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PIB avança 2,9% em 2022, mas retração no 4º trimestre ameaça crescimento de 2023

Crescimento anual foi maior do que o esperado um ano atrás, por causa do desempenho do primeiro semestre, mas desaceleração chegou no fim do ano; PIB do 4º trimestre recuou 0,2%

Por Daniela Amorim (Broadcast) e Vinicius Neder
Atualização:

RIO - A economia brasileira terminou 2022 com uma freada brusca, mas isso não impediu o crescimento anual de 2,9% em relação a 2021. A desaceleração, esperada por economistas e analistas desde o início do ano, ficou mesmo para o terceiro e, principalmente, para o quarto trimestre, informou nesta quinta-feira, 2, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Nos três últimos meses de 2022, o Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) caiu 0,2% ante o terceiro trimestre. Pesquisa do Projeções Broadcast com analistas de mercado apontava para uma retração de 0,1%, com crescimento anual de 3,0% ante 2021.

O consumo das famílias, principalmente o direcionado para os serviços, foi o motor da economia no ano passado, com avanço de 4,3% sobre 2021, a maior alta anual desde 2011, quando cresceu 4,8% sobre 2010. Os investimentos (classificados no PIB como formação bruta de capital fixo, a FBCF) cresceram 0,9% e o consumo do governo avançou 1,5%.

Com a volta ao funcionamento normal dos negócios atrapalhados pelas restrições ao contato social durante a pandemia, como neste retaurante do Itaim, na capital paulista, setor de serviços experimentou retomada puxada por demanda reprimida, principalmente no início de 2022 Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 09/03/2022

O consumo das famílias foi também o principal responsável pela surpresa positiva – um ano atrás, as projeções para o crescimento econômico de 2022 estavam entre 0,2%, pouco antes de os dados fechados do PIB de 2021 serem divulgados, e 0,4%, poucas semanas depois da divulgação, mostram dados da época do Projeções Broadcast. No fim das contas, a guerra na Ucrânia também pareceu ter tido efeito mais positivo do que negativo sobre a economia brasileira.

O quadro foi mudando ao longo do ano, à medida que dados conjunturais vinham mais robustos do que o projetado, mês a mês. Economistas foram explicando que fizeram a diferença para adiar a desaceleração os estímulos à renda das famílias garantidos por medidas do governo – como a elevação do pagamento mensal do programa de transferência Auxílio Brasil, a redução dos tributos sobre combustíveis, a liberação de saques extraordinários do FGTS e auxílios específicos para caminhoneiros e taxistas – e a “normalização” do consumo dos serviços.

Nessa normalização, após a redução das restrições ao contato social, por causa da covid-19, as famílias gastaram mais com bares, restaurantes, hotéis e entretenimento do que os analistas projetavam. Economistas também explicaram que a demanda reprimida recebeu o impulso de ajustes nos hábitos de consumo das famílias, principalmente das mais ricas. No auge da pandemia, esses consumidores, que tradicionalmente gastam mais com serviços, foram impedidos de frequentar os estabelecimentos, por causa das restrições. Em casa, com a renda pouco afetada, essas famílias puderam gastar mais com bens, via comércio eletrônico ou entregas a domicílio. Com a reabertura dos negócios, esses consumidores tinham poupança acumulada e deixaram de gastar mais com os bens, para voltar a gastar mais com serviços.

Tanto que, pelo lado da oferta, o principal motor do crescimento do ano passado foi o setor de serviços, com crescimento de 4,2%. O PIB da indústria avançou 1,6%, enquanto o da agropecuária caiu 1,7%.

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No segundo e no terceiro trimestres, a economia já havia começado a desacelerar, mas, até aquele momento, os motores dos estímulos à renda e da retomada de uma demanda reprimida por serviços que exigem contato social suplantaram os freios puxados pela inflação elevada e pela reação do Banco Central (BC), que, para esfriar a economia e, assim, arrefecer a alta de preços, levou a taxa básica de juros (Selic) a 13,75%, num ciclo de aumentos que só seria interrompido em setembro. No quarto trimestre, a retomada da demanda reprimida se esgotou, e a ação do BC falou mais alto.

“Tivemos um aumento da poupança privada durante a pandemia e, nesse período (primeiro semestre de 2022), houve uma ‘despoupança’, o que ajudou a impulsionar a demanda doméstica, promovendo esse crescimento, mas que está se esgotando agora”, afirmou Carlos Lopes, economista do Banco BV.

“Esses fatores positivos passaram a ser contrabalanceados por outros fatores a partir do segundo semestre de 2022, como o mercado de trabalho, que começou a mostra desaceleração, além do efeito defasado da política monetária, que ficou claro, fazendo com que a economia desacelereasse”, afirma a economista.

Desaceleração adiada

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, destacou, no processo de adiamento da desaceleração, o peso das medidas do governo Jair Bolsonaro (PL) e o fato de que as elevações de juros levam mesmo um tempo para fazer efeito – é o que especialistas chamam de “defasagem” da política monetária, ou seja, o período entre as alterações na taxa básica e a chegada dessa ação ao mercado de crédito, operado por bancos e financeiras; segundo Ribeiro, essa defasagem pode ser de seis a nove meses.

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Na mesma linha, Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, explicou que, ao longo de 2022, os gastos do governo tiveram um comportamento expansionista, com o governo federal adotando medidas que impulsionaram a renda das famílias e, consequentemente, puxando a atividade econômica. Já a política de juros teve comportamento contracionista, freando a economia, com os sucessivos aumentos na taxa básica. Além disso, diferentemente da política monetária, que tem sua defasagem, os gastos do governo agem mais rapidamente.

“A política fiscal, de auxílio à renda das famílias, é mais eficiente. No primeiro momento já aumenta a renda disponível”, afirmou Palis, completando: “Já a política monetária tem certo delay para ter efeito total sobre a economia”.

No conjunto de ações adotadas pelo governo Bolsonaro no período eleitoral, Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, chamou a atenção para medidas “parafiscais”, ou seja, que usam recursos públicos, mas que, diferentemente do aumento do Auxílio Brasil ou do pagamento de auxílios emergenciais para determinadas categorias, não entram como despesas do Orçamento.

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‘Ressaca’ do FGTS

Uma delas foi a autorização de saques extraordinários do FGTS. Segundo Borges, apenas no segundo trimestre do ano passado, foram sacados cerca de R$ 20 bilhões. Outra medida “parafiscal” foi a permissão para que os pagamentos do Auxílio Brasil fossem usados em empréstimos consignados. Os bancos comerciais tiveram cautela e evitaram esse tipo de operação, mas a Caixa cumpriu a diretriz do governo. Dados consolidados do BC mostram R$ 5 bilhões em empréstimos consignados em outubro do ano passado. Já neste ano, sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Caixa anunciou que suspenderá esse tipo de operação.

“O que acontece com esse tipo de estímulo parafiscal é que temos um tremendo de um boom, quando o dinheiro entra na economia, e, depois, quando não entra mais, temos uma ressaca”, afirmou o economista da LCA Consultores.

Mesmo com os empréstimos consignados em outubro, a “ressaca” mencionada por Borges parece ter vindo no próprio quarto trimestre. O consumo das famílias cresceu apenas 0,3% ante o terceiro trimestre – no período de julho a setembro tinha havido um crescimento de 1,0% ante o trimestre imediatamente anterior. Pela ótica da oferta, a freada no consumo atingiu o setor de serviços, que cresceu apenas 0,2% sobre o terceiro trimestre, o menor ritmo desde que, a partir do terceiro trimestre de 2020, a economia nacional entrou em recuperação após o fundo do poço da crise causada pela covid-19. O PIB industrial encolheu 0,3% ante o terceiro trimestre, determinando a retração no agregado da economia.

Desaceleração continua

Ao se debruçar sobre os primeiros dados da atividade econômica de janeiro, economistas e analistas têm sustentado que o processo de desaceleração continuará neste ano. Na pesquisa feita pelo Projeções Broadcast antes da divulgação dos dados pelo IBGE nesta quinta-feira, 2, as estimativas de mercado apontavam para um crescimento de apenas 0,8% em 2023. A mais otimista das projeções não passava de um crescimento econômico de 1,6%.

Para piorar, os freios puxados pelos juros elevados e pelo esgotamento da retomada da demanda reprimida por serviços podem ser agravados por elementos novos. Entre eles estão as incertezas sobre os rumos da política econômica – já que o governo federal ora sinaliza com a antecipação da apresentação de novas regras para levar a um equilíbrio nas contas públicas ora discursa contra a política de juros e a independência do BC ou fala em medidas que poderiam resultar em aumento de gastos.

Outro elemento novo é o escândalo corporativo envolvendo a varejista Lojas Americanas, que pediu recuperação judicial em janeiro, após revelar que deixou de lançar em torno de R$ 20 bilhões em seus balanços financeiros. Para alguns, como Borges, da LCA Consultores, o problema poderá levar a uma retração na concessão de empréstimos por parte dos bancos, o que daria ao quadro contornos de crise de crédito, mesmo que passageira. Para outros, como os analistas do BTG Pactual, o caso da Americanas tem atrapalhado a emissão de títulos de dívida de grandes empresas no mercado, mas o fato de que as concessões de empréstimos cresceram em janeiro seria um sinal de que “não há risco iminente de uma crise de crédito, apesar do cenário mais adverso”, como diz um relatório divulgado pelo banco, na última terça-feira, 28.

Só que, independentemente do tamanho desse problema, o fato é que tanto a crise da Americanas quanto os ruídos em torno da política econômica têm resultado na elevação dos juros de mercado de médio e longo prazo. Na prática, isso leva a nova rodada de aumento generalizada de juros nos empréstimos oferecidos, na ponta, para empresas e famílias, ou seja, há um aperto nas condições de crédito, mesmo com a taxa Selic estacionada desde setembro.

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Para o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, esse poderá ser um motivo a mais para que o BC comece a cortar os juros. Na interpretação de Lacerda, que integra uma comissão de economistas coordenada por André Lara Resende no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a inflação elevada atualmente tem pouco a ver com demanda aquecida, portanto não deveria haver tanta preocupação com os desequilíbrios das contas do governo.

“A nossa inflação tem pouco a ver com a questão (do desequilíbrio) fiscal. Ela tem a ver com as pressões de custos, que são muito relevantes. É mais um motivo para evitar uma taxa de juros tão elevado como a que temos. Poderíamos argumentar que as taxas de juros futuras tendem a refletir a visão do BC sobre o presente. Ocorre um cenário curiosíssimo, em que a própria narrativa do BC cria espaço para uma interpretação, a meu ver equivocada, de que estaríamos numa situação fiscal muito grave e que isso é o que provocaria inflação. Os números não apontam para isso”, disse Lacerda.

Motor de 2023

O quadro só não será pior por causa da agropecuária. A queda do PIB do setor em 2022 se deveu à quebra da safra de soja, por causa da forte seca que atingiu a Região Sul do País no ano passado, mas as perspectivas para este ano são completamente diferentes. A seca voltou a assolar o sul do País, porém, de forma mais tênue, ficando restrita ao Rio Grande do Sul neste verão. Com isso, as projeções apontam para uma supersafra de soja, praticamente garantida, o que beneficia também a segunda safra de milho e aponta para novo recorde na produção de grãos em 2023.

Maquinário trabalha na colheita da soja em Capão Bonito, no sudoeste paulista, em fevereiro: clima favoreceu produção da principal cultura da agricultura brasileira, o que deverá puxar o PIB da agropecuária em 2023 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Tanto que mais de uma equipe de economistas citou essas perspectivas para justificar aumento nas projeções do crescimento econômico deste ano. O BTG Pactual elevou a estimativa de 0,7% para 1,1%, já que espera um salto de 7,3% no PIB anual da agropecuária de 2023. Mais otimista, a LCA Consultores prevê salto de cerca de 10% na agropecuária este ano. Com isso, reviu sua estimativa de crescimento econômico anual em 2023 de 0,5% para 1,3%.

Choque positivo

Apesar de positivo para a economia e embora se dê num contexto de crescimento continuado e estrutural, com ganhos de produtividade, Borges, da LCA, lembra que esses booms do agronegócio são “choques de oferta”, que ocorrem por fatores mais ou menos alheios à política econômica e aos ciclos econômicos. O PIB da agropecuária não contribuiu com o crescimento econômico ano passado porque a seca, sob a qual não se tem controle, derrubou a produção de soja, principal cultura da agricultura nacional, e, este ano, contribuirá fortemente porque o clima foi muito mais favorável. Isso mesmo com um ciclo econômico de baixa.

O resultado é um desempenho desequilibrado da economia, conforme análise feita pela LCA Consultores, em relatório. Os analistas da consultoria dividiram o PIB, pelo lado da oferta, em três grupos. O maior deles, com peso de quase 60% na economia em 2022, é formado pelos setores mais expostos aos ciclos, como a indústria da transformação, a construção civil e boa parte dos serviços. Nos cálculos da LCA, esse grupo do PIB cresceu 4,5% no ano passado. Esses setores são mais expostos aos efeitos da demanda comprimida pelos juros altos e, com a desaceleração do quarto trimestre e sua continuidade neste início de ano, deverão registrar retração de 0,1% em 2023.

Um segundo grupo, com peso de 26,6% na economia em 2022, é formado por setores que também ficam alheios aos ciclos econômicos, mas tampouco passam por choques, como os serviços públicos oferecidos pelo governo e os serviços imobiliários. O terceiro grupo é formado pela agropecuária e pela indústria extrativa, com peso de quase 14% na economia em 2022. Seu comportamento é alheio aos ciclos, mas é tudo, menos estável, com vaivéns a cada choque positivo ou negativo. Ano passado, esse grupo encolheu 1,3%, nas contas da LCA. Já a estimativa para este ano aponta para um salto de 7,3% ante 2022.

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“O PIB agropecuário este ano vai ter um crescimento próximo dos dois dígitos. Por questões de metodologia, isso acaba segurando o PIB como um todo, mas a sensação térmica da economia, para boa parte da população, é a que está no componente mais sensível às condições financeiras, que teve um crescimento muito expressivo ano passado, de 4,5%, devendo passar para uma queda pequena este ano. Não à toa, a nossa previsão é que a taxa de desemprego vai subir ao longo deste ano”, afirmou Borges, ponderando, porém, que, para as pessoas que moram em regiões próximas aos polos do agronegócio, o bom desempenho da agropecuária se espalha para além do setor. / COLABORARAM DANIEL TOZZI MENDES, MARIANNA GUALTER E ITALO BERTÃO FILHO, DE SÃO PAULO

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