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O outro lado da notícia

Opinião|Veto à proposta de Lula na ONU turbinou fúria antiamericana da esquerda, mas EUA fizeram o certo

‘Pausa humanitária’ defendida pelo governo brasileiro, na hora em que Israel está respondendo aos ataques terroristas, favoreceria o Hamas

Foto do author José Fucs
Atualização:

O veto dos Estados Unidos à proposta de resolução brasileira para uma “pausa humanitária” na guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas – que foi aprovada na semana passada por 12 dos 15 membros do Conselho de Segurança da ONU, com abstenção da Rússia e do Reino Unido – turbinou o velho sentimento antiamericano predominante nas fileiras das esquerdas no País.

Guardadas as devidas proporções, a fúria contra os Estados Unidos agora, por sua posição pró-Israel, faz lembrar dos tempos da Guerra Fria, quando os americanos despertavam a ira da esquerda ao agir como bastiões do capitalismo e da “democracia liberal” e conter a influência soviética e a expansão do comunismo.

Estudantes queimam bandeira dos Estados Unidos em frente ao consulado do país, no Rio, em 1998: sentimento antiamericano predominante na esquerda voltou a aflorar com veto à proposta brasileira na ONU  Foto: Foto: Zulmair Rocha/AE

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É certo que não é só no Brasil que isso está acontecendo. O apoio dos Estados Unidos a Israel e sua oposição a um cessar-fogo imediato no Oriente Médio está tendo o mesmo efeito pelo mundo afora. Mas aqui, pelo fato de a proposta rejeitada ter partido do governo Lula, que quis aproveitar a presidência rotativa do Conselho de Segurança para agir como se o País fosse uma das grandes potências globais, o antiamericanismo ganhou contornos peculiares.

O veto dos Estados Unidos à proposta de Lula, que estaria destinada a transformá-lo num artífice improvável da paz no Oriente Médio, foi recebido pelos aliados do presidente não apenas como uma demonstração da “fraqueza” da ONU e do “despotismo” americano, mas como um ultraje ao País.

Para a claque petista, reforçada por representantes do PSOL, PC do B, MST e de outras siglas de esquerda de menor expressão, parece inaceitável que os Estados Unidos tenham ousado rejeitar a proposta “brilhante” de “Painho” – apelido pelo qual o presidente é muitas vezes chamado por seus adversários, em referência ao personagem criado pelo humorista Chico Anísio (1931-2012), que era adulado por sua “cunhã”.

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A deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, deu um jeito de vincular a questão a Jair Bolsonaro, que se tornou personagem obrigatório nas respostas dadas por petistas a qualquer assunto envolvendo o governo Lula. “Bolsonarismo segue mentindo e delirando nas redes e subindo ataques a @LulaOficial depois da reunião do Conselho de Segurança da ONU. Foram 12 votos a favor da proposta de cessar-fogo apresentada pelo Brasil, mostrando grande articulação do nosso presidente”, afirmou Gleisi, em publicação no X (ex-Twitter). “O veto à paz foi justamente dos EUA, que os bolsonaristas tanto adoram. Essa gente não se emenda nem na guerra e no sofrimento. É de dar asco.”

Até analistas bem posicionados na praça ecoaram a indignação exasperada do PT e de seus satélites com o veto americano. “Os Estados Unidos deram mais uma demonstração de que preferem ir na contramão da ONU”, disse uma comentarista política, como se as decisões do órgão, dominado por ditaduras e regimes autocráticos, fossem inquestionáveis.

Ao tentar explicar o crescimento do antiamericanismo no mundo, a analista foi além, alimentando questionamentos nas redes sociais sobre o caráter antissemita de seus comentários. “A situação está ficando muito ruim para os Estados Unidos, pelo desespero do (Joe) Biden (presidente americano), que depende da grana dos grandes conglomerados judeus nos Estados Unidos para a eleição do ano que vem. Ele está levando a uma associação do antiamericanismo ao antissemitismo (no mundo). Numa hora dessas, o antissemitismo cresce e está arrastando o antiamericanismo junto”, afirmou.

Paralisia

Inconformado com o fiasco da proposta brasileira, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, chegou a declarar que o Brasil pretendia reapresentá-la no Conselho de Segurança, mas ao que se sabe a intenção até agora não se concretizou. “A paralisia do Conselho de Segurança está tendo consequência prejudiciais à segurança e às vidas de milhões. Isso não está no interesse da comunidade internacional”, afirmou Vieira, durante reunião de cúpula convocada pelo Egito para tratar da guerra no Oriente Médio.

Agora, apesar da revolta da esquerda, os Estados Unidos fizeram bem de vetar a proposta brasileira na ONU, que previa um cessar-fogo imediato, a criação de um “corredor humanitário” e até mencionava o Hamas ao falar do “ataque terrorista” a Israel, mas não contemplava o direito de defesa dos israelenses, considerado inegociável pelos americanos.

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Aprovar um cessar-fogo justamente na hora em que Israel está indo para cima do Hamas só favoreceria os terroristas, responsáveis pelos ataques sanguinários, que deixaram um saldo de 1.400 mortos, e pelo sequestro de cerca de 220 pessoas ainda detidas pelo grupo. Representaria também um ganho político considerável para o Hamas e para o Irã, que financia a organização e treina seus integrantes, como apontam investigações preliminares divulgadas por Israel e pelos Estados Unidos. Como afirmou no X o professor de filosofia Rodrigo Jungmann, “para certos malucos, as monstruosidades do Hamas são luta ‘decolonial’ e a autodefesa de Israel é um crime monstruoso”.

Conselho de Segurança da ONU, que analisou proposta de resolução do governo Lula vetada pelos Estados Unidos Foto: AP/Craig Ruttle

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É óbvio que a segurança da população que vive em Gaza tem de ser preservada ao máximo. O próprio porta-voz do exército israelense já disse que os civis palestinos não são inimigos de Israel. O objetivo declarado do país, como no caso da ação empreendida pelos Estados Unidos contra a Al-Qaeda após os ataques às torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, é exterminar os terroristas que realizaram os atos de barbárie – e não dá para condenar Israel por causa disso, como não dava para condenar os americanos pela reação que tiveram aos atentados realizados em seu território. O próprio estímulo israelense à transferência da população do norte para o sul de Gaza, ainda que seja uma solução discutível, é um sinal de que o país está empenhado em evitar baixas civis durante a caça aos terroristas.

O Hamas está operando uma verdadeira central de propagação de fake news sobre o impacto da reação de Israel, com o objetivo levar a opinião pública e os líderes mundiais a se sensibilizar com a situação em Gaza e encampar a proposta de implementar um cessar-fogo imediato na região – e até agora tem colhido dividendos polpudos, principalmente junto à esquerda e no mundo islâmico.

Central de fake news

O caso do hospital que teria sido atingido por um bombardeio de Israel, provocando a morte de cerca de 500 pessoas, segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, é um exemplo emblemático. Na realidade, como se mostrou depois, o tal bombardeio israelense, noticiado até por veículos de comunicação respeitáveis do Ocidente, não aconteceu. O que houve foi a explosão de um foguete defeituoso disparado pela Jihad Islâmica, outro grupo terrorista instalado em Gaza, nas proximidades do hospital. Só que, quando isso veio à tona, o estrago já estava feito: o giro que Biden faria pela região logo em seguida acabou cancelado, uma série de protestos se espalharam pelos países islâmicos e a opinião pública mundial já estava blasfemando contra Israel pela crueldade de um ataque que nunca ocorreu a um hospital palestino.

No Brasil, o próprio Lula se tornou um propagador contumaz de desinformação sobre o conflito, inflando as baixas ocorridas em Gaza, para justificar sua proposta de uma “pausa humanitária”, que salvaria o Hamas da represália israelense. “Hoje, quando o programa Bolsa Família completa vinte anos, eu fico lembrando que 1.500 crianças já morreram na Faixa de Gaza. Crianças que não pediram que o Hamas fizesse aquele ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel”, afirmou o presidente por vídeo conferência, durante evento promovido para comemorar a data, inflando os números divulgados pelo próprio grupo terrorista. “Mas também não pediram para que Israel reagisse de forma insana e matasse elas (sic).”

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Depois, em sua live semanal, o petista, que chamou a resposta de Israel aos ataques do Hamas de “genocídio”, voltou a superestimar de forma grosseira as baixas em Gaza. “Não é porque Hamas cometeu um ato terrorista contra Israel, que Israel tem que matar milhões de inocentes. Não é possível que as pessoas não tenham sensibilidade”, disse Lula, ignorando que o território palestino tem cerca de dois milhões de habitantes e que até agora, de acordo com o próprio Hamas, as baixas em Gaza chegam a cerca de seis mil. Não é pouco, se é que o número do Hamas não está superestimado também, como é provável, mas está longe, bem longe, dos “milhões” a que ele se referiu.

Deportação de crianças

Curiosamente, o Lula que agora se mostra tocado pelo efeito da guerra em Gaza, sem jamais mencionar a saraivada de foguetes disparados diariamente pelo Hamas contra Israel, é o mesmo que meses atrás ameaçou retirar o País do Tribunal Penal Internacional, para permitir que o presidente russo, Vladimir Putin, contra quem pesa um mandado de prisão por crimes de guerra, pela deportação ilegal de crianças da Ucrânia para a Rússia, pudesse vir ao Brasil para a cúpula do G-20 (grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana), em 2024, sem medo de ser preso.

Fora a questão do direito de defesa de Israel, o veto dos Estados Unidos à proposta brasileira faz todo o sentido também pelo que a ONU se tornou – e não é de hoje. Além de ser composta por um grupo significativo de ditaduras e de regimes autocráticos, que mancham a legitimidade de suas decisões, boa parte de sua burocracia tem um viés ideológico de esquerda, o que acaba reforçando seu perfil antiamericano e anti-israelense.

O Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, disse que ataques do Hamas 'não aconteceram no vácuo" e foi acusado por Israel de reforçar argumentos que justificam ação do grupo terrorista Foto: Mohammed Salem/Reuters

O próprio secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, foi acusado por Israel de ter reforçado os argumentos dos que procuram justificar as atrocidades cometidas pelo Hamas, com base numa alegada “opressão” sofrida pelos palestinos em Gaza.

“É importante reconhecer que os ataques do Hamas não aconteceram no vácuo. O povo palestino é sujeito a uma ocupação sufocante há 56 anos”, afirmou Guterres. “(Os palestinos) viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos e assoladas pela violência.”

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Como lembra o analista político Augusto de Franco, que foi membro do comitê-executivo do Conselho da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002), a ONU abriga dezenas de comissões, agências, programas, fundos, fóruns, institutos de estudos e pesquisa e até uma universidade. Mas, embora várias decisões desses órgãos sejam anunciadas como sendo da ONU, como no caso em que o Comitê de Direitos Humanos emitiu um parecer dizendo que a investigação e o julgamento de Lula não foram imparciais, eles não falam pela instituição. Só falam pela ONU, segundo ele, a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança e o Secretariado, que é um órgão administrativo dirigido pelo Secretário-Geral.

“Podem ficar antenados. O uso fraudulento da ONU pelo eixo autocrático só vai crescer. Qualquer parecer das dezenas de organizações abrigadas pelo sistema das Nações Unidas será usado falsamente como posição da ONU, para validar propaganda de guerra em nome da paz”, disse Franco, numa publicação feita no X há uma semana.

O envio ao Mediterrâneo do porta aviões americano USS Eisenhower e de sua frota afiliada de navios de guerra reforçou o apoio dos Estados Unidos a Israel Foto: AFP/Departamento de Defesa dos Estados Unidos/Ryan D. McLearnon

Nesse cenário hostil, não é de estranhar que, frequentemente, os Estados Unidos se oponham às decisões da ONU, com o apoio eventual de apenas um ou outro país da União Europeia, quase sempre o Reino Unido. Não é de estranhar também que vetem propostas supostamente imparciais no Conselho de Segurança, como a apresentada pelo Brasil no caso da guerra entre Israel e o Hamas, sem se preocupar muito com o que a opinião pública mundial vai pensar.

Como alvo constante de decisões da ONU, marcadas pelo viés anti-israelense, e da oposição sistemática da esquerda e da maioria dos países islâmicos, Israel procura seguir o caminho americano em suas ações, deixando de lado a opinião pública e se concentrando em sua segurança e na sua sobrevivência. Felizmente, para isso, Israel ainda tem os Estados Unidos ao seu lado, apesar da grita da esquerda e da maioria dos países árabes.

É como dizia Golda Meir (1898-1978), uma das fundadoras e ex-primeira-ministra de Israel: “Se nós tivermos de escolher entre morrer e ser alvo de lamentações e estar vivos com uma imagem ruim, é melhor a gente estar vivo e ter uma imagem ruim”.

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Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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