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‘O Lula de hoje é o pior dos últimos 40 anos’, diz Ricardo Lacerda, do BR Partners

‘Não sou antipetista, já votei no PT e no próprio Lula’, diz banqueiro; ele afirma que ex-presidente está ‘defasado’ sobre Petrobras, Banco do Brasil e BNDES

Foto do author Cristiane Barbieri
Foto do author Cynthia Decloedt
Por Cristiane Barbieri (Broadcast) e Cynthia Decloedt (Broadcast)
Atualização:

Sócio do banco de investimento BR Partners, Ricardo Lacerda está “moderadamente otimista” com as perspectivas econômicas. Para ele, independentemente do vencedor das eleições, vários fatores que atravancavam o crescimento começam a se resolver e há grandes chances de haver um ciclo de retomada “modesta”.

Ricardo Lacerda, sócio do banco de investimentos BR Partners Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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Modesto porque o Brasil é um país “condenado ao baixo crescimento”, entre outros motivos, pelo freio provocado pelo tamanho do Estado. Segundo ele, a iniciativa privada é a última barreira de proteção e o que faz o País andar. Assim, ele afirma que o candidato Lula visto hoje “é o pior dos Lulas dos últimos 40 anos”. Isso porque as propostas no programa do PT ao governo são antigas e desmontam políticas macroeconômicas que Lacerda encara como conquistas da sociedade.

“Inflação baixa e política fiscal responsável não têm a ver com se posicionar à direita ou à esquerda no campo político”, diz ele, para quem os ganhos macro não estão garantidos. Ao ser perguntado se seriam apenas discursos de campanha, ele diz: “Eu estou lendo o programa do partido e não votaria num candidato assim.” Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. está vendo as perspectivas futuras do País?

Estou moderadamente otimista com o cenário econômico, independentemente do vencedor das eleições. Estamos saindo bem da pandemia, com recuperação econômica e as empresas têm balanços saudáveis. Há certa deterioração do consumo, mas numa margem ainda aceitável e que não causa preocupação à saúde financeira das empresas, dos bancos e da economia como um todo. Também estamos chegando ao fim do ciclo de aperto monetário, com os números de inflação mais benignos. Devemos completar este ano com crescimento próximo de 2% e, o ano que vem, um pouco abaixo disso, mas também num ambiente positivo. Tudo isso leva a um cenário moderadamente otimista, ganhe quem ganhar as eleições, o que nos leva a crer que pode haver um rali dos mercados, logo após as eleições. Mas temos de lembrar sempre que o Brasil é um país fadado a um crescimento macroeconômico baixo.

Por que?

Seja por conta do tamanho do Estado a outras ineficiências causadas por falta de infraestrutura, qualidade da educação e questões demográficas, por exemplo, não há condições para o crescimento macroeconômico ser alto. Será sempre um país de crescimento baixo, no qual o grande motor da economia é o setor privado. De certa maneira, os candidatos sendo de esquerda ou de direita tendem a ter uma política mais ao centro, sendo acompanhados de um Congresso muito ao centro. Nossa grande bandeira de defesa tem de ser a do setor privado - a última fronteira antes de destruírem o País -, que foi sequestrado pela classe política, pelo tamanho do Estado, pela ineficiência e pelos programas de gastos mais diversos. Temos de proteger o motor da economia. O setor privado é o que gera riqueza nesse País e o que está constantemente sendo atacado e desafiado.

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Como ficam os líderes das pesquisas eleitorais em relação a esse tema?

Os candidatos têm defeitos e qualidades. Num cenário de eleição de Jair Bolsonaro, a despeito de um discurso mais radical e de declarações que chocam na questão ambiental e de instabilidade institucional, não tem sido um mau governo nesse sentido. No lado da infraestrutura, da economia e da agricultura, houve políticas que têm ajudado o setor privado. O programa de redução do tamanho do Estado foi inferior ao que ele havia sinalizado na eleição de 2018, mas ainda assim positivo. Vimos a desestatização da Eletrobras, a venda do controle da BR Distribuidora pela Petrobras e inúmeras concessões. Tudo isso ajuda a fomentar a atividade privada e desenvolver ainda mais o empreendedorismo no Brasil.

E o Lula?

O Lula tem essa questão como (um aspecto) negativo. Não sou antipetista, já votei no PT e já votei no próprio Lula. Mas o Lula que estou vendo hoje é o pior dos Lulas que já vi ao longo dos últimos 40 anos. Tem um discurso que parou no tempo e está totalmente defasado sobre Petrobras, sobre Banco do Brasil e sobre o tamanho do Estado. Esse não é o caminho. O caminho não é pegar o BNDES e fazer voltar a emprestar a grandes empresas. O Brasil tem um custo de capital de X e tem um banco estatal emprestando para grandes empresas a um custo abaixo disso. Isso está saindo do bolso da população. O Lula tem uma grande capacidade de se adaptar e se reinventar. Temos de torcer para que, se eleito, ele tire a fantasia de campanha e enfrente os problemas do País de forma mais responsável, sem determinar o lucro da Petrobras, ou do Banco do Brasil ou a quanto o BNDES vai emprestar, erros que já vimos.

Há risco de retrocesso da presença da iniciativa privada em áreas como infraestrutura?

Não acredito em grandes retrocessos porque a visão da população, dos investidores e do Congresso está mais sedimentada. Mas no programa do PT estão o fim do teto de gastos, a revogação das reformas trabalhista e previdenciária, da privatização da Eletrobras e da BR Distribuidora, fim da independência do Banco Central.

O sr. não encara essas propostas como discurso de campanha?

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Depende do grau de cinismo que cada um está disposto a enfrentar. Eu estou lendo o programa do partido e não votaria num candidato assim. Obviamente é um processo político, de campanha eleitoral e que vai passar por uma acomodação que já vimos muitas vezes. Lula fez um primeiro mandato muito bom, com pessoas competentes, de diferentes setores. Quando o peso do fisiologismo e da ideologia petista começaram a permear o governo, porém, no segundo mandato, a gente viu no que deu. Se ele for eleito, temos de torcer para que não cometamos os mesmos erros do passado, que vai custar muito caro para o País. Vamos cometer erros novos.

Mas é a mesma torcida para o governo Bolsonaro, não? Afinal, ele se elegeu defendendo, entre outras coisas, a responsabilidade fiscal e acabou com o teto de gastos…

Obviamente, há espaço para melhorar. É preciso entender que fundamentos de política econômica são conquistas da sociedade: inflação baixa e política fiscal responsável não têm a ver com se posicionar à direita ou à esquerda no campo político. Trata-se do mesmo raciocínio com o qual administramos nossas finanças em casa ou nas nossas empresas: o dinheiro é finito, tem dono e alguém paga essa conta. Independentemente de o governo ser de esquerda ou de direita, temos de defender as conquistas da sociedade. Já sabemos aonde a inflação alta e o descontrole fiscal leva: ao desastre. Hoje, com inflação alta, todo mundo perde. Se o Lula ganhar as eleições, é legítimo que ele não faça privatizações, está no programa dele. Agora, rediscutir coisas básicas, leva-se a um retrocesso para a sociedade. Os desafios do próximo governo tem de ser fazer as reformas que o País precisa, para voltar a crescer, para destravar e tirar um pouco do peso do tamanho do Estado que, ou por ineficiência, ou por corrupção ou por políticas equivocadas está sufocando o setor privado que é o que gera riqueza e sustenta a economia.

As conquistas macroeconômicas estão garantidas?

A situação macro não está blindada. Está estabilizada, mas há risco de pessoas quererem reinventar a roda. Deveríamos tomar alguns ganhos como valores da sociedade, como a responsabilidade fiscal. Não estou sugerindo que a gente zere o déficit público no ano que vem, mas temos de saber se há uma meta razoável e inatingível. Ter certa disciplina fiscal que aponte para a estabilidade orçamentária, a defesa do poder da moeda, com uma política monetária responsável e uma inflação básica. São conquistas da sociedade e deveriam fazer parte do programa de qualquer governo. Nos outros aspectos, haverá nuances e vieses mais à esquerda ou à direita, o que é legítimo. Agora, querer reinventar o básico, como meta de inflação e de orçamento, não dá.

E nas políticas microeconômicas?

Aí percebe-se claramente a diferença da gestão do PT com a da política econômica atual, em relação às estatais, ao Banco Central, ao BNDES. Essas mudanças foram percebidas objetivamente nos resultados das empresas. Quando ouço o Lula no rádio falando que o Banco do Brasil ‘tem de ser bonzinho’, me assusta. Não deveria caber ao presidente da República a gestão de bancos e empresas estatais. O mal que o BNDES fez às finanças públicas brasileiras e para a gestão do mercado de capitais foi enorme. Se voltar, seria muito ruim.

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As reformas irão andar?

É difícil as reformas andarem, mas obviamente qualquer governo eleito ou reeleito, terá capital político para decidir as apostas iniciais. Ganhe quem ganhar, se pudermos alocar esse capital político para uma mínima reforma tributária e uma reforma política, o benefício ao País será muito grande. Uma coisa é discurso político para se eleger, isso é legítimo e cada um tem o seu. A outra coisa é que já vimos o que dá certo e o que dá errado. Já vimos que o BNDES criar campeão nacional e deturpar completamente os preços do mercado de capitais no Brasil é um erro. Vamos cometer o mesmo erro do passado? Eu espero que não.

Mas houve novos erros muito graves, como na condução de políticas em relação ao meio ambiente e à Amazônia, não?

Esse é o grande lado negativo desse governo: na questão ambiental e de saúde pública deixou a desejar. O discurso foi horroroso e estamos pagando um preço caro.

Esse discurso atrapalhou os negócios?

Lógico que sim. Hoje, o espectro de investidores que olha para o Brasil é muito mais reduzido. Estão assustados com a violência do discurso desse governo nesses temas ambientais, sociais e de costumes.

Como o capital estrangeiro está vendo Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas?

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Desde que perdemos o investment grade (grau de investimento, que permite a grandes fundos estrangeiros investir em uma nação considerada boa pagadora) em 2015, restringimos o universo de quem olha para o Brasil. Esse grupo já reduzido conhece o País e tem mais estômago para tentar filtrar discurso de política, mas está preocupado com o discurso ambiental, social, de minorias e de costumes. O que ouvimos no exterior é uma perplexidade em relação a declarações do presidente, comentários e até mesmo políticas. Isso tem um custo.

E o Lula?

Soa melhor aos ouvidos dos investidores internacionais, porque ele tem o histórico como um presidente de momento que foi bom para o Brasil. Todo o aspecto de gestão do Estado e até mesmo de corrupção do PT é uma coisa nebulosa, que as pessoas tendem a dar menos importância.

E as conversas no Brasil?

Na margem, enxergo que o empresariado brasileiro é ainda majoritariamente bolsonarista. O mercado financeiro brasileiro está dividido entre Bolsonaro e Lula porque busca uma nova narrativa e o Lula pode dar esse caminho para o mercado andar. Já no internacional, tanto nas grandes corporações quanto entre investidores, a rejeição ao Bolsonaro é muito alta. Isso leva a uma preferência ao Lula, em função do que o Bolsonaro representa.

Qual seria uma boa narrativa?

A de uma eleição, acirrada, mas tranquila do ponto de vista institucional e que, após a escolha, houvesse mais união no País em torno do objetivo de crescimento econômico e recuperação pós-pandemia. O Brasil sempre teve eleições acirradas, mas uma vez decidido, virava-se a página e a coisa andava. Agora fica todo mundo parado, metade para um lado e outra para outro e isso atrapalha muito. Uma boa narrativa seria que, quem quer que vença, faça um mínimo esforço para unir o País e não dividir.

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O sr. enxerga riscos ao processo eleitoral?

O grande risco é ter uma ruptura institucional em função de eleição (com resultados) muito próximos e questionamento de resultado, semelhante ao que vimos nos Estados Unidos, mas com mais fragilidades que temos aqui institucionais.

O sr. vê esse cenário se formando?

Hoje, eu não vejo.

O manifesto dos empresários e o discurso do ministro Alexandre de Moraes, na posse do TSE, foram importantes para marcar essa reação da sociedade civil?

Nunca se sabe de onde as defesas institucionais vão surgir. Uma hora é o povo nas ruas, uma hora é o Supremo tomando medidas, pode ser o empresariado se manifestando. Não assinei o manifesto, porque acho que tem um caráter político-partidário com o qual não queria estar associado, mas respeito quem assinou e o próprio manifesto. É uma iniciativa louvável. O questionamento da democracia virou parte do discurso político de alguns integrantes desse jogo, que é ruim e tem de ser combatido com as instituições. A despeito do discurso, não temos visto nenhum movimento que coloque em risco as eleições ou transição política.

Por que o sr. enfatiza essa preocupação?

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Porque ela está na pauta e numa escala maior ou menor, o questionamento de temas institucionais passou a fazer parte do discurso dos candidatos. Não vejo ninguém indo para a rua para fechar o Congresso ou o Supremo. Se isso acontecer, o País tem formas de se defender. Não é porque não assinei o manifesto que sou contra a democracia.

Em quem o sr. irá votar?

Vou votar no Luis Felipe D’Ávila (Partido Novo), que é o candidato do meu partido. No segundo turno, anulei meu voto em 2018 e provavelmente vou anular de novo. Vou avaliar na hora, mas pelo o que estou vendo, vou anular de novo.

O sr. se arrependeu de ter anulado?

Tenho de ter um mínimo de identificação com o candidato ou com o programa de governo, senão prefiro me abster, pelo menos é um voto de protesto.