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Primeira bolsa de crédito de carbono do Brasil aponta tentativa de listagem de créditos falsos

Segundo a B4, dos 20 milhões de créditos de empresas que tentaram listar seus ativos na bolsa nas duas primeiras semanas de operação, apenas 1% teria sido aprovado

Foto do author Beatriz  Capirazi
Por Beatriz Capirazi
Atualização:

Em duas semanas de operação, a primeira bolsa de crédito de carbono do Brasil, a B4, recebeu a tentativa de listagem de falsos créditos de carbono. Segundo a bolsa, dos 20 milhões de créditos de empresas que tentaram listar seus ativos desde o lançamento da plataforma, no último dia 16, apenas 1% teria sido aprovado.

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De acordo com a B4, a situação demonstra que o greenwashing (“lavagem verde”, em inglês), situação que se refere ao ato de ações falsas de sustentabilidade constantemente associado ao ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança corporativa), também estaria crescendo no mercado de carbono, sendo um ponto de atenção para a regulamentação desse mercado, em discussão no Congresso.

“Essa situação é bem comum lá fora, onde o mercado de crédito de carbono já está mais estabelecido. Esses créditos não valem mais, eles não conseguem negociar no país de origem e tentar listar em algum outro país”, diz o fundador da B4, Odair Rodrigues.

O mercado de créditos de carbono foi um dos mecanismos criados para diminuir as toneladas de dióxido de carbono. Os créditos de carbono se refere a um sistema de compensação de emissões que, na prática, transforma o CO2 em uma commodity comercializável.

Na prática, asa empresas mantem a sua emissão e ajudam a reduzi-la em outro lugar, servindo para que indústrias poluentes alcancem suas metas climáticas sem precisar mudar o seu negócio central. Para as empresas, os créditos nada mais são do que certificados emitidos para uma empresa que reduziu a sua emissão de gases do efeito estufa e podem ser negociados.

Ele explica que diversos fatores levam um crédito a ser considerado falso ou não valer mais. Dentre eles, por exemplo, um crédito ter sido inventariado há anos e não ter nenhum tipo de acompanhamento.

“Se um crédito de carbono foi inventariado em 2017, garantindo que aquelas florestas estavam em pé, o que garante que elas continuam em pé? Nas empresas que listaram na B4, conseguimos relatórios que demonstraram que, em vários casos, aquela área já havia sido queimada.”

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Rodrigues explica que um segundo fator que levou diversas empresas que vendem créditos a terem a sua solicitação de listagem barrada é a empresa ter perdido o mandato daquele crédito. A empresa titular pode, por exemplo, ter vendido aquele crédito para uma corretora. Neste caso, não há segurança para listar e pagar quem, de fato, é o dono daquele crédito pela quantidade de intermediadores na transação financeira.

“Se uma empresa tenta listar e, no levantamento de informações, descobrimos que uma outra empresa está negociando também, há duplicidade, o que é justamente o que queremos evitar”, afirma Rodrigues, lembrando que esse é um dos principais focos do uso da tecnologia blockchain, cadeia de dados que permite o compartilhamento de bens e informações em uma base segura e imutável.

A duplicidade acontece quando um crédito de carbono é emitido ou negociado mais de uma vez, resultando em usos indevidos de um ativo já debitado.

Plataforma vai negociar créditos de carbono no País Foto: Olivia Zhang/AP - 28/11/2019

O fundador da B4 diz que a duplicidade de créditos é comum no exterior e nas negociações dos ativos e é considerado o maior problema do mercado de crédito de carbono. Com a rastreabilidade da blockchain, que permite o acompanhamento daquele ativo durante toda a sua vida útil, esse problema deve ser evitado.

Regulação do mercado de carbono

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Rodrigues afirma que esses problemas já são conhecidos de quem atua na compra ou venda de créditos de carbono. No entanto, ele afirma que embora a blockchain seja uma grande aliada no processo, a regulação é essencial para que o mercado tenha uma segurança maior e casos como os citados diminuam.

Atualmente, não existe uma regulação desse mercado no Brasil. No dia 21 de agosto a relatora do projeto de lei de crédito de carbono, a senadora Leila Barros (PDT) apresentou um primeiro texto com as normativas que devem regular este mercado.

O texto, que propõe um recorte horizontal para as emissões, e não por setores, afetando principalmente a indústria, é considerado bom por Rodrigues. Ele, no entanto, destaca que percebeu uma similaridade do texto com apoio a projetos de ONGs.

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“O texto foca no apoio a projetos sustentáveis de carbono e isso é bom para o mercado, mas talvez gere uma confusão, porque é diferente. Os créditos geram lucro para elas, elas podem transformá-los em ativos financeiros e negociá-los com ganho. Nas ONGs, você reduz imposto patrocinando um projeto, mas não transforma em lucro. É importante ter esse ponto claro.”

Bolsa de crédito de carbono

Com duas semanas de operação parcial, já que a abertura da mesa de negociações será ativada somente nesta quarta-feira, 30, a B4 informa que recebeu mais de 30 pedidos de compra de crédito de carbono, com um montante de US$ 18 milhões (cerca de R$ 88 milhões) em fase de negociação.

Segundo relatório interno da empresa obtido pelo Estadão, as solicitações das empresas ainda têm como foco a compra de crédito de carbono de energia renovável, recuperação de matas, reciclagem e créditos voltados a cédulas ambientais.

A B4 informou que grandes empresas que atuam com petróleo já compraram créditos na primeira semana de operação e estão em processo de aprovação por meio de subsidiárias.

A empresa disse ainda que grandes empresas da indústria de automóveis também teriam comprado créditos. Segundo ela, essas empresas já estariam se movimentando para se tornarem mais sustentáveis, com algumas aumentando a produção de carros elétricos e começando a compensação para a linha de montagem, com foco em migrar para uma “logística verde”.

Segundo o fundador da B4, o motivo para várias empresas e fundos de investimento terem se posicionado, mas ainda não anunciado, é que “não querem ficar expostas”.

Segundo a B4, as empresas que podem listar ativos são: o Projeto SOS Vida Silvestre, com cerca de mil cédulas ambientais equivalentes a US$ 5 milhões; a WayCarbon, com aproximadamente 1,8 milhão de toneladas de créditos de carbono, o equivalente a US$ 8 milhões, a Ecom energia, com aproximadamente 500 mil toneladas, o equivalente a US$ 3 milhões e a Companhia de Desenvolvimento e Serviços Ambientais (CDSA) do Acre, com cerca de 70 milhões de toneladas de carbono.

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Após a publicação da matéria na última quarta-feira, 30, o CDSA soltou nota pública pedindo a retirada do nome da empresa da reportagem e contestando a informação dada pela B4. A bolsa de crédito de carbono informou ao Estadão que a proposta está em fase de análise e aguarda aprovação do Conselho de Administração da CDSA.

Em nota, a CDSA afirma que “não tem contrato assinado com B4, não tem MoU, não tem nada que permita afirmar que vamos listar.”

Após a publicação da matéria a WayCarbon contestou a informação fornecida pela B4, afirmando por meio de nota que não haverá listagem na bolsa de crédito de carbono. “Diferentemente do informado, a WayCarbon não listará créditos de carbono na B4″.

Em nota, a Ecom também afirmou não ter ligação formal com a B4 nem ativos na bolsa de crédito de carbono no momento.

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