o que é bom, levando-se em conta o clima de terror pós 17 de maio, mas ainda é medíocre considerando que o País está saindo da pior recessão da sua história.
"É positivo que a recessão fique para trás, mas o que a gente deve almejar é chegar a 2030 e poder dizer que em termos de crescimento sustentado ficamos próximos dos nossos pares latino-americanos", diz Bassoli. Se a atual recuperação cíclica não for acompanhada por um efetivo ajuste fiscal, incluindo a reforma da Previdência, é muito provável que esse desejo não se concretize.
Assim como estava claro para os defensores do atual ajuste que em algum momento viria a retomada cíclica, também é evidente que, sem ajuste fiscal, a recuperação é frágil. É difícil prever como e quando novas frustrações acontecerão, mas é certo que sem solidez fiscal o Brasil continuará atolado na armadilha da renda média. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/9/17, terça-feira.