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Executivos trocam carreira na Faria Lima para viver ‘sonho do vinho’ em Espírito Santo do Pinhal

Novo polo da bebida no interior de São Paulo tem atraído nomes do mercado financeiro, da tecnologia e da indústria farmacêutica; investimentos vão de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões para iniciar negócios

Foto do author Wesley Gonsalves
Por Wesley Gonsalves
Atualização:

Depois de 30 anos trabalhando no mercado financeiro, dos quais 21 como executivo da Mastercard, Sérgio Batista tomou a decisão em 2019 de mudar completamente a carreira devido a uma degustação de vinhos “às cegas”. “Eram seis garrafas de vinho, de diferentes países e tipos de uvas. Eu só errei uma delas, justamente um rótulo da Vinícola Guaspari, produzida em Espírito Santo do Pinhal”, lembra.

Uma semana depois de “errar” a origem da bebida, o então vice-presidente comercial da Mastercard no Brasil foi conhecer a vinícola que o surpreendeu. Pouco tempo depois, durante a pandemia, retornaria à cidade a 190 km da capital paulista para comprar os primeiros sete alqueires de terra, que dariam início à sua vinícola própria, a Merum. “Fiquei apaixonado por Espírito Santo do Pinhal e não saí mais. Fechei o negócio em menos de um mês”, diz. “No Brasil, não há outro lugar que esteja convergindo para o vinho como aqui.”

Sergio Batista deixou cargo de vice-presidente da Mastercard para se dedicar às uvas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Assim como Batista, outros nomes do mercado financeiro, da tecnologia e da indústria farmacêutica, entre outros setores, foram “enfeitiçados” pelo potencial econômico do vinho produzido em solo pinhalense, o que os levou a investir na região para trabalhar com o vinho e o enoturismo. Esse boom local fez a cidade despontar como um polo de vinhos no interior de São Paulo.

Segundo a prefeitura local, a maioria dos aportes é de empresários que desembolsam, em média, de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões para iniciar os negócios. Em alguns casos, eles deixam para trás a Faria Lima e o terno e gravata para viver de forma mais casual, com as mãos na terra, plantando uva e café.

Tradicionalmente conhecida pelo cultivo de cafés especiais, a cidade de Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo vive o boom do mercado de vinhos Foto: Tiago Queiroz

De Angola a Pinhal

Trabalhando como presidente de uma farmacêutica em Angola desde 2002, o ex-executivo Fernando Mororo só voltaria de vez ao Brasil em 2020, por causa de um problema de saúde pública mundial, a pandemia de covid-19.

Inicialmente, com uma carreira com passagens pelo extinto banco de investimentos Bozano Simonsen — comprado pelo Santander no Brasil — e pela farmacêutica Vertrou, os planos de Mororo eram trabalhar com experiências gastronômicas, viajando pelo mundo.

Fernando Mororo deixou no passado a carreira de presidente de uma farmacêutica e junto da esposa, Raquel Pacagnella, trocou a Angola por Espírito Santo do Pinhal para viver da produção de vinho, café e do turismo Foto: Tiago Queiroz

Com isso em mente, ele largou a cadeira de CEO para se dedicar ao projeto pessoal. “Eu estava lá havia muitos anos, já estava pensando em sair do país. No começo, tinha um sonho de comprar um catamarã e sair navegando pelo mundo, não imaginava que eu compraria uma terra em Pinhal”, lembra Mororo.

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Em abril de 2020, em uma viagem à África do Sul, ele e a esposa, a dentista Raquel Pacagnella, foram avisados pela embaixada brasileira que haveria uma última leva de repatriamento de brasileiros antes do fechamento total das fronteiras, por conta da covid-19, o que fez o casal optar por retornar ao País natal.

Já no Brasil, o sonho de um catamarã ficou para trás quando, em julho de 2020, o casal decidiu investir as economias de uma vida, cerca de R$ 7 milhões, para montar o negócio na região, chamado Terra de Kuri. Em uma propriedade de 32 hectares, contam hoje com uma plantação artesanal de cafés e uvas, um wine bar e cerca de 10 chalés para “glamping” (junção entre as palavras glamour e camping).

“Ter uma plantação de uvas ou de café parecia impossível, coisa de filme, mas hoje é um sonho que virou realidade”, diz Mororo. “Mudamos literalmente ‘da água para o vinho’, porque o barco virou o nosso sítio em Pinhal.”

Enquanto as uvas para o vinho na propriedade do casal vão “maturando”, eles apostam na colheita de cafés especiais, que são exportados e também fazem parte da experiência gastronômica ligada à bebida, encerrando de vez o contato do executivo com as finanças e a da dentista com os cuidados de saúde pública.

“Nós recebemos as pessoas aqui, mostramos a experiência sensorial. Esse é só o começo. Em breve, teremos muito mais. Agora nosso negócio não é café ou vinho, nosso negócio é o turismo”, afirma Mororo.

Da Faria Lima para o ponto mais alto de Pinhal

É de camiseta, bermuda e tênis que Jeyson Ferreira, dono da vinícola Mirantus, recebe os seus convidados na propriedade localizada no ponto mais alto de Espírito Santo do Pinhal, a 1,3 mil metros de altitude.

O cenário e a vestimenta dele são bem diferentes do que estava acostumado na sua vida profissional pregressa, quando transitava pela Avenida Faria Lima, no principal centro financeiro do País, no prédio do Google, onde trabalhava como um dos engenheiros da big tech.

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Ex-engenheiro do Google, Jeyson Ferreira vive hoje em solo pinhalense, depois de montar o negócio dedicado ao vinho e ao enoturismo Foto: Tiago Queiroz

Depois de se apaixonar pelo vinho pinhalense, o empresário “fez as contas” e viu que era hora de deixar a carreira em uma das principais companhias do mundo para investir no sonho de empreender. “Em dezembro de 2019, eu cheguei ao Google e falei: passa a régua e fecha a conta, estou voltando para Pinhal para fazer vinho”, lembra Ferreira, que saiu da empresa de tecnologia e investiu cerca de R$ 1 milhão das suas economias para criar a Mirantus.

O plano inicial era plantar os vinhedos e criar um vinho próprio, que aproveitasse as características de solo e clima pinhalense. Contudo, o negócio evoluiu, e o empresário viu no turismo uma forma extra de ganhar dinheiro, ao perceber o crescimento das oportunidades no enoturismo local.

Hoje, além da pequena produção de vinhos, que está em maturação, ele tem um wine bar dedicado a pequenos eventos em torno do vinho, um serviço de experiências ligados ao plantio, colheita e produção de uvas para vinho, além de quatro pousadas para a prática do acampamento de luxo.

No local, o preço de uma noite de hospedagem é de, em média, R$ 1,4 mil. “Eu nunca tinha mexido com terra ou com plantas, mas me apaixonei pela plantação da uva. Hoje faço vários eventos aqui: almoço, jantar, noite da lua cheia. É incrível”, diz.

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