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Haddad: ‘Não tem uma bancada bolsonarista e uma bancada lulista no BC’

Em entrevista ao Estadão, ministro minimiza racha sobre corte da taxa de juros e diz ver ‘fundamento técnico’ para divergência no Copom

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Por Bianca Lima , Mariana Carneiro , Amanda Pupo (Broadcast) e Fernanda Trisotto (Broadcast)
Atualização:
Foto: Daniel Teixeira / Estadao
Entrevista comFernando HaddadMinistro da Fazenda

BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, minimizou a divisão exposta no Comitê de Política Monetária (Copom) sobre o corte da taxa de juros nesta quarta-feira, 8.

De um lado, os quatro indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram por uma redução de 0,50 ponto porcentual. Do outro lado, cinco diretores que estavam no BC antes da chegada de Lula optaram por um corte menor, de 0,25.

O racha gerou desconfiança entre investidores e analistas, que veem risco de que o próximo presidente da instituição, a ser nomeado por Lula ainda neste ano, possa ser mais tolerante com a inflação para não bater de frente com os interesses do Palácio do Planalto.

Haddad afirma acreditar que a diferença ocorreu no campo técnico, sobre uma mudança rápida de direção em relação ao que era esperado até então.

“Eu não concordo com esse tipo de avaliação. Até em respeito aos profissionais que estão lá, não tem uma bancada bolsonarista e uma bancada lulista no BC. Eu acredito que a questão da guidance (orientação) tenha sido a razão da divergência”, afirmou Haddad, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

O ministro rebateu os temores de que a divergência possa suscitar dúvidas sobre a autonomia do BC.

“Essa é uma leitura superficial e ideológica. E, sinceramente, acho que essa questão nem se coloca. Eu considero que as pessoas indicadas por nós são iguais ou melhores do que as que saíram, do ponto de vista técnico e não tenho dúvidas que eles vão aportar um excelente trabalho”, afirmou.

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Ele voltou a dizer ser contrário à proposta de autonomia financeira do BC, em tramitação no Senado, e defendeu o reajuste de servidores oferecido pelo governo como uma válvula de escape para essa discussão.

Veja trechos da entrevista a seguir:

A decisão do Copom desta quarta-feira, 8, expôs uma divisão entre os diretores que já estavam no BC e os indicados pelo governo Lula. Como avalia o episódio?

Eu não concordo com esse tipo de avaliação. Até em respeito aos profissionais que estão lá, não tem uma bancada bolsonarista e uma bancada lulista no BC. Eu acredito que a questão da “guidance” (orientação) tenha sido a razão da divergência. Vou esperar pela ata porque é uma impressão, não tenho um diagnóstico, mas ouvindo muitas pessoas, creio que a divisão se deveu à guidance. Havia o compromisso de tirar o plural (do número de cortes previstos na taxa de juros) e repensar a trajetória a partir de novos dados. Eu acredito que tenha sido essa a questão, e não outra questão.

O sr. avalia que neste cenário seria positivo antecipar a indicação do sucessor do novo presidente do BC?

Isso é prerrogativa do presidente, ele quem decide o nome e a oportunidade. Não misturaria com outras coisas. Vamos tratar com serenidade, já houve um racha em agosto do ano passado a favor de um corte de 0,50 e ninguém acusou os quatro que perderam de bolsonaristas.

Mas dessa vez a divisão ocorreu justamente entre os quatro indicados pelo presidente Lula, de um lado, e os cinco que já estavam no BC do outro.

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Tem que ler a ata para saber se minha impressão se confirma, de que a guidance foi importante. Vocês vão se lembrar que já fizeram matérias sobre a discrepância entre os comunicados e as atas várias vezes. Não cabe precipitação, vamos analisar com calma. A impressão que eu tenho, e sei que não é só minha, é que talvez isso tenha sido o objeto de debate. Havia um compromisso de tirar o plural e manter a guidance e isso não foi observado.

Não era o caso de o Copom explicitar sua orientação atual?

O papel do BC é entregar a inflação dentro da meta, o que ele vai fazer pelo segundo ano consecutivo, depois de um longo e tenebroso inverno. E vai continuar fazendo pelos próximos anos, como aconteceu no primeiro e segundo mandato do presidente Lula.

Qual a expectativa da Fazenda para o juro no fim do ciclo de quedas?

É difícil antecipar o desdobramento disso até o final do ano. Muita coisa pode acontecer, inclusive coisas boas. O Banco Central Europeu acabou de dizer que não vai esperar o Fed para começar o ciclo de cortes, o que é uma notícia positiva. As bolsas de valores da Europa tiveram alta expressiva. Óbvio que isso não tem impacto direto mas repercute. As taxas de juros de fora repercutem. Mas como a nossa (taxa de juros) ainda está muito elevada, nós estamos temos espaço na política monetária para nos guiarmos para a melhor técnica.

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Essa redução do ritmo preocupa em termos de crescimento da economia?

A economia cresceu no ano passado com 13,75% ao ano (de taxa de juros). Estamos seguros de que as medidas de crédito que nós estamos tomando, as medidas de ajuste que estamos tomando, as negociações que estão sendo feitas, que não são fáceis… Às vezes a pessoa pergunta: como resolver o fiscal? A verdade é que há dez anos não se resolve o fiscal. Teve o pseudo superávit de 2022, mas tivemos 10 anos de déficit e penso que a agenda da Fazenda não deixa dúvidas sobre o nosso compromisso. Inclusive uma disposição de brigar por princípios que eu sinceramente não tenho lembrança de compromisso ter sido firmado de forma tão definitiva. De diminuir o gasto tributário, que chegou a mais de 6% do PIB, com o critério de justiça tributária, de realmente chamar a atenção dos poderes constituídos para um compromisso firme com a responsabilidade fiscal.

A divisão do Copom alimenta os temores de que o próximo presidente do BC pode não ser tão comprometido com a meta de inflação quanto Roberto Campos Neto e coloca em dúvidas a autonomia do BC. A autonomia segue como um compromisso do governo Lula?

Essa é uma leitura superficial e ideológica. E sinceramente acho que essa questão nem se coloca. Eu considero que as pessoas indicadas por nós são iguais ou melhores do que as que saíram do ponto de vista técnico e não tenho dúvidas que eles vão aportar um excelente trabalho.

O diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, é favorito para a sucessão de Campos Neto?

É uma atribuição do presidente Lula, o nome e a oportunidade da indicação.

O ministro Fernando Haddad disse que proposta atual de autonomia financeira do BC não tem aval da Fazenda  Foto: Daniel Teixeira / Estadao

Como estão as conversas sobre a autonomia financeira do BC? O governo decidiu entrar nesse debate?

Há alguma polêmica em torno disso, inclusive entre os funcionários. A impressão que dá é a de que há um consenso interno, não é verdade. Segundo: a proposta originalmente apresentada não foi bem recebida nem no sistema financeiro. Que subordinava ao Senado atribuições que são do Executivo… Havia uma série de problemas no encaminhamento da proposta. O Executivo, o presidente, não foi informado. Mas foi feita uma proposta de reajuste salarial (aos servidores). Engraçado falar de autonomia agora como se o BC não tivesse ficado sete anos sem reajuste e isso não tivesse penalizado a instituição fortemente. Agora todo mundo resolveu ficar preocupado com o Banco Central. Antes ninguém estava preocupado? Precisamos cobrar coerência dos críticos porque eles estavam em silêncio esse tempo todo. O arrocho sendo feito, os funcionários procurando outras oportunidades e ninguém se incomodou até outro dia. Nós estamos nos incomodando com esse assunto.

O sr. entende que o arcabouço atual já permite que os servidores sejam contemplados sem a autonomia financeira?

As conversas estão em curso, sem preconceito e nas instâncias corretas, criando canais de comunicação adequados para que flua a informação e o tema prospere ou não mas de uma forma institucional.

Mas o sr. tem uma opinião formada?

Eu já me manifestei contrariamente à proposta original, isso é público.

E desde então o sr. conversou com o senador Plínio Valério (PSDB-AM), relator do tema no Senado?

Vi na imprensa que o senador teria dito que não teria necessidade de conversar com a Fazenda, que ele conversaria com o líder do governo no Senado.

No ano passado, o sr. anunciou que o Brasil deixaria de seguir a meta de inflação no ano calendário e passaria a ter uma meta contínua de inflação (objetivo pode ser cumprido em um horizonte maior do que um ano). O decreto sacramentando a mudança ainda não foi publicado. Quando será? Em junho, o governo precisará fixar a meta de inflação para 2027.

Nós continuamos estudando a experiência internacional, que para minha surpresa é absolutamente pobre. Quem estabelece meta de inflação no mundo, em geral, tem meta contínua e não há uma regulação propriamente dita. Guilherme Mello (secretário de Política Econômica) está incumbido de fazer esse estudo. Como é um ato do presidente da República, assim que a agenda permitir, vamos submeter a ele as possibilidades. Assim como fizemos com o marco fiscal, que a comunidade internacional reconheceu como algo bastante inovador.

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A ideia é anunciar antes de junho? A Fazenda trabalha com esse prazo?

Não necessariamente. Se não tiver decreto, o CMN (Conselho Monetário Nacional, que reúne além de Haddad, o presidente do BC, Campos Neto, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet) vai definir a meta como sempre definiu, pode ser que reafirme a meta, pode ser que tenha a necessidade de formalizar, não vejo problema nenhum. Nem sei se é necessário, mas se entendermos que sim, isso pode ser feito.

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