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Ricos ‘low profile’: fundadores da 123milhas evitavam exposição na vida pessoal e nos negócios

Membros de uma tradicional família mineira produtora de café, executivos têm diversos negócios, como uma joalheria e uma holding de investimentos

Foto do author Wesley Gonsalves
Foto do author Luciana Dyniewicz
Por Wesley Gonsalves , Carlos Eduardo Valim e Luciana Dyniewicz
Atualização:

Na era dos CEOs estrelas e empresários ávidos por seguidores no TikTok, Instagram e Twitter, os irmãos Augusto Júlio Soares Madureira e Ramiro Júlio Soares Madureira, fundadores do site de compra e vendas de milhas aéreas 123milhas, vivem uma realidade bem diferente. Eles adotam um estilo “low profile”, tanto na vida pessoal como profissional, com raras aparições públicas, longe das redes sociais e sem fotos usufruindo de suas fortunas.

O nome dos fundadores da empresa, no entanto, foi parar na lista de termos mais buscados nos pesquisadores de internet depois que o imbróglio envolvendo a 123milhas se tornou público, com cancelamento de passagens e pedido de recuperação judicial, na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte. Hoje, eles prestaram depoimento na CPI das Pirâmides Financeiras, em Brasília.

Sócio da 123milhas Ramiro Júlio Soares Madureira Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

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Mas, afinal, quem são os milionários donos da 123milhas e de onde vem a fortuna dos dois? Membros de uma tradicional família mineira produtora de café, os Soares Madureira, eles têm negócios na cidade de Piumhi, no interior de Minas, a 265 km de distância de Belo Horizonte, no centro-oeste mineiro.

A família foi dona da Minas Export, detentora da marca Moka Café, que acabou vendida em uma negociação milionária para a gigante americana Sara Lee. Mais tarde, o negócio acabaria revendido e o portfólio de cafés adquirido pela Camil.

Os negócios da família, no entanto, não se limitam às atividades agropecuárias e de exportação. Em um verdadeiro emaranhado de CNPJs e participações societárias, Ramiro e Augusto têm diversos negócios, além das empresas de milhagem e pacotes de viagem, incluindo joalheria e uma holding de investimentos. Além da dupla, outros membros da família também aparecem como sócios em diversas companhias ativas.

A mais “jovem” das empresas dos irmãos está registrada como Hamrm LTDA, aberta em março deste ano. De acordo com o cadastro, a companhia está ativa no sistema do governo federal como uma “holding de negócios não financeiros”.

‘Nepobaby’

Único dos irmãos com alguma presença no mundo virtual, Augusto tem uma página pessoal na rede social de carreira LinkedIn com uma foto antiga e sem atualizações do seu perfil profissional. Segundo o seu “currículo”, a última ocupação teria sido o cargo de diretor administrativo-financeiro na Café Moka, local onde trabalhou até 2009.

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De acordo com a publicação, o empresário teria começado a carreira em 2001, na Fazenda Bela Vista, no mesmo ano que ingressou no curso de economia na Universidade Federal de Minas Gerais. A instituição confirmou que Augusto concluiu o curso de bacharelado pela instituição em 2005.

Ramiro, no entanto, se formou em administração pública na faculdade João Pinheiro, também em Belo Horizonte. Após se formar, chegou a trabalhar na secretaria do Estado por um tempo, deixando o executivo estadual para criar o negócio próprio. Por ter recebido uma bolsa de estudo, Ramiro deveria ter cumprido um período de exercício na administração pública, como forma de contrapartida ao financiamento dos estudos. Entretanto, por deixar a função antes do prazo mínimo, a faculdade entrou com um processo contra o egresso, pedindo o pagamento do valor referente à bolsa de estudos.

Segundo executivos do mercado ouvidos pelo Estadão, na condição de anonimato, a dupla de irmãos é conhecida pela postura “low profile”, não só na vida pessoal, mas no dia a dia dos negócios. Eles preferiam levar os negócios na “base da confiança”, sem muitas garantias, algo que teria sido facilitado pela falta de regulamentação na compra e venda de milhas no País. “Crônica de uma morte anunciada. Brincaram com fogo, assim como a Hurb”, avaliou um executivo do setor de turismo.

Em meio à crise, 123milhas deu entrada no pedido de recuperação judicial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Apesar da compra de milhagem ser feita por funcionários da empresa e não diretamente por Augusto e Ramiro, alguns dos principais vendedores eram, eventualmente, convidados pelos donos para “um café de cortesia” dentro da sede da companhia, no escritório de Belo Horizonte.

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Na lista de credores com débitos a receber, o dono de uma agência de viagens, que preferiu não se identificar, foi um dos convidados da dupla e conheceu pessoalmente Augusto. “Isso foi antes da pandemia, quando eu vendia mais de R$ 2 milhões em milhas para eles. Eu conversei com o Augusto, tomei um café com ele, batemos um papo, mas ninguém tem acesso. Ele não aparece em lugar nenhum. É um cara bacana, mas é bem sério”, lembra o empresário que hoje tem pouco mais de R$ 100 mil a receber da empresa, mas poucas esperanças de reaver o valor.

Ainda conforme o relato do empreendedor, ele só teria outro encontro com Augusto durante a pandemia, mas dessa vez de maneira virtual e para discutir o momento de dificuldades enfrentada pelas empresas Hotmilhas e 123milhas. Com os impactos econômicos da pandemia, as duas empresas dos Soares Madureira precisaram negociar com o credor uma dívida de pouco mais de R$ 500 mil.

Dívida preocupante

Agora, os sócios da 123milhas deverão ter grandes dificuldades para pagar os R$ 2,3 bilhões de dívidas declaradas na recuperação judicial. A companhia informou, no pedido de RJ, ter registrado prejuízo líquido de R$ 1,671 bilhão e receita líquida de apenas R$ 148,5 milhões, no primeiro semestre deste ano. Dessa forma, a expectativa é que a empresa proponha grandes descontos na dívida, para que consiga honrar os pagamentos.

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Ainda que a 123milhas consiga demonstrar viabilidade econômica para continuar operando, os credores deverão ter dificuldades para receber o dinheiro devido. A expectativa de especialistas em recuperações judiciais é de que haverá uma proposta de desconto nos pagamentos bastante significativa, superando os 70%.

Para complicar o processo, a dívida está pulverizada em um imenso número de credores. A lista apresentada pelos advogados da empresa ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais traz quase 5,5 mil páginas e mais de 700 mil nomes. Também chama a atenção nela o fato de que os créditos não estão concentrados em bancos, como tem sido comum nas recentes recuperações judiciais.

Apesar da dívida bilionária, o maior crédito é do Banco do Brasil, com R$ 74,4 milhões, seguido pelo banco digital BMP, que costuma emprestar para startups e adota o slogan “o banco das fintechs”, com mais de R$ 30 milhões. Diversas agências e empresas de turismo também aparecem com créditos milionários. A principal delas é a Iterpec, com R$ 25,8 milhões.

Ao se tornar uma das maiores anunciantes do País desde a época da pandemia, a 123milhas também contraiu grandes dívidas com empresas de mídia como o Google e a JCDecaux, de anúncios em outdoor.

“Apesar de ser uma longa lista de credores, a maior que vi até hoje, a dívida é pulverizada justamente pela atividade que a empresa atua”, afirma a advogada especializada em recuperação de crédito bancário e recuperação judicial Giovanna Fachini, do escritório Medina Guimarães Advogados.

Segundo ela, a maioria dos credores da empresa são os consumidores das passagens, e o tipo do negócio de atuação também pode justificar o fato de alguns dos maiores credores serem o Google e agências de viagens, por exemplo, e não somente casas bancárias, como é comum ver. “A empresa precisará adotar estratégias diferenciadas para a condução dessa RJ, especialmente no tocante às negociações com os credores e a realização de assembleias-gerais.”

Com uma quantidade tão grande de credores, não será simples realizar assembleias presenciais ou virtuais que permitam deliberações em relação ao plano a ser apresentado. Fachini lembra que no processo da recuperação da Oi, por exemplo, foi projetada uma grande estrutura, com muitos funcionários para atender os credores.

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Esta pulverização da dívida pode tornar o processo de RJ bem peculiar, dificultando a organização entre os credores e facilitando com que a 123milhas negocie individualmente com alguns deles, e consiga deságios mais agressivos.

“Nos últimos anos, temos visto RJs que envolvem pagamentos a grandes bancos e credores privados, como é o caso das Lojas Americanas. Nesses casos, os maiores credores conversam entre si e firmam posição em conjunto, para aprovar ou reprovar o plano da devedora”, afirma o especialista em direito empresarial Marcello Vieira de Mello, sócio do GVM Advogados.

“Com uma universalidade de credores pequenos e pessoas físicas que não se conversam e não devem ir nas assembleias, vai ficar mais fácil para a 123milhas aprovar a sua RJ.”

Até por causa dessas características especiais do processo, a determinação do juiz responsável pela análise da RJ foi de criar uma plataforma de fácil acesso. Também se incentivou a utilização dos meios consensuais de resoluções de conflitos, como mediação e arbitragem.

Outras batalhas jurídicas devem acontecer nesse caminho. Com essa perspectiva, os donos da 123milhas contrataram o escritório Eugênio Pacelli Advocacia e Consultoria, com sede em Belo Horizonte, para defendê-los na área criminal, em eventuais processos. Pacelli já atuou como procurador regional da República em Belo Horizonte e no Distrito Federal.

Procurado pela reportagem, Pacelli afirmou que uma de suas primeiras atribuições era ajudar os empresários nos depoimentos para CPI das Pirâmides Financeiras nesta quarta-feira, 6. Os irmãos foram convocados a prestar depoimentos e, anteriormente, haviam ignorado por duas vezes a convocação.

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