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Pesquisa aponta que fundos ESG podem não ser tão verdes quanto parecem

Estudo de plataforma de dados indica que um em cada sete tem emissões de carbono maiores do que a média de todos os fundos de investimento

Foto do author Luis Filipe Santos
Por Luis Filipe Santos
Atualização:

Um em cada sete fundos de investimento que se classificam como sustentáveis gera emissões de carbono em intensidade maior que a média de todos os fundos, e nenhum que leva a classificação de ‘climático’ no nome está totalmente alinhado com as metas do Acordo de Paris, que visa limitar as emissões de gases de efeito estufa, apontou pesquisa da plataforma de dados de sustentabilidade e tecnologia ESG Book publicada na semana passada.

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A análise levou em conta 420 fundos que levam no nome a sigla ESG (ou seja, questões ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) e 95 que têm o termo “climático”. Em meio às preocupações com o aquecimento global e outras questões, como a preservação da biodiversidade e a redução da desigualdade social e da pobreza, investidores passaram a buscar fundos que as consideram ao decidir onde aplicar o dinheiro, tanto pela reputação e imagem pública quanto por acreditarem em retornos maiores no longo prazo, devido à avaliação de riscos e oportunidades.

Trilhões de dólares já foram colocados em fundos que afirmam levar o ESG em consideração. Ao mesmo tempo, aumentou a fiscalização sobre os fundos, para assegurar que o dinheiro está sendo investido no que promete e trazendo os efeitos e retornos prometidos, embora as métricas aplicadas ainda variem muito.

Segundo Ciaran McCale, chefe de comunicações da ESG Books, a análise busca fornecer mais informações aos investidores sobre o desempenho de sustentabilidade dos produtos financeiros. “Após o recente debate sobre as novas regras dos EUA sobre rotulagem de fundos ESG, realizamos nossa pesquisa para fornecer uma imagem mais clara para nossos clientes sobre a comercialização de fundos “verdes” e enfatizar a importância de examinar os dados reais”, afirma. A metodologia foi desenvolvida pela plataforma a partir de caminhos e padrões do setor, como os da Agência Internacional de Energia, entidade ligada à OCDE, para atribuir aumentos de temperatura implícitos a corporações.

Foco pode não estar no ambiente

Gustavo Pimentel, CEO da consultoria brasileira Nint, focada em ESG, avalia que pode não ser um caso de enganar os consumidores entre os que usam a sigla, e sim de focar nos outros pontos, os sociais e de governança. “Também é comum a utilização de médias ponderadas dos 3 fatores, resultando numa pontuação ESG geral, o que levaria fundos com boa performance no S ou G a compensarem performance pior no E de emissões de gases de efeito estufa”, explica.

Em relação aos climáticos, também outros pontos podem ser levados em conta, como a exposição ao risco e a busca por formar uma carteira melhor preparada para economias de baixo carbono, ainda que no momento sejam mais emissoras.

Plataforma de análise de dados questiona investimentos de fundos ESG e climáticos em empresas de combustíveis fósseis e mineração Foto: Reuters

Números

Entre os 515 fundos analisados, 73 têm uma taxa de intensidade de emissões ainda piores do que a média registrada nos 36 mil fundos que a ESG Book rastreia. Quinze ainda excederam o número de 400 toneladas de carbono por US $1 milhão de receita gerada, mais do que o dobro da média geral. Nenhum dos 95 que levam o termo “climático” está 100% alinhado com as metas do Acordo de Paris.

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O estudo ainda calculou o desempenho dos ativos investidos pelos fundos, medindo quanto ajudariam a limitar o aumento da média da temperatura global em relação aos níveis antes da Revolução Industrial - se em até 1,5ºC, 2ºC, 2,5ºC, 2,7ºC ou acima de 2,7ºC. O consenso científico é de que uma elevação acima de 2ºC levaria a eventos climáticos extremos e alterações irreversíveis em biomas, com perda de biodiversidade. Embora a maioria dos fundos ainda esteja entre os que ajudam a limitar entre 1,5ºC e 2ºC, há os que estão nas outras faixas, que somados, chegam a cerca de 14%. Por outro lado, 16% desses fundos sequer identificam esses ativos.

A situação piora ao comparar os resultados dos 20 fundos que têm pior desempenho. Entre eles, 29% tem resultados que levariam a um aumento da temperatura acima de 2,7ºC, mais do que os que investem para limitar a 1,5ºC (16%) e um pouco abaixo dos que buscam 2ºC (34%).

A ESG Books questiona ainda os investimentos realizados em setores como combustíveis fósseis e mineração. Embora reconheça que eles podem estar em carteiras de transição climática, a plataforma estranha que apareçam nos que se denominam ESG ou climáticos e pede mais transparência quanto a eles.

A plataforma avalia que mudanças na legislação podem ser benéficas para ajudar os investidores a encontrarem os fundos realmente verdes e prover confiança aos investidores, como as realizadas em maio de 2022 pela Securities and Exchanges and Comissions (SEC), órgão federal dos Estados Unidos que tem papel semelhante ao da Comissão de Valores Mobiliários no Brasil, e em agosto de 2022 pela União Europeia. Segundo a ESG Books, a análise prova que continua sendo necessário checar a etiqueta dos fundos antes de decidir onde colocar o dinheiro.

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“A pesquisa destaca especialmente a falta de regulamentação e, portanto, padronização do que significa usar rótulos ‘clima’ e/ou ‘ESG’ com um fundo. Portanto, os investidores precisam observar os dados climáticos subjacentes dos fundos para entender seu desempenho. Certamente é verdade que muitos gestores de fundos não fornecem informações suficientes para determinar o desempenho do clima dos fundos”, comenta McCale, afirmando que o ESG Book trará mais métricas climáticas para os fundos no próximo ano, em busca do aumento na transparência.

Brasil

No Brasil, a questão pode ser ainda mais complicada. Não há regulamentação do setor público para os fundos, mas a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) instituiu uma autorregulação do setor para os fundos de investimento de ações e renda fixa, que podem acrescentar a sigla ‘IS’, de investimento sustentável. No entanto, Pimentel considera que as regras instituídas pela entidade não são suficientes.

“Acontece que para ser IS, entre alguns aspectos de transparência exigidos, basta ao gestor definir qualquer “Objetivo de Sustentabilidade” do fundo e seguir esse objetivo. O nível de ambição e benefício ESG gerado por esse objetivo pode variar infinitamente. O resultado é que os fundos ditos IS não serão comparáveis e só poderão ter seus benefícios atestados a partir de profunda diligência nos materiais disponibilizados, coisa que apenas os investidores profissionais conseguirão fazer”, critica o CEO da consultoria Nint.

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