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Projeto do Hard Rock criou até moeda própria digital para financiar empreendimentos

Chamada de Rocktoken, a iniciativa tinha o objetivo de levantar recursos para a construção do hotel em Fortaleza; empresa não informou se alguma transação foi realizada com a moeda

Por Gabriel Baldocchi (Broadcast)

As tentativas da Venture Capital Investimentos (VCI) para levantar dinheiro no mercado e financiar um projeto bilionário de construções dos hotéis Hard Rock no Brasil envolveram até um esforço no universo cripto. Uma moeda virtual foi criada para ser oferecida a potenciais investidores numa plataforma de negociação de ativos desse tipo. Questionada, a empresa não informou se alguma transação foi, de fato, realizada.

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Chamada de Rocktoken, a iniciativa ainda figura na capa do site da Headstart, especializada em transações cripto, com um aviso inglês: “We will be back soon” (voltaremos logo) sobreposta à imagem de um hotel. O Estadão/Broadcast teve acesso ao documento relacionado à criptomoeda, uma espécie de prospecto, como os usados para apresentar as ofertas de aberturas de capital na Bolsa.

“A oferta é voltada para construir o Residence Club at Hard Rock Hotel em Fortaleza, com uma opção de construir mais cinco hotéis no futuro”, diz o documento, de agosto de 2018. “É um projeto único, tanto no mundo cripto como no universo imobiliário.” O texto indica a previsão de entrega do projeto para 2020, diz que a obra está 65% concluída e que os recursos da oferta cripto seriam destinados a finalizar os 35% restantes.

Obras do Hard Rock Hotel, localizado no município de Paraipaba, a cerca de 100 quilômetros de Fortaleza Foto: HARD ROCK HOTEL FORTALEZA

Parte dos motivos que ajudam a explicar o enorme esforço do parceiro da bandeira americana para captar recursos é que a VCI era uma empresa nascente, ou pré-operacional, como diz o auditor no balanço de 2016, a York Partners Auditoria. Com um capital social integralizado de apenas R$ 50 naquele ano, a empresa já previa investimento de R$ 300 milhões quando anunciou na imprensa o projeto Hard Rock, em 2017.

Captações

A primeira ida ao mercado visava atrair recursos para comprar a área e o prédio que dariam início ao hotel do Ceará. Uma debênture de R$ 100 milhões foi distribuída e teve entre seus investidores finais fundos de pensão municipais, mas o processo de captação foi interrompido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por suspeita de irregularidades.

Com um novo aporte de R$ 327 milhões junto ao fundo de Cingapura KCM, a empresa quitou as debêntures. A operação anterior, porém, seguiu na mira das autoridades. Virou um processo na CVM, entrou no radar da Polícia Federal e embasou o inquérito na Procuradoria do Espírito Santo. Procurado, o MPF/ES afirmou que o processo está em segredo de Justiça.

Um dos pontos levantados pelas autoridades foi justamente o baixo capital social da companhia em comparação à oferta. Também forma apontados questionamentos sobre inconsistências no laudo de avaliação da área do hotel.

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Em defesa à CVM, a empresa disse que a incompatibilidade entre o capital social da VCI e o valor da oferta deveria ter sido alertada pelos assessores que estruturaram a emissão e que o capital social tampouco foi obstáculo para o respectivo registro como companhia aberta categoria B na CVM.

Sobre as inconsistências em torno do laudo dos imóveis, a empresa afirmou que são de responsabilidade dos assessores da estruturação, dos administradores e agente fiduciários e da agência de rating.

Os procedimentos de apuração das autoridades constaram como fator de risco na captação mais recente feita pelo grupo, por meio de Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FDICs), num total previsto de cerca de R$ 600 milhões para os dois hotéis. O fundo recebeu nota brBB(sf) por parte da agência de classificação de risco Austin Rating — a quinta numa escala com 10 níveis. O principal ponto de atenção apontado na avaliação foi justamente a performance das obras.

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Além das tentativas de captar no mercado, a VCI conseguiu ainda autorização para levantar mais R$ 100 milhões em bancos públicos da região Sul (BRDE) e do Nordeste (BNB), mas diz não ter usado os recursos. Também tem compromissos ligados a Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), como herança dos antigos donos do Paraná, e chegou a fazer uma segunda oferta de debênture de R$ 100 milhões no projeto paranaense, mas acabou desistindo da transação.

Em todo esse período, uma frente de geração de recursos permaneceu ativa e segue em operação: a venda de cotas dos hotéis no mercado, com um esforço de captação agressivo, que tenta fazer frente inclusive às reclamações de proprietários mais antigos e à demora na entrega das obras.

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