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Lula falar que não precisa invadir terra é um passo no relacionamento com o campo, diz ex-ministro

Para Roberto Rodrigues, Plano Safra surpreendeu positivamente, mas tem pontos falhos por não contemplar seguro agrícola em ano de El Niño e não detalhar juros do financiamento à comercialização com preços em queda

Foto do author Márcia De Chiara
Por Márcia De Chiara
Foto: JF Diorio/Estadão
Entrevista comRoberto RodriguesEx-ministro da Agricultura

Em um ano de fenômeno climático El Niño, com grandes riscos de quebra de safra, e também de preços agrícolas em trajetória de queda, o Plano Safra deixou dois pontos descobertos: maior dotação para seguro rural e mais clareza nas regras do financiamento à comercialização da safra.

A opinião é do ex-ministro da Agricultura e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Roberto Rodrigues. No entanto, de uma forma geral, o ex-ministro observa que o programa surpreendeu positivamente com volume de recursos 27% maior em relação ao ano passado, superando sua expectativa.

Do ponto de vista político, Rodrigues aponta o fortalecimento do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para aprovação de um plano robusto. Pessoalmente, ele acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu passo à frente no relacionamento com o campo ao afirmar na ocasião do anúncio do Plano que não é preciso invadir terra. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia o Plano Safra anunciado pelo governo?

Avalio de forma positiva. Acho que foi uma importante conquista do ministro Carlos Fávaro, que o fortalece na posição de ministro da Agricultura. Os recursos disponíveis para a agricultura empresarial são quase 27% maiores do que em relação ao ano passado. Portanto, é mais do que a inflação. A taxa de juros não é uma taxa agradável, mas também não é maior do que a do ano passado e, em alguns casos, até menor. Alguns programas específicos, como armazenagem ou programas ambientais, têm juros menores do que o convencional. Também é positivo. Não estou dizendo que os juros são bons. Mas o fato de não serem maiores do que os do ano passado são um indicativo interessante. São altos, mas é melhor do que se tivessem sido piores do que os do ano passado.

Lula discursa durante lançamento do Plano Safra 2023  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Quais são os pontos relevantes?

Basicamente, o acesso do médio produtor a equipamentos e máquinas agrícolas, o que é muito importante. O plano de safra que está bem equilibrado.

Como o senhor vê o cenário agro?

Estou um pouco preocupado com a safra do ano que vem. A oferta agrícola cresceu muito no mundo, depois da pandemia e da inflação brutal. Isso abriu caminho no Brasil para uma safra recorde de grãos. Os americanos estão caminhando para a mesma direção. Vejo para o ano que vem uma tendência de preços muito mais baixos. Isso é ruim, porque os custos também caíram bastante, mas não caíram na mesma proporção (dos preços). Podemos ter um desencontro de margem. O segundo ponto é o câmbio. Compramos os insumos na safra que vamos plantar agora, em setembro, no primeiro semestre deste ano, com um câmbio em torno de R$ 5. Hoje o câmbio já está abaixo de R$ 5. E a expectativa para o ano que vem é de um câmbio mais baixo ainda. Comprar uma safra a um câmbio mais valorizado do que vendê-la é um problema. O terceiro ponto é o El Niño. Ele é um problema porque afeta de forma diferente as regiões do País, quebrando a produção. Por último tem a questão da gripe aviária. Felizmente ela não chegou ao Brasil e estamos bem preparados para enfrentá-la. Mas, se ela se espalhar pelo mundo todo, pode haver uma redução da demanda por grãos, especialmente milho e soja e os preços podem cair mais ainda. São vários fatores. Não estou dizendo que vão acontecer. Mas existe a possibilidade de acontecer, porque essas coisas são cíclicas. Se isso acontecer, provavelmente teremos um problema sério de renda no ano que vem. Por essa razão, eu insisti muito que nós tivéssemos dois pontos reforçados no Plano Safra: o seguro rural, o único instrumento capaz de gerar estabilidade de renda no campo, e o financiamento à comercialização.

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Neste plano, o seguro não está contemplado?

Não está contemplado. E tem uma notícia em paralelo que, depois do plano anunciado, o órgão responsável pelo orçamento negou o pedido do ministro da Agricultura para dobrar os recursos. Nunca conseguimos ter mais de R$ 1 bilhão para subvenção ao prêmio de seguros. É uma visão burocrática de quem não sabe o risco que está correndo. Um acidente climático muito grave, como houve em 2005, quebra o município. Porque o produtor quebra, não paga o posto de gasolina, a farmácia, o supermercado, o colégio. O efeito dominó é muito grande. O pior de tudo é que no fim do dia o Tesouro é chamado a pagar, prorrogar dívidas. Então a sociedade inteira paga por um prejuízo provocado pelo clima. O seguro rural é um instrumento que acaba com isso. É imperioso que tivessem sido dados à agricultura os recursos de acordo com a demanda. Não deram. É uma falta de visão da vida real.

Qual é o outro ponto falho do Plano Safra?

O segundo ponto é a falta de definição de juros para o financiamento à comercialização. Neste ano, tivemos uma safra muito grande e não tivemos armazém para guardar. Na hora da venda, o mercado sabe que ele (produtor) tem de vender e relaxa o preço. Com isso, o preço do milho despencou, caiu 30%, 50%, dependendo da região, porque o produtor não tinha onde guardar. Embora esse plano tenha contemplado uma boa quantidade de recursos para fazer armazéns, silos, mas isso não se faz de um dia para outro. Portanto, tinha que ter esse mecanismo de financiamento para comercialização com juros definidos. Para mim, esses dois pontos (seguro e definição dos juros do financiamento à comercialização), precisam um pouco mais de atenção por parte do governo.

Esse plano apaziguou o embate do governo com a bancada do agronegócio?

Não sei. Não tenho nenhuma importância na liderança rural. Hoje sou um acadêmico, não tenho liderança para responder pela classe rural. Mas eu penso que ontem (terça-feira), o próprio presidente falou que não precisa invadir terra. Acho que é um passo à frente no relacionamento com o campo. É um sinal, não é uma grande mudança, um sinal melhor do que havia até então. Não tinha sido falado até hoje sobre invasão de terra. Não falei com ninguém para perguntar se gostou ou não gostou. Mas o meu sentimento é que, de maneira geral, o plano surpreendeu positivamente e, portanto, não há razão para aumentar a queixa. E o discurso do presidente é na direção do apaziguamento. O mais positivo, para mim, é o fortalecimento do ministro da Agricultura. O plano é surpreendentemente robusto e é fruto do trabalho dele, junto ao governo como um todo. Do ponto de vista político, uma das coisas mais importantes do Plano Safra é o fortalecimento do ministro, que tem feito um trabalho bem feito.

Nesse sentido, vamos ter uma safra boa nos próximo ano?

As condições econômicas estão dadas. As condições de mercado não são favoráveis. Vamos ter um plantio grande e com tecnologia este ano de novo. Os custos caíram bastante também, fertilizantes, defensivos. Há uma clara vontade dos produtores de fazer uma grande safra. Mas ninguém trabalha para perder dinheiro. A safra americana não está definida ainda. Isso vai ser importante para tomarmos a posição no Brasil. Mas do ponto de vista de ação de Estado, as coisas tiveram um avanço positivo.

E os juros?

O juro está alto. Mas no ano passado também. Plantamos porque os preços eram bons demais. Eram tão animadores que o juro acabava ficando submerso diante do horizonte de renda. O que não acontece agora. Neste ano, os preços não têm a mesma ênfase positiva do ano passado. É um ponto de atenção muito sério que pode mudar a intenção de plantio dos produtores rurais.

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