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Fim do primeiro turno: a onda Marina passou

Entre o início da campanha eleitoral e o resultado do primeiro turno, os brasileiros embarcaram em uma montanha-russa

Por J. P.
Atualização:
Um claro posicionamento de Marina Silva poderia favorecer Aécio Neves Foto: Reuters

SÃO PAULO - Se há um mês, um especialista fosse consultado para prever o resultado das eleições brasileiras no dia 5 de outubro, a resposta seria mais ou menos a mesma em relação ao resultado real.

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Após algumas poucas horas de apuração dos 115 milhões de votos - graças ao eficiente sistema eletrônico de votação brasileiro -, Dilma Rousseff continuou na liderança com 42% dos votos, uma vantagem de 8 pontos percentuais em relação a Aécio Neves, principal opositor da candidata à reeleição, e membro do partido de centro-direita PSDB. Marina Silva, candidata do partido centrista PSB, ficou com um respeitável terceiro lugar, com 21% dos votos. Confirmando as expectativas de um mês atrás, Dilma e Aécio agora disputarão a Presidência no segundo turno, no dia 26 de outubro.

Entre o início da campanha eleitoral no dia 6 de julho e o resultado do primeiro turno, contudo, os brasileiros embarcaram em uma montanha-russa.

Há apenas dois dias, Aécio Neves estava em terceiro. Seu estatuto de principal oponente de Dilma Rousseff havia sido usurpado por Marina Silva. A popular ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, candidata pelo PSB, decolou nas pesquisas após a morte do candidato original do partido, Eduardo Campos, em um acidente de avião em meados de agosto. Mas a campanha de Marina Silva seguiu a passos lentos, especialmente no Sudeste, a região mais populosa do País, e sua performance foi abalada no debate crucial da última quinta-feira 2 de outubro, quando Neves ganhou uma oportunidade de crescimento sem precedentes que deverá ser estudada pelos analistas políticos durante muitos anos. Marina Silva também sucumbiu aos ataques de Dilma Rousseff, que injustamente acusou Marina de querer acabar com os programas sociais destinados aos setores mais desfavorecidos e de fazer acordos escusos com banqueiros. Esse último comentário foi uma punhalada certeira, pois Marina advoga a independência do Banco Central e um de seus conselheiros mais próximos, um sociólogo, vem de uma das famílias com mais terras no Brasil.

Aécio Neves sempre foi o preferido dos que votam em zonas eleitorais como o colégio St. Paul, escola privada de elite em São Paulo. "Todos aqui votam em Aécio Neves", afirmou um pai bem vestido ao seu filho. A elite brasileira rechaça Rousseff e seu Partido dos Trabalhadores (PT), acusados de inchar o Estado e administrar mal a economia.

Mas militantes do PSDB também estenderam seus tapetes vermelhos em ruas bem afastadas do arborizado bairro dos Jardins. No Capão Redondo, a periferia mais pobre da cidade, localizada na Zona Sul, alguns locais condenam o PT por ter instaurado uma cultura de caridade, o que desencorajaria o trabalho. A imagem de homem de negócios sustentada por Aécio Neves, assim como sua reputação de "gente que faz" como governador de Minas Gerais, o segundo Estado mais populoso do País, também tiveram apelo junto ao público eleitor.

Neves realizou uma campanha correta no Estado de São Paulo, o maior do Brasil, e conseguiu 20 pontos. No Brasil como um todo, os números alcançados por Dilma Rousseff no primeiro turno foram os mais baixos desde o retorno das eleições diretas em 1989. Mas agora, se Neves quiser enfrentá-la diretamente, precisará convencer e ganhar o apoio de grande parte da classe média brasileira, especialmente nas regiões onde o PT tem muita força, como no pobre Nordeste.

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Um claro posicionamento de Marina Silva poderia favorecer Aécio Neves. De origem humilde e lutadora, ela tem mais credibilidade junto aos setores menos favorecidos que o PSDB, conhecido como o partido dos ricos. Ela ganhou em Pernambuco - Estado natal de Campos - com 48%, contra os 44% alcançados por Dilma Rousseff. Neves amargou míseros 6% nesse Estado.

Em 2010, quando também ficou em terceiro nas eleições presidenciais com 20% dos votos, Marina Silva decidiu não apoiar nenhum candidato no segundo turno; o PT venceu. Até o momento, Silva não revelou se vai pender para algum lado da balança. "Os votos mostram um desejo de mudança substancial", observou ela ao comentar os resultados das urnas neste domingo. E acrescentou que seu apoio será condicionado à convergência política.

O apoio dela a Aécio Neves não seria impossível nesse caso: muitas de suas propostas em cima do muro se alinham com as de Neves, especialmente na economia: ambos promovem uma política monetária e fiscal ortodoxa, maior abertura dos mercados e menos interferência do governo na economia. Na última semana de campanha, Aécio Neves aliviou a pressão sobre Marina Silva - depois de criticá-la por despreparo para assumir a presidência e relacioná-la a Dilma Rousseff por ter sido membro do PT durante 25 anos, antes de tentar articular um novo partido e se filiar ao PSB para as eleições.

Mesmo com o apoio de Marina Silva, o trabalho de Aécio Neves será árduo no segundo turno. Não se sabe que parcela de apoiadores de Marina Silva transferiria seu voto ao candidato do PSDB, já que muitos são de esquerda e consideram esse partido elitista. De acordo o Polling Data, um site de pesquisas que desenhou dois cenários para o segundo turno - Dilma e Marina, Dilma e Aécio -, a candidata à reeleição se mantém favorita em ambos. Os resultados de domingo comprovam a descrição de Aécio Neves de "onda passageira" para o crescimento de Marina Silva após a morte de Eduardo Campos. E deve estar torcendo para que o momento atual se transforme de passageiro em algo mais duradouro. © 2014 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Da Economist.com, traduzido por Livia Almendary, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado no site www.economist.com

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