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Talvez seja melhor ir mais devagar para chegar mais longe com a Selic, diz Picchetti, do BC

Diretor do banco, que aparece no mercado financeiro como o principal candidato à vaga de Roberto Campos Neto, garante que não está claro para ninguém no BC se haverá ou não redução do ritmo de cortes dos juros

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Por Célia Froufe (Broadcast) e Thaís Barcellos (Broadcast)
Foto: Piti Reali/FGV
Entrevista comPaulo PicchettiDiretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central

BRASÍLIA - Uma flexibilidade maior na condução da política monetária pode ajudar o juro a chegar a um menor nível no fim do ciclo, na avaliação do diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central (BC), Paulo Picchetti. “Ir mais devagar para chegar mais longe”, afirmou ele ao Estadão/Broadcast, em sua primeira entrevista exclusiva no cargo. Segundo o executivo, ninguém no BC tem tão claro hoje se será necessário reduzir o ritmo de cortes de 0,50 ponto porcentual da Selic.

O diretor avisou que o colegiado abusará de argumentos técnicos para o caso de haver um racha na decisão. Muitos analistas passaram a crer que isso se dará em junho, mês em que o Comitê de Política Monetária (Copom) deixou sua porta aberta após o encurtamento do forward guidance (indicação sobre os rumos da política de juros). “Economia não é uma ciência exata. Política Monetária, em particular, não é. Então, pode haver divergências e serem claramente comunicadas, não como uma coisa que é ideológica ou política.”

Picchetti é economista graduado pela Universidade de São Paulo e tem Ph. D. em economia pela Universidade de Illinois. Até ser indicado à diretoria do BC era professor na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP). Seu nome começa a aparecer com destaque no processo de sucessão de Roberto Campos Neto à presidência do banco. A pesquisa Genial/Quest com analistas do mercado financeiro divulgada no último dia 20 apontou que, pelo menos para os eleitores da Faria Lima, ele é o preferido para a vaga, à frente de Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do banco.

“Fico lisonjeado de se lembrarem de mim, mas não há evidências de que eu ou outra pessoa qualquer seria um nome da sucessão”, disse, sobre esse assunto. Leia os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão/Broadcast:

A ata aponta que o cenário básico não mudou substancialmente. O que mudou?

O cenário base não mudou, mas há um grau de incertezas maior de fatores domésticos e externos, sem assimetria de riscos. A decisão de tirar o forward guidance para as (próximas) duas reuniões foi ganhar liberdade para acompanhar os dados e tomar a decisão que pareça a ideal. O guidance (orientação) não é um compromisso firme, mas é algo com mais peso. Teve um papel importante no início do ciclo de cortes, reduziu a volatilidade e ajudou a comunicação, mas tem um custo na hora de tirar.

Então não podemos concluir que o BC já vê risco maior de uma Selic mais alta?

Não dá para dizer isso. O Roberto (Campos Neto, presidente do BC) disse e eu concordo: eventualmente ter uma flexibilidade com relação à trajetória futura é algo que ajuda uma taxa terminal menor ser possível.

Mas o mercado vê o contrário...

Se houver oportunidade de ter calma, de mudar a trajetória de alguma forma que te faça ganhar tempo para ter novos dados e avaliar melhor a situação, ajuda as expectativas a convergirem de um jeito que possibilita no final, eventualmente... Ir mais devagar para chegar mais longe.

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Troca do presidente e de dois diretores do BC traz incerteza sobre a condução da política monetária Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

As expectativas de mercado para a inflação também seguem desancoradas e resilientes. Qual seu diagnóstico?

Olhando a distribuição das expectativas para o IPCA até 2028, em 3,5% (para uma meta de 3%), vejo que há uma dispersão muito pequena e que não se mexe. O desafio é entender de onde vem esse prêmio.

Quais seriam as explicações?

Há uma questão conjuntural de ajuste de preços relativos relacionado ao deslocamento de consumo de serviços para bens na pandemia e que também tem a ver com a discussão no mercado de trabalho. Mas não acho que explica um horizonte tão longo. Há também um argumento de que, historicamente, nunca se observou a inflação rodando sistematicamente em 3% no Brasil. É um número inédito e que gera algum grau de desconfiança.

E tem o fiscal...

Outra é o prêmio de risco fiscal. As notícias são mais animadoras pelo arcabouço e pelas notícias de curto prazo que estão surpreendendo, o que já leva até a um princípio de revisão do déficit primário para este ano. Tudo isso em um contexto de um ministro incrivelmente comprometido com a meta zero. Se isso é verdade, ao longo do tempo ajudará a tirar esse prêmio. Outra explicação é a incerteza sobre a condução da política monetária, com a troca do presidente e de dois diretores do BC. Uma avaliação pessoal: não acredito nesse risco como evidência clara. Já há quatro membros da diretoria apontados pelo atual governo e as comunicações e votos no Copom mostram que não há divergência. É um banco comprometido com o cumprimento da meta de 3%. Parece que todo mundo entende que a gente tem esse mandato e que será cumprido, de que não tem nenhuma guinada preocupante na condução da política monetária.

Sobre os fatores de desancoragem, um fiscal mais positivo é um consenso dentro do Copom?

É.

Campos Neto já fez ao Copom alguma comunicação sobre transição?

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O presidente falou que fará o máximo possível para ter uma transição suave.

O sr. já deve ter ouvido que o diretor Gabriel Galípolo vem sendo apontado como sucessor de Campos Neto, mas seu nome também tem crescido...

Vi meu nome em pesquisas e me surpreendeu (na pesquisa Genial/Quaest divulgada em 20 de março, feita exclusivamente pessoas do mercado financeiro, o nome de Picchetti apareceu como favorito ao cargo). Assumi a diretoria há três meses, então estou tomando pé de todos os assuntos do Banco. Fico lisonjeado de se lembrarem de mim, mas não há evidências de que eu ou outra pessoa qualquer seria um nome da sucessão.

O sr. falou que as decisões do Copom têm sido unânimes, mas divisões, principalmente em períodos de mudança de ritmo, não são incomuns. É o que se espera para junho. Como afastar rumores de interferência política?

Tem um caminho só: colocar explicitamente os elementos técnicos que estão por trás da opinião de cada um. A diretoria é uma composição rica de talentos diferentes. Quando se fala que “alguns membros” levantaram uma questão não significa que os outros não concordem. Há um processo de convencimento que até agora levou à convergência. Mais para frente, se acontecer essa eventual divisão, para fugir do risco de parecer que houve algo puramente político, se deixa claro quais são os argumentos técnicos por trás de uma escolha. Economia não é uma ciência exata. Política monetária, em particular, não é. Então, pode haver divergências e serem claramente comunicadas, não como uma coisa que é ideológica ou política.

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A ata trouxe a expressão “alguns membros” em dois momentos: sobre uma possibilidade de redução do ritmo de cortes e a preocupação maior com o mercado de trabalho. Qual é a posição do sr. nesses dois pontos?

Principalmente no cenário doméstico as incertezas estão muito ligadas a preços relativos e à pressão no mercado de trabalho. Então acho que as duas coisas estão intimamente ligadas. Deixamos claro que não há evidência de uma transmissão direta de aumento salários para preços. Esse assunto já era algo que vinha chamando a atenção e essa atenção aumentou. Os números no começo do ano vieram fortes, mas não está claro ainda que esse movimento é algo que possa ser separado entre efeito sazonal, que foi afetado pela pandemia, e o de tendência. Precisamos ganhar tempo para olhar novos dados. A preocupação é se eventualmente esse aperto transbordar para preços e voltar a ter uma inflação que corrói o poder de compra, que por si só diminui o crescimento e desarranja o sistema produtivo. Isso desemboca em desemprego. Nossa preocupação é com o nível de emprego sustentável ao longo do tempo.

Mas o sr. está no grupo que acredita que a redução do ritmo é provável se as incertezas não diminuírem?

Ninguém tem tão claro que vai ou não reduzir o ritmo. Quando se levanta que talvez seja necessário, é porque acenderam sinais amarelos que só vão se transformar em decisões se ao longo do tempo ficar evidente que estão criando uma trajetória que comprometa a inflação corrente e as expectativas. Não temos ainda essa evidência, mas temos tempo para que novas informações surjam.

Dá para dizer que o risco do Fed é mais objetivo para a condução da política monetária local? E o desempenho recente do real já pode ter efeito do estreitamento do diferencial de juros?

Acho que é cedo para dizer. Por enquanto, está no rol das incertezas que precisam de tempo para virar evidência mais forte e alterar a condução da política monetária aqui.

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